sábado, 1 de fevereiro de 2025


Em minhas mais doces memórias, ainda me vejo correndo descalça. Brincava na rua até à noite, com meus irmãos, sem preocupações, sem que meus pais temessem algum perigo, só adentrava à casa somente quando minha mãe chamava, mas meus pais não saíam à rua para nos impedir de ser crianças.

Muitas vezes, descuidada na empolgação da correria, feri meus pés em espinhos, pequenos cacos de vidro. Simplesmente sentava no chão, retirava o espinho e saia a correr, de sentir dor.

Ainda tenho algumas cicatrizes dos cortes em cacos de vidro. E me recordo dos sustos de minha mãe, quando era necessário ir ao pronto-socorro, tirar um pedaço de vidro que estava teimosamente incrustado, não querendo sair. Doía, mas me segurava, afinal a dor passaria, enquanto fazia esforço para não chorar, minha mãe se apiedava, e eu não levaria umas chineladas.

No dia seguinte, lá estava eu novamente, abandonando os chinelos ou tênis, largados na calçada. A liberdade de ter os pés libertos, sentindo a grama, a terra, até mesmo o asfalto quente. Tudo valia a pena, o riso, as brincadeiras, a correria eram recompensadas com o esquecimento desses pequenos acidentes.

Após crescida, tomei modos, como diria minha mãe, só andava descalça na areia, quando ia à praia, sentido as ondas molhando os pés sedentos de liberdade. Adorava ver as águas imensas apagando minhas pegadas.

Adulta, calcei meus filhos, preocupando-me de que pudessem ferir seus pés. Chinelos, sapatos, tênis, tudo para proteger meus rebentos.

Já não tinham a liberdade ilimitada de outros tempos, brincar na rua, só com a supervisão dos pais. Ficar na rua até tarde, noite adentro, nem pensar. Nesses novos dias, com a insegurança instaurada em todos os lugares, não tinha jeito.

Infelizmente, os tempos mudaram, a inocência da infância, dos que têm mais de 50, ficou no passado.

Atualmente, pés descalços são sinônimos de pobreza, são marcas dos desprovidos, dos indigentes, ou dos inocentes que ainda tentam dar os primeiros passos. Não é mais legado de liberdade da infância, de banhos de chuva, corridas na enxurrada, uma liberdade descontraída e privilegiada.

Agora tenho sapatos demais, que me levam a tantos lugares, mas eles nunca me levarão aonde fui, quando tinha os meus descalços.


Texto: Ivete Rosa de Souza
Ediçãoe Ilustração: Jornal Rio de Flores

Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), poetisa, cronista e contadora de histórias. Nascida em Santo André. SP, atualmente participando de antologias físicas e ebooks, contabilizando mais de 80 participações. Publicou dois livros de poesias, descobriu-se contista no gênero de Suspense e terror e outros de fantasia, onde houver história sempre haverá alguém para contar. 

Obras da Autora:


Direção Geral
Renato Galvão





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