terça-feira, 21 de janeiro de 2025


Em uma ilha remota, vivia uma boa senhora. Não se sabe de onde veio, dizia que o destino a mandou. Somente que ali felizmente aportou. Era uma curandeira, benzia os inocentes, prevendo o que cada um que ali nascia, fosse um doutor ou um grande pescador.

O fato era que acontecia, o que a boa senhora falou com uma profecia, tudo ali prosperava.

O tempo foi passando calmamente, ela cuidando dos vivos e dos mortos, pois também era carpideira, chorava sinceramente por aqueles que partia, não se negava a ajudar.

De longe viam a casa, com a chaminé fumegando.

Vinham buscar a mulher, a esposa de alguém ia parir. Ela largava tudo apressada, servia de parteira, passadeira, cozinheira, até mesmo costureira, para poder sobreviver, nunca pedia nada.

Assim ficou conhecida, com a alcunha merecida de benzedeira, carpideira, doceira e parteira. A que chorava pelos mortos, dizendo que suas almas só encontravam bom lugar, por serem amados, cuidados e enterrados, por aqueles que se importavam.

Mas em uma grande tempestade, o vento, com toda sua majestade até o mar, rodopiou.

Quem pode, pegou o barco, do outro lado da ilha, conseguindo fugir. Muitos sequer alcançaram, se afogaram, sem ter aonde ir.

Mais nenhum deles lembrou, da velha senhora, que ficou na casinha de pedra “Dei tanto de mim a esse povo, por engano ou desaforo, me deixaram aqui para enfrentar o vento, sem poder me defender”.

E o vento ouviu o lamento, num instante o tormento daquela velhinha aliviou, a levantou de mansinho, com suavidade a carregou, entregou-a ao mar, sussurrando: eu não tirei sua vida, a pobre não ficou ferida, a ingratidão a matou.

O mar abraçou a senhora, deitando-a no oceano profundo onde tritões, sereias, e criaturas das águas, a pequena mulher sepultou.

Choraram, sinceramente, por aquela que sorriu pelos inocentes.

Encaminhou almas perdidas, no final da vida, por eles chorou.

O mar, então enfurecido, fez ao vento um pedido que esparramasse as ondas, batendo com forças nas pedras, destruindo toda a ilha. Nenhuma construção sobreviveu, somente a casinha da velha, nem sequer uma telha se moveu.

Os navegantes que ali passam, veem uma pequena mulher na frente de uma casa inteira, sobre uma rocha no meio das águas, coberta de mariscos, algas e peixes, que pulam de lá para cá.

Mais ninguém ali aporta, pois, o mar, um abismo criou.

Não entra nenhum humano, naquele lugar sagrado, onde a deusa habitou.

Quem ousa chegar mais perto, comete o pecado cobrado, no fundo das águas do mar.

A carpideira, agora, não chora, recebe a luz das estrelas, escuta o sussurro do mar, a lua lhe beija a fronte. Quando sua alma vai à terra, ver ao largo algum barco passar.

Feliz é a alma que encanta, até o mar se levanta, para reverenciar, O amor que é fonte divina, das almas que entendem, que a vida é preciosa.

No mar do destino, o importante é ter gratidão ao navegar.


Texto: Ivete Rosa de Souza
Edição e Ilustração: Jornal Rio de Flores

Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), poetisa, cronista e contadora de histórias.
Nascida em Santo André. SP, atualmente participando de antologias físicas e ebooks, contabilizando mais de 80 participações.
Publicou dois livros de poesias, descobriu-se contista no gênero de Suspense e terror e outros de fantasia, onde houver história sempre haverá alguém para contar.
 

Nota do EditorCarpideira é o nome dado a uma mulher que é contratada para chorar e lamentar a morte de um defunto em velórios. A profissão era comum em cidades do interior do Brasil. A tradição de contratar carpideiras surgiu quando as famílias não tinham membros próximos para chorar no funeral. Os homens eram considerados inadequados para esse papel, pois deveriam ser fortes e líderes da família. A palavra carpideira também pode ser usada de forma figurada para se referir a uma mulher que chora ou se queixa com frequência.

Direção Geral
Renato Galvão



 

    

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