Chamado às pressas
pela mãe, vindo do quintal da casa, espantando as galinhas e os pintinhos, o
pequeno Urbano senta-se no chão e, como de costume, pede: “Sua bênção, mãinha!”.
Ela, cheia de dor no coração, fala com cuidado e amor: “Garoto, prepara-te para
a pior notícia...!”; e de chofre, vai logo dizendo entre soluços: “..., teu pai
morreu!”.
O sol já estava se deitando ao final do
dia. Na salinha da casa, a mesa estava disposta no centro, aguardando o caixão,
para o velório. Haviam avisado, ainda há pouco, que o corpo, seria trazido do
hospital da cidade. O pai falecera, após a picada da cascavel!
Por ironia do destino, deram àquele
menino um nome que nada lembrava o lugarejo onde nascera, um sítio na área
rural! Batizaram como Urbano!
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E foi assim que, depois do enterro, tão logo pode ir, aquela viúva reuniu suas tralhas, algumas economias que tinha feito, os filhos, e rumou para morar num barraco na periferia da cidade.
O fato é que, morando na cidade ou na
roça, qualquer garoto, em outros tempos, crescia sabendo que poderia assumir,
mais dia menos dia, o papel de provedor de família. A pouca expectativa de vida
da época, impunha uma condição considerada natural! O indivíduo, desde tenra
idade, era levado a entender e aceitar, com orgulho, que, na falta do pai, ser
arrimo da família era uma condição honrosa. Para tanto, toda a estrutura
familiar dava ao filho primogênito aquela responsabilidade.
Os garotos nem eram educados e nem
treinados a desempenhar socialmente aquele papel! Recebiam a missão, como um
dever de altíssima responsabilidade. Se eram
corretamente preparados, não vem ao caso julgarmos! Era aquele o papel que, aos
filhos homens mais velhos, a estrutura familiar reservava, inclusive com o “consentimento”
das mulheres.
O advento do
princípio equivocado da igualdade entre homens e mulheres, trouxe a
interpretação de que, efetivamente, aquele papel de provedor, poderia ser igualmente
exercido por uma menina. Assim, surgiram divergências quando as mulheres, com
justiça, se rebelaram contra aquilo que atualmente se denomina “machismo”, mas
esqueceram de redefinir a distribuição da responsabilidade originária de
garantia de sobrevivência da família, no caso de morte ou ausência do avô ou do
pai, como até então a humanidade havia se organizado!
Creio ser possível dizer humanidade,
posto que desde as mais primitivas tribos, até às mais conservadoras
civilizações, o sistema vigente era aquele, onde prevalecia a tradicional
sucessão primogênita. Isso acontecia por muitas razões de reconhecimento de
sucessão legítima de poder, de patrimônio ou de responsabilidade da guarda e
proteção de bens de família e garantia da sobrevivência da prole e das viúvas.
No Japão moderno, por exemplo, embora o País tenha se desenvolvido muito, essa
tradição de sucessão primogênita, continua inabalável até hoje.
Não é desejável tratar da questão
somente em função do papel do garoto, desde menino, nem tampouco pela abordagem
do masculino ou do feminino; menos ainda pelo gênero homo sapiens, que é a
espécie à qual pertencemos como humanos. Somos bípedes, mamíferos, sábios, cuja
população, acredita-se, passe de oito bilhões de indivíduos. Pertencer a essa
espécie, até prova contrária, é situar-se dentro dessas duas condições: 1ª
Condição - “multiplicai”, quando nascemos com as capacidades reprodutivas,
masculina ou feminina, e que nos torna indivíduos indispensáveis na reprodução,
além de outras funções naturais; e 2ª Condição - “crescei”, quando se acredita
que sejam ainda mais importantes e frágeis as capacidades femininas durante a
gestação e amamentação; necessariamente sustentadas pela forma provedora
masculina.
As meninas, de forma geral, desde bem
pequenas, possuem instintivamente a ideia exata do papel que devem assumir na
vida, justamente por estarem mais diretamente em contato com suas mães, avós,
irmãs, tias e primas, que de forma exemplar direta e indireta, demonstravam com
o próprio exercício de vida.
Certamente, muitos erros eram cometidos
no processo de preparação e iniciação, fruto da imensa ignorância humana, em
certos casos, resultantes da forma machista como a sociedade se organizava.
Nesse campo, até
hoje, não consigo entender a razão de tanto se discutir, de forma dicotômica, aquilo
que é, no meu modo de ver, coisa totalmente natural e exclusiva da perpetuação
da vida de todos, a junção carnal do homem e da mulher!
Não pretendo aprofundar o assunto,
posto ser complexo, com interpretações que dependem de abordagens culturais,
religiosas e filosóficas muito profundas. O que tenho percebido é que, os
nossos meninos, estão perdendo a noção real do papel que lhes é destinado na
vida. As meninas me parecem estar, ainda, bem conscientes, sobre qual papel
lhes é reservado no processo do “crescei e multiplicai-vos”; e lutam bravamente
por evoluir e libertar-se. Tanto isso é verdade que, a todo instante,
assistimos e, até mesmo, comemoramos, inúmeras vitórias delas, nas diversas
batalhas de afirmação de seus direitos, reivindicando autonomias de vida como nunca
tiveram. Para melhor entender isso, basta estudar a história da civilização
humana, nas mais antigas manifestações antropológicas da África, Ásia e Europa.
Trago agora o estudo para a realidade
bem brasileira. Lembrei do menino Urbano. Uma história que sempre me atraiu a
atenção, por ser o caso que destacava esse importante papel de um provedor, e
que era sabiamente reverenciado. Contavam, os mais velhos, sobre o pequeno
Urbano, personagem muito querido, cuja vida foi um verdadeiro exemplo de
dedicação, para ajudar a mãe viúva a criar uma prole de nove crianças. Por ser
o filho mais velho, na ocasião da morte do seu pai, Urbano mudou-se com a mãe,
para a cidade, parou os estudos, para poder trabalhar e assim sustentar a mãe e
os irmãos. Somando seu salário de
vendedor, ao valor da pensão que a mãe recebia, conseguiu encaminhar todos os
irmãos menores para estudar e fazer concursos! Os meninos sonhavam e queriam as
academias militares, naquela época, consideradas como tábuas de salvação para
os jovens das famílias pobres, porque, além dos estudos, ofereciam fardamento,
alimentação e uma pequena quantia, para auxiliar nos sustentos.
Por força do papel de arrimo de
família, Urbano, muito cedo, foi trabalhar no comércio de tabacaria; não se
casou, nem juntou patrimônio próprio. Morreu bem velhinho, após ter acompanhado
a mãe e irmãos, por muitos anos, assegurando-lhes sobrevivência, com dignidade,
quando mais necessitavam de proteção.
Não estou afirmando que ele foi
exemplar, como arrimo de família! Pensando empaticamente, creio ser um papel
extremamente difícil; para o qual não existia um padrão de perfeição a ser
seguido. Se errar é humano, creio que ao jovem a quem se impunha aquele papel,
o errar deveria ser algo perfeitamente previsível! Impossível sabermos como o
Urbano pode ter sido julgado, no exercício de arrimo! Nem mesmo seria possível
por meio de enquete, já que os irmãos são falecidos. Mas é possível crer que,
entre pontos negativos e positivos, ele conseguiu sair-se muito bem, em função
da forma respeitosa e carinhosa como, em vida, os irmãos faziam referências a
ele.
Então, fico me
perguntando, como os jovens primogênitos, meninos, atualmente, compreendem
sobre a importância de ser um arrimo de família? Sentir-se-iam os garotos aptos
a assumir a responsabilidade? Não creio que respondam afirmativamente, porque
nem no passado existia tal aptidão! Mas o que percebo é que, na atualidade, o
papel masculino tem sido estigmatizado, em suas formas mais naturais. Olhando
os rapazes de agora, fragilmente masculinizados, quando não até mesmo bastante
efeminados, cheios de pudor ou vaidades supérfluas, me parecem estar pouco
afeitos a assumirem atitudes necessárias ao arrimo.
Um provedor ou provedora, no sentido
literal da palavra, é aquela pessoa que provê, regula e dispõe recursos,
tomando providências capazes de socorrer, remediar ou abastecer com dinheiro,
alimentos e bens indispensáveis à sobrevivência de terceiros. Por consequência
é também aquele que se responsabiliza por manter a unidade da família.
Sendo assim,
qualquer mulher tem capacidade para exercitar o mesmo tipo de responsabilidade!
No entanto, numa sociedade que culturalmente deixa a mulher exposta à sua
fragilidade natural, especialmente na viuvez, a presença de um homem como
provedor, pode ser indispensável à proteção e sobrevivência da família. No
passado, isso era assunto favas contadas; não havia o que discutir. Mas..., atualmente? Vejo com preocupação essa
questão!
Não há dúvidas de que as mulheres
modernas ocidentais, estão muito mais bem preparadas, para assumir a função de
cabeça da família, responsabilizando-se perante a sociedade e a justiça, pela
sobrevivência dela e dos próprios filhos ou irmãos menores. Entretanto, volto
ao ponto que iniciei meus comentários: os
primogênitos de hoje! Sim! Pergunto enfático: “Estariam os nossos garotos em
condições de assumirem responsabilidades, como arrimos da família ???”.
Texto e Tela: Rocha Maia
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


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