terça-feira, 17 de setembro de 2024

 

Gostaria de dividir, com mais pessoas, essa experiência no trato da questão da autoestima! Primeiro, devo confessar, eu demorei muito para aprender a lidar com esse tipo de sentimento de percepção pessoal das minhas qualidades. O tempo que cada um de nós necessita, para apropriar essa consciência pessoal, é muito diferente; irá depender de fatores de percepção da realidade, dentro de nosso próprio “calendário” de vida. Creio que, até completar minha puberdade, eu tinha algum tipo de deficiência de cognição; talvez sofresse de déficit de atenção ou de dislexia. Nunca soube se houve algum diagnóstico de médicos, confirmando aos meus pais aquelas minhas dificuldades. Por certo, eles sabiam e as professoras também; fizeram o melhor para me entender e ajudar.  

Antigamente, o TDAH ainda não era uma “doença-da-moda”! O que sei? Eu tinha muita inteligência, porém era mal direcionada. Como estudante, logo no primário, eu tive muita dificuldade nos estudos. Qualquer coisa servia como motivo para desviar minha atenção. Concentração zero, principalmente se o assunto não estivesse muito interessante. Eu “viajava” facilmente, desviando meus pensamentos para histórias que eu próprio inventava. Eu criava personagens bastante fantasiosos; eu e eles dialogávamos, eram assuntos cheios de criatividade, como quimeras. Os cenários surgiam por meio dos meus desenhos. Creio que, de forma visual muito ingênua, reproduziam as minhas mensagens.  Talvez, de outra forma, com as letras por exemplo, poderiam ser mais facilmente transmitidas e compreendidas, mas eu me complicava, quando tinha de usar o alfabeto, respeitando regras gramaticais.  

Entretanto, eu gostava de ouvir minha própria voz! Então, protagonizei algumas façanhas inexplicáveis! Uma delas foi ter conseguido chegar à quinta série, sendo o aluno orador, na formatura da minha própria turma, embora, no final, tenha sido o único reprovado. Realmente, ser o “orador” foi uma conquista gloriosa, mas repetir a Quinta Série deixou-me sentir um certo gosto de “burrice”! A tal da falta de qualidade como me classificavam, acompanhava-me com grande insatisfação, não só com a minha própria identidade, mas ainda com dificuldades para me relacionar com amigos. Por alguns anos, após aquele evento glorioso, mas vexaminoso, prendi-me à falsa imagem de ser uma pessoa insegura, e incapaz de me valorizar. Eu tinha uma fraca autoestima. Falando sério, reconheço, eu nem sabia o que significava a palavra, tampouco discutia a questão pelo aspecto da forma correta da grafia, se seria separando ou juntando palavras! 

A inteligência felizmente estava viva e preservada, lá bem no fundo da minha cachola! A psicologia estuda melhor essa questão, confirmando ser a autoestima a forma específica de uma pessoa avaliar a si mesma. No meu caso, era uma forma de baixa autoestima, onde eu me negava possuir propriedades de amor-próprio, como a confiança e o respeito às qualidades, fortemente presentes na minha personalidade. Afinal, pensando melhor, ser o aluno escolhido, por unanimidade, para fazer o discurso de formatura de uma turma, mesmo sendo uma Quinta Série Primária, no mínimo, demonstra que o orador teria um elevado grau de liderança sobre o grupo. Por consequência, sendo orador de turmas ou professor paraninfo, como fui por diversas vezes, ativou a função de liderança, coisa que, por meio da retórica, acompanhou-me pela vida afora.  

Porém, o problema está justamente nesse ponto. A baixa autoestima é um fenômeno que abala o amor-próprio, tira o orgulho e estremece os brios e a honra, destruindo a altivez e derrotando a dignidade da pessoa. E o pior de tudo é que, o efeito sobre o indivíduo, acaba por contaminar negativamente o ambiente coletivo adjacente, onde a pessoa estabelece seus laços. Muitas vezes dispara sintomas da depressão na forma coletiva. Como se fosse aquele efeito do castelo de cartas, umas derrubando as outras. Por outro lado, viver em meio ambiente saudável, seguro e positivo, facilita para fortalecer a pessoa nas situações de baixa autoestima, porque as outras pessoas se apoiam e auxiliam o indivíduo a vencer as crises de queda no amor-próprio.

Encontrei nas práticas artísticas, especialmente com a pintura naif, uma poderosa forma de vencer a baixa autoestima. Já vitorioso naquela luta inicial, por criar confiança e segurança, em relação aos meus potenciais, pude conferir o papel altamente positivo das artes plásticas na autodescoberta de valores e qualidades, por meio de oficinas de criatividade com meus alunos. Vale ressaltar que as experiências foram feitas repetidas vezes, com turmas de variadas faixas etárias, durante realização de eventos no Ateliê Luz Dourada, na Faculdade de Administração e em programas de qualidade de vida em empresas públicas e privadas. Não posso afirmar que as artes plásticas sejam panaceias, para a reabilitação de pessoas inseguras e ansiosas, tampouco que possam ser usadas indiscriminadamente, como solução para correção da baixa autoestima. Aconselho sim a aplicação moderada das atividades artísticas, como coadjuvantes na terapia ou na ocupação de tempo ocioso de uma pessoa. Contudo, garanto que os resultados positivos serão percebidos!

Em casos observados com diagnósticos específicos do transtorno TDAH, possivelmente, as belas artes ajudaram na fixação de atenção e concentração, ajustando o comportamento com máximo foco no resultado desejado. Igualmente, para certos casos leves de autismo, foi possível verificar, em qualquer idade, que as artes plásticas abriram interfaces para comunicação, entre o mundo autônomo de uma pessoa autista, com a realidade exterior, muitas vezes distante das características da própria introspecção mental do autismo.

Uma experiência vitoriosa, envolvendo essa abordagem, com o uso das artes plásticas, buscando melhoria da autoestima, ocorreu, em Brasília, por ocasião da realização do projeto denominado Salão Infanto-juvenil Brincando com Arte, cujo modus-operandi vou resumir, para não cansar. Tratava-se de um concurso anual, para incentivar a educação nas escolas, voltado aos aspectos formais das ações da Companhia do Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (CODEVASF), a serem apresentados artisticamente, por meio de desenhos, pinturas e esculturas. Participavam alunos de escolas da rede pública ou privada que, dentro de critérios previamente estabelecidos, concorriam em diversas categorias, tendo como incentivo belas premiações de materiais e equipamentos artísticos, para pintura e desenho.

No último dia de realização de cada Salão, após a entrega das medalhas, certificados e prêmios, os alunos e seus familiares eram brindados com um lanche de confraternização. Por ser um evento que se repetia, foi possível acompanhar alguns casos interessantes, que bem demonstraram o efeito benéfico das artes plásticas, como instrumento para alavancar a autoestima, dentre outras vantagens para os jovens participantes, individualmente, bem como de seus parentes, muitas das vezes oriundos de famílias humildes. Ao final da experiência, notava-se a alegria e felicidade de todos, por terem participado, sentindo-se orgulhosos por serem tratados como Artistas. Foi possível, após alguns anos, com informações transmitidas por professores de artes, saber sobre condições de evolução de alguns participantes dos Salões Brincando com Arte. Constatamos casos de jovens que, com certa facilidade, conseguiram firmar-se, social e profissionalmente, em segmentos e interfaces com as artes plásticas, especialmente no ramo de desenho de moda e confecção; e atividades de cartazistas e de criação gráfica para fins mercadológicos. Entretanto, com bastante segurança, o que pudemos captar da experiência, nas escolas, foi que a grande maioria dos alunos obtiveram melhoria substancial em questões cognitivas, afetivas, comportamentais e de sociabilização, após terem passado pela experiência.

Por fim, possivelmente, como resultado mais positivo dentre casos estudados, tanto em oficinas de criatividade como em workshops nos ateliês, compensa fazer referência aos recentes últimos anos, após o término da pandemia do Covid 19. Os longos períodos de isolamento social, associados ao terror psicológico, causado pelas diversas medidas de prevenção e pela insegurança das falsas informações, transmitidas diariamente pela mídia, produziram danos profundos nas estruturas psicossociais, econômicas e educacionais, em estágios de difícil avaliação dos males causados nas pessoas.  

Inúmeros foram os casos, independentemente da faixa etária, sexo ou estrato social, que procuraram e encontraram melhoria das suas condições patológicas, por meio do simples aprendizado de desenho e pintura artística. Associando fatores positivos de ambientação e de instalações adequadas às práticas das artes plásticas, em condições pedagógicas adequadas, foi possível perceber como o retorno positivo se tornou factível aos anseios dos alunos clientes. As avalições nos feedbacks mostraram, com segurança, que os resultados obtidos foram positivos e verdadeiros, justificando plenamente a continuidade do projeto. 

Texto: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores 

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes. 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão



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