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| Figura 1: Ilustração Jornal Rio de Flores |
Sou professora licenciada em Letras já se vão quase 30 anos, portanto, já superei aquela fase inicial em que estamos propensos a corrigir tudo e todos, ou seja, aquela fase em que imaginamos que somos capazes de mudar o mundo.
Lecionei no ensino médio e no ensino superior, quase
sempre, a disciplina de Literatura, desde as suas bases, aquelas disciplinas
que ensinam os fundamentos literários, as concepções aristotélicas, até as
diferentes correntes de crítica literária. Depois de aposentada, passei a
exercer uma atividade em sentido bem distinto: a revisão de textos acadêmicos –
artigos, dissertações, teses -, ou seja, textos técnicos, de diferentes áreas
do conhecimento e a centrar-me, desse modo, na escrita da língua portuguesa
culta.
Ortografia, pontuação, acentuação, concordância
e regência nominal e verbal, estrutura de parágrafos, enfim, tudo que é próprio
de uma escrita de qualidade, porque é muito feio (desqualificador) para um
mestrando ou doutorando ter apontamentos de desvios de linguagem em sua
dissertação ou tese. O meu trabalho parece ser bem aceito, afinal, com
frequência, sou recomendada por clientes de diversas instituições.
Feita essa breve apresentação, quero fazer uma
digressão para as redes sociais. Sou solteira, não tive filhos, moro sozinha,
estudei, moro no Rio Grande do Sul, uma sociedade essencialmente patriarcal,
forjada pelo masculino. Nessas condições, uma mulher que pensa e que diz o que
pensa é chamada disruptiva, mas os populares chamam-na “louca”, porque foge aos
padrões, ou seja, coloca-se em oposição à mulher dita normal: casada, com
filhos e netos etc. Sabemos que todos têm as suas neuroses (mesmo que não
admitam ou não saibam isso) e essas bobagens de ser ou não louca sempre foram
facilmente entendidas por mim, embora sejam-me “cuspidas” como um adjetivo
depreciativo.
Aqui eu chego ao ponto 1: desconhecemos o
significado dos vocábulos que usamos em língua portuguesa. Se eu disser que
alguém é neurótico, julgar-me-ão ofensiva, mas me chamarem de louca está no
campo das práticas aceitáveis para os padrões das redes sociais.
Por derivação, considero que há um ponto 2: a
linguagem comum (que, em língua culta, dizemos que é linguagem vulgar) tem
maior aceitação entre os falantes de língua portuguesa, enquanto uma linguagem
mais qualificada é rechaçada.
Questão 1: Por que a rejeição ao que estuda
(não necessariamente o estudo formal, a escola), àquele que tem mais
conhecimento? Por que não aprender com ele? Por que o padrão deve ser o que não
estuda, não pesquisa, não se esforça para ser mais, aprender mais?
Questão 2: Por que não ampliar o nosso
vocabulário? Quanto mais palavras conhecemos, melhor entendemos a realidade
circundante. Eu sempre cito o exemplo do menino que foi chamado de “marginal” e
ele ameaçou o seu interlocutor com um processo judicial. Se ele morava na
última residência de sua rua antes de chegar à rodovia, que cruza à margem da
cidade, ele tanto era marginal à cidade, quanto marginal à rodovia. Uma simples
consulta ao dicionário teria resolvido a questão.
Ainda no campo das redes sociais, deparei-me
com uma discussão (que, aliás, inspirou este texto) entre duas mulheres: a
primeira alegava que não haviam “decifrado” o seu comentário, enquanto a
segunda afirmava que só conseguia entender comentários que fossem minimamente
escritos com coerência e clareza. Acontecia, frequentemente, na devolução de
provas no ensino médio de os meus alunos questionarem por que determinada
questão estava errada. Eu pedia que eles dissessem o que tinham respondido,
eles falavam. Na sequência, eu pedia que lessem as suas respostas. Eu
perguntava: “Alguma diferença entre a tua fala e a tua escrita?” Eles riam:
“Todas”. Nem sempre o que queremos dizer é transposto para a escrita, ninguém
consegue “decifrar” o que escrevemos.
Outro ponto importante: na escrita, se não
houver pontuação (vírgula, ponto final, ponto de interrogação, ponto de
exclamação), letras maiúsculas e letras minúsculas, por exemplo, a compreensão
fica dificultada. Sem contar, que, na escrita, faltam os gestos, as expressões
faciais.
Nesses tempos de polarização, se as pessoas
lessem mais, escrevessem melhor e conversassem mais, exercitando mais e melhor
a língua portuguesa, eu desconfio, haveria menos desentendimentos.
Ah, a propósito: o tal comentário que a mulher
pedia que fosse decifrado, eu não decifrei.


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Maravilhoso grito❣️Parabéns ❣️
ResponderExcluirAssinando: Ana Mendes 👆🏼❣️
ResponderExcluirAdorei seu artigo. Maravilhosamente real e oportuno!
ResponderExcluirParabéns sucesso sempre.
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