Andar pela vida é como passar por um vale
profundo, que devemos atravessar, caminhando com passos corajosos e firmes,
partindo de um certo momento em que sentimos o sopro do ar fresco em nossas
narinas, e percebemos, entreabrindo os olhos, que agora há luz no ambiente;
ouvimos sons diferentes e de múltiplas sonoridades. Não temos asas, razão pela
qual algo nos transporta entre afagos e um calor gostoso, que nos conforta e
acalma o choro. Mamãe!
Não sabemos bem o que é aquilo, mas logo nos
acostumamos a sugar o alimento gentilmente ofertado em nossa boca. Nossas mãos,
rapidamente, entendem qual a função a executar, e se agarram e puxam, para
estreitar os laços do maternal abraço. Com a cabeça, ainda balouçante,
insegura, descobrimos como usar melhor o foco visual, procurando ao redor
comparações e referências de imagens. Ainda não há registros! Nos assustamos
facilmente! Por momentos, descobrimos como é bom dormir um pouco. As coisas vão
entrando em funcionamento; algumas foram previamente programadas, outras temos
de aprender, exercitar, mediante a aplicação do método natural de tentativa e
erro, até conseguirmos controlar e repetir. Assim vamos seguindo aquilo que
será constante, até o fim da existência encarnada de cada um de nós. O “aquilo”
é o que denominamos vida!
Tem partes do corpo que me encantam, sobremodo,
ainda que sejam das menos prestigiadas e valorizadas. Contudo, mais dia menos
dia, iremos aprender a usar e cuidar melhor dessas partes. Infelizmente, nem
todos nós compreenderemos logo para o que elas servem; no entanto haverá, para
cada uma delas, imensa importância. Vou logo dizer quais são essas partes que
me fascinam: os pés!
Então? Vamos por partes!
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| Quadro: “As Crianças Tinham seu mundo particular – 2001- por Rocha Maia |
Num determinado momento, sem saber para que nos prestam,
eles parecem servir pouco! Iniciamos por tentar comê-los! Facilmente, botamos
os pés na boca; mais tarde, antes de podermos morder os dedos, logo nos metem
os pequeninos pés nuns sapatinhos engraçados, macios e quentinhos. Rapidamente, sem que tenhamos de pedir,
aparece alguém que nos puxa pelas mãos, obrigando a andar na ponta dos pés. Só assim, forçados, começamos a perceber,
para que nos servem os pezinhos! Ganhamos autonomia aos poucos. O cérebro, já mostrando
a sua importância, tem maior capacidade para crescer. Obviamente, desenvolve-se
muito mais rapidamente do que os pés. Ainda assim, a massa encefálica ainda em
formação não nos permite usar os pés indiscriminadamente! Tem sempre alguém nos
impedindo de avançar o caminho. Tem os que chegam a nos alertar: “Cuidado!
Cuidado, pode se machucar!”. Contestados nos nossos “planos” de ir e vir
livremente, acabamos por descobrir uma outra forma de uso para os nossos pés!
Quando contrariados, podemos acabar usando-os de forma incisiva! São excelentes
para chutar as canelas dos outros, especialmente daqueles que nos impedem de seguir
na direção que decidimos tomar.
Os pés também podem chutar alguns objetos
engraçados, redondos! Daqueles que sempre, insistentemente, estão a nos jogar
na direção das pernas, recomendando: “Chuta! Chuta!”. E tem mais, e mais, e
mais coisinhas que podemos fazer com os pés! Como é gostoso pisar na lama!
Percebemos que nos ajudam a caminhar mais rapidamente; então, começamos a
correr, pedalar, driblar, trepar em muros, árvores e marchar! Sim! É isso,
MARCHAR!
Dessa maneira, contando com bons ventos e marés
favoráveis, vamos conseguir ultrapassar alguns momentos importantes, que irão
surgir no trajeto. Num determinado trecho, andamos sem nem perceber que o tempo
passa e os desafios crescem. Simplesmente o moço vai indo, com um sentimento
fatalista, crendo que tudo Deus proverá! Logo, mais à frente, algumas
complicações e obstáculos sinalizam que, o restante da viagem, não será tão
simples e prazeroso! Em alguns momentos, sem perceber que está olhando muito
para os céus, na esperança de obter bênçãos divinas, ainda muito moço, com os
pés machucados, tropeça nas pedras do caminho! Sofridos, martirizados, seus pés
quase o derrubam de vez! A marcha da insensatez existe para o moço, tal como foi
um dia para os mais velhos!
Atravessar o imenso vale, mantendo grande sucesso,
com capacidade de realizações e perseverança, é o segredo da marcha da vida!
Muito importante lembrarmos que a caminhada da vida, não é algo para ser feito
isoladamente. Há que servir, afinal, somos servidos pelos nossos semelhantes.
Mahatma Gandhi dizia que, se alguém não vive para servir, certamente, não serve
para viver!
Ao falar em servir, novamente, lembro-me dos meus
pés! O sagrado ato de Jesus, ao lavar os pés dos discípulos, tem um significado
muito grande de humildade. Há uns que marcham pisando sobre os outros; há
também aqueles que demarcam para si os terrenos percorridos; e existem os que
vão à frente, desbravando, abrindo caminhos de oportunidades, para que seus
semelhantes avancem, com a tão desejada liberdade, para alcançar novas
conquistas.
Tem os que buscam formas estéticas da vida, há aqueles
que dão maior apreço à beleza do corpo. Realmente, existem outras partes que
podem ser mais apreciadas pelos “sabores” do prazer. Os olhos, os lábios, o
rosto, são muitas vezes mais valorizados que os pés; há também aquelas partes
mais íntimas, apreciadas conforme sejam as preferências de gênero ou de
maturidade. Não vou nem entrar na seara dos fetiches eróticos, onde certamente
os adoradores de pés igualmente marcam presença. Quero abordar um outro aspecto,
muito forte no campo psicológico humano, que está ligado diretamente aos
sentimentos de segurança, equilíbrio e domínio de espaço privativo de cada
indivíduo, e que envolve diretamente as nossas “duas extremidades inferiores,
uma em cada membro inferior, constituídas de tarso, metatarso, e falanges dos
pododáctilos, respectivas articulações, e partes moles que recobrem as ósseas”,
i.e. os pés!
Não quero tirar dos leitores o prazer de
procurar, num bom “pai-dos-burros”, os inúmeros sentidos e usos da palavra
“pé”! Você vai se surpreender! Encontrará uma centena de significados, outro
tanto de metafóricas representações, dando aos pés condição de inferioridade ou
de pouca importância. Sem exagero, percebemos que mais de noventa porcento são
referências comuns ou pejorativas. Bem assim: “...meteu os pés pelas mãos!”, ou
“ele é bom, mas nem chega aos pés de ...”; e chulas, como “tomou um pé na
bunda!”. A que me chamou mais a atenção foi: “Um pé no saco!”, no sentido
daquele que é chato, enfadonho ou sacal! Muitas vezes, fazemos referência ao
sentido depreciativo para a palavra “pés”, na forma como costumamos referenciar
ao deselegante e mal-educado hábito que algumas pessoas têm de nos “olhar da
cabeça aos pés” ou “olhar dos pés à cabeça”, como se fosse um ser superior, que
estivesse a nos comparar e medir! A esse desprezível tipo de gente denomino “chulé!”
Edição e Ilustração: Jornal Rio de Flores
Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.
Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |



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