quinta-feira, 24 de outubro de 2024

 

Eufemismos à parte, não adianta querer disfarçar, moço é moço, velho é velho! O problema maior é quando vemos os papéis sendo invertidos. Não estou a me referir ao aspecto da identidade de gênero, tão em voga na atualidade; tampouco às questões de simples androginia, por serem problemas, é certo, mas menores. Não me refiro aos aspectos da ridícula metamorfose plástica, dita como harmonização facial, à qual alguns indivíduos se submetem, na tentativa de mascarar a realidade - ou como prefiram interpretar - de ser ou estar, moço ou velho!

Foto: Meu pai e sua bengala em Teresópolis - Rocha Maia

Acredito que possa ser um direito de todo ser humano, a busca de soluções estéticas cirúrgicas, até mesmo aquelas que utilizem meios radicais, para a redução de sofrimentos, provenientes de condições incapacitantes, para a plena realização de relacionamentos sociais e profissionais.

O crescimento dos apelos constantes, por maiores cuidados com a estética do corpo, tão importantes para a manutenção da saúde e a longevidade, acabam por tornarem-se verdadeiras armadilhas morais, de ação mortal, tanto para o moço como para o velho. A virtude estaria no meio? Ao tratarmos dessas questões, tendo como foco a vida, torna-se impossível o entendimento como uma simples postura de equilíbrio. A vida nos impõe condições aritméticas, para calcular a realidade cronológica dos anos que já tivemos oportunidade de experimentar, no passado, em confronto com os tempos estimados para podermos completar nosso ciclo existencial. Feito o cálculo, o que resta é o chamado futuro ou o tempo que nos sobra de vida. Sem termos qualquer esperança, concluímos, no sentido absoluto, que existimos apenas quando estamos no instante do tempo inelástico, do aqui e agora, formador de cada momento presente que logo, a seguir, já pertencerá ao passado. Esse é o espaço que dispomos, para conscientemente tomarmos decisões, as mais acertadas possíveis, que nos levem a perceber a felicidade de estarmos vivos; e chegarmos à semeadura virtuosa, daquilo que desejamos e poderemos colher, se for possível, mais à frente.

Portanto, ser ou estar, moço ou velho, são condições naturais de vida, que jamais deveriam entrar na relação de justificativas, para o uso de artifícios capazes de camuflar a condição de maturidade física, neurológica ou psicológica, tanto para mais como para menos anos de vida. A condição que mais me toca o sentimento é relativa ao ridículo que algumas pessoas se expõem, tentando esconder rugas e sinais naturais das marcas da experiência de viver, conforme a contagem de anos que já lhes foi possível aniversariar. Porém, os mais ridículos mesmo, para os homens, são aqueles artifícios usados para esconder a careca, esticando alguns fiapos de cabelos, transpassados de um lado para o outro da cabeça. Mas tem também aquele do uso de tinturas, para pintar os cabelos brancos. Sobre esse nem vou comentar!   

Alguns desses artifícios, para ocultação da verdadeira idade, até pouco tempo atrás, eram coisas que os homens levavam vantagem sobre as mulheres, pela liberdade que desfrutavam de ostentar a fisionomia original para o contato social ou profissional. Perguntar às mulheres qual idade têm, ainda é uma indelicadeza. Aos homens, ficar careca, ter cabelos brancos ou ver a pele com manchas, pela exposição mais demorada ao sol, em nada ofendia; eram coisas que faziam parte da condição de ser um homem maduro. Alguns se autodenominavam “Coroas-enxutos”! Com o advento dos cuidados com os aspectos de aparência e vaidade, os homens começaram a ser consumidores de linhas de produtos e de serviços de estética, anteriormente ofertados com exclusividade para o público feminino. O uso de próteses capilares, as conhecidas perucas, ou de cremes hidratantes ou Botox para o corpo, além de implantes ortodônticos e correções de marcas de expressão são amplamente procurados pelos homens.

Quando olhamos as modernas academias de fisiculturismo, com aquelas atividades com terapias hipermodernas, percebemos a importância que a sociedade contemporânea confere aos cuidados estéticos e terapêuticos. São locais criados visando aos programas para atendimento especializado para jovens e adultos, bem como, atualmente, para a chamada terceira idade. Restaurantes, clubes, bares e espaços de lazer, associados às lojas de comércio, cada vez mais oferecem alternativas de produtos e serviços, totalmente adaptados aos diferentes tipos de consumo e de clientes, existindo inclusive especialização de atendimento conforme a faixa etária a ser atendida.

Atualmente, já aos 77 aninhos, recém-ingresso que sou no clubinho do “vaidoso” (melhor dizendo, do “vai-idoso”!), tenho experimentado me adaptar ao uso de uma bengala, por força do tal de Parkinson! Ajuda no equilíbrio ao caminhar, já que uma das recomendações médicas é exatamente essa atividade: caminhar, sempre que puder!

Passado aquele impacto negativo inicial do diagnóstico, tornei-me testemunha (vítima) das péssimas condições das nossas calçadas, rampas e outras adaptações de logradouros públicos, que legalmente deveriam merecer melhor atenção, principalmente por parte dos serviços públicos nas nossas cidades, visando facilitar aos pedestres especiais, melhores condições de segurança na marcha a pé, nas nossas vias e praças públicas.

Foi assim que lembrei de meu falecido pai, que, com muita dignidade e elegância, nos seus últimos anos de vida, fazia uso de uma maravilhosa acompanhante, que ele próprio projetou e encomendou, fabricada de bambu especial.

Quadro: "Uma exposição muito engraçada - 2014 - Por Rocha Maia

Meu velho pai, sempre foi um ser de espírito muito gozador. Era um tipo daqueles que não perde a palavra por uma boa piada, embora possa correr o risco de perder os amigos. Lembro dele caçoando de si mesmo, quando começou a usar a pequena bengala. Ele sempre lembrava da anedota de um certo Presidente da República, que, por ter uma perna mais curta que a outra, fazia constante uso da bengalinha. Sempre que a imagem do tal PR aparecia acompanhado da Primeira-Dama, faziam a pergunta: - “Porque ele casou-se com ela?”; ao que alguém respondia, pejorativamente: - “Porque ele precisa de andar com uma mulher bem-galinha!” (Não me perguntem, por favor, o nome do Presidente nem da Primeira-Dama).

Piadas à parte, chegou meu dia! Então tomei coragem e comprei minha bengala! Resoluto, propus-me a sair mais de casa. O negócio era andar e andar! Mas, pelo amor de Deus, que situação desagradável, quando percebi que as pessoas esquecem da situação quando, necessariamente, é para ser praticada por alguém com algum tipo de dificuldade de equilíbrio. Compadeço-me com a situação dos deficientes que dependem de cadeiras de rodas e andadores. Além dos vários dejetos caninos que são deixados pelos caminhos, encontram-se todos os tipos de imperfeição ou obstáculos nas superfícies calçadas. As raízes de árvores antigas, levantaram placas do concreto do calçamento; as concessionárias de serviços de iluminação pública, água, gás etc. vão plantando postes, escavando pisos, deixando restos de obras e mais um monte de outras porcarias pelos caminhos, sem se importarem, jamais, com as dificuldades criadas para todos os tipos de pedestres, em especial aqueles que apresentam deficiências para caminhar.

Haja paciência e muito cuidado para não tropeçar, não levar um tombo ou torcer o tornozelo durante o passeio; trata-se da mais completa e verdadeira corrida com barreiras, como é transformado o trajeto de algo que deveria servir para um simples passeio terapêutico.  Foi assim que eu aprendi a valorizar o uso da minha bengala. Infelizmente, os mais vaidosos, por receio de estarem declarando aspectos de identificação etária, acabam preferindo não fazer uso de objetos necessários à garantia do melhor equilíbrio nas caminhadas. Há inúmeros modelos e formatos de muletas, bengalas, bastões, suportes e andadores disponíveis no mercado. Basta que cada um saiba escolher e se adaptar ao padrão ideal de segurança e de conforto, para as marchas mais longas.

Nunca pensei numa bengala como algo tão importante e necessário! Feitas as devidas adaptações, de empunhadura e de altura para a haste de apoio, logo percebi as inúmeras utilidades de uma bengala. Não recomendo o uso por simples charme ou elegância no caminhar, mas vou iniciar a minha “ode” ao referido adereço, justamente por esse tipo de abordagem. São vantagens supérfluas, porém muito interessantes! Para claudicantes caminhantes, uma bengala fornece sutil chamamento da visão alheia, como que, atraindo para si, alguns segundos estratégicos de atenção crítica de terceiros; pode ser ainda excelente instrumento de orientação de direção, para grupos de turistas perdidos, nalguma rota de City tours por Paris; ou, se for o caso, ao sermos ameaçados ou constrangidos por meliantes, pode se transformar em poderosa arma de dissuasão aos malfeitores. Afinal, quem pensaria em sair ileso, no caso de confrontar-se com uma poderosa bengala, daquelas feitas de madeira de dar em doido? Algumas inclusive, fabricadas por encomenda, são ótimos disfarces para armas brancas poderosas, ou até mesmo algum temido soco-inglês!

Mas, deixemos de lado coisas da utilidade supérflua, para caminhadas de grã-finos e grã-finas, nas tardes de turfe, ou de poderosos endinheirados, com tempo sobrando, a caminhar nos campos de golfe. Nenhuma dessas se aplica ao meu caso!

Vou comentar sobre as utilidades das bengalas, no caso de usá-las como necessárias e recomendadas, para um bom desempenho dos pedestres, transformados “atletas” do nobre esporte das caminhadas, em pista de obstáculos urbanos, nas calçadas, praças e ruas de pedestres de nossas cidades.

Para felicidade geral e alegria do povo, muitas fraturas graves são evitadas, justamente pelo uso adequado do referido bastão de apoio. Alguns simples escorregões ou tropeços fatais são evitados, durante as caminhadas, mesmo não havendo obstáculos a serem superados, mediante o correto uso de bengala.

O nome bengala tem origem no tipo de madeira nobre, que era importada da região do Golfo de Bengala, Índia e Bangladesh. Tem uso também, com nome Opaxorô, cajado sagrado, no candomblé, e religiões africanas, como símbolo de poder espiritual e proteção. Na religião católica diversos santos, bispos e o Papa também são representados com férulas ou báculos. Mas aqui, para simples mortais, ficamos apenas com a denominação comum de bengala.

Do ponto de vista de identificação e utilização das bengalas longas, há uma legislação específica definindo as cores da seguinte forma: “... a cor branca deve ser destinada a pessoas cegas. Usuários com baixa visão ou visão subnormal devem portar órteses verdes, enquanto a bengala vermelha e branca é reservada para pessoas surdo cegas”. (Fonte: Agência Senado)

As demais bengalas são de uso não obrigatório. Podem ser usadas, portanto, até como adereço carnavalesco ou fantasias de Papai Noel; ou complemento de moda e elegância.

Hoje, tentei fazer uma curta caminhada, pelo centro comercial da cidade, sem fazer uso da minha estimada bengala; foi uma situação desagradável! Percebi que, sem a bengala, os outros pedestres não respeitam nem facilitam a caminhada claudicante da pessoa que anda lentamente, com alguma dificuldade. Parece que estão indo, quase todos, qual o milagre de Santo Antônio, “tirar o pai da forca”! Passam esbarrando e empurrando, quando não até vociferando palavras desagradáveis, como a querer constranger o obstáculo caminhante.

Ao ouvir tantos “elogios”, mais esperto, fui me encostando junto aos muros de vitrinas de lojas, disfarçando, como se estivesse a escolher alguma mercadoria ofertada. Num relance, veio à mente a rabugice de Mario Quintana, no Poeminho do Contra: “Todos esses que aí estão; atravancando meu caminho; eles passarão..., eu passarinho!”

Texto, foto e tela: Rocha Maia

Edição e Ilustração: Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão

 

Nenhum comentário:

Postar um comentário