Ficar distante do lar, quando se
viaja muito, torna-se um desafio à nossa capacidade de adaptação rápida aos
ambientes desconhecidos. A situação se agrava, quando surge desconforto no trato com pessoas! Não foram
poucas vezes que ouvi alguém desabafar, dizendo assim: “... o melhor momento da
viagem, foi quando peguei o rumo da volta para a casa!”. Certamente, essas são
frases, de confirmação da percepção de desconforto. São frequentes! Por vezes,
esses comentários se completam com frases que afirmam: “...como é bom reencontrar
o lar, sentir os cheiros e os abraços das pessoas queridas”! Além de tantos
outros detalhes, típicos do aconchego familiar, que despertam sentimentos de
grande satisfação. Portanto, para algumas pessoas, o salutar hábito de viajar
acaba por tornar-se um sofrimento!
Tem um outro detalhe, só
percebido quando, no exterior, ficamos diante da verdade nua e crua, de que,
ter o passaporte carimbado como “TURISTA!”, estampa claramente que, lá fora,
somos estrangeiros. É um momento decisivo, quando vestimos a carapuça de “extraterrestre”.
Caso não aceitemos as regras impostas no estrangeiro, voltamos dali mesmo,
deportados, com o rabinho entre as pernas, sorriso amarelo e a cara vermelha de
vergonha. Mas, tudo bem! Imaginando que fomos “aprovados”! Considerando que tudo
dê certo na Alfândega, podemos partir para aquela aventura total! Por melhor
que tenha sido sua viagem, planejada em mínimos detalhes, muito pouco pode acabar
ficando por conta da sorte ou do azar. Compensa lembrar que a Lei de Murphy
existe! Pode até ser estranho, mas se prepare, porque é previsível que vai
acontecer algum imprevisto! Por vezes, podem ocorrer situações inusitadas,
porém o ideal é que a viagem seja repleta de surpresas agradáveis, capazes de
agregar encantamentos aos dias de passeio. Vem daí a ideia de que excursões,
contratadas com agentes de turismo, são melhores e mais seguras. Ledo engano!
No tocante ao conjunto do
projeto da viagem, pode até ser verdade esse tipo de recomendação: escolha uma
agência de turismo competente. Contudo, há dois itens das viagens que me chamam
a atenção: hospedar e ciceronear. O primeiro um hotel ou uma pousada deveriam
resolver. São organizações que ficam responsáveis, durante alguns dias, por
substituir o aconchego do nosso lar. Não é à toa que classificamos esse tipo de
organização como sendo prestadores de serviços de hospitalidade, embora, muitas
vezes, na hora da verdade, quando viramos hóspedes, percebamos que aquele
estabelecimento, à longo tempo selecionado e reservado, está mais para hospício,
do que para o tão sonhado Hotel Cinco Estrelas.
Deveria ser um lugar que ofertasse melhor repouso do que o de nossa casa, mas,
para nossa infelicidade, se torna o inferninho da viagem.
Não vamos comentar casos de
desagrados, experimentados por viajantes, com hotéis. Nada disso! Seja para
trabalho ou passeio, nas propagandas, esses estabelecimentos são vendidos como sendo
de muitas sonhadas estrelas! Infelizmente, alguns não passam de espeluncas,
bordéis de quinta categoria. Reconheço que, nas redes hoteleiras, muitos
equipamentos evoluíram, em qualidade de atendimento e serviços aos clientes. Queremos
evidenciar, segundo as experiências e os relatos de viagens, que, para os
hóspedes, em geral, dificilmente um hotel ofertará o tipo de conforto doméstico
de um lar! É impossível! Por maior que seja o esforço, nesse sentido, o hotel
jamais suprirá a falta que sentimos do nosso cantinho de casa, especialmente,
após decorridos alguns dias de uma longa viagem.
Raciocinando nesse sentido,
lembrei-me da importância que têm algumas pessoas que nos recebem como
cicerones. São seres que, por pura e genuína empatia com as dificuldades do
viajante, são capazes de doar especial atenção aos viajantes, suprindo aqueles
naturais anseios de conforto, atenção e segurança. Com essas pessoas acabamos
desenvolvendo uma grande e sincera amizade. Elas nada querem ganhar ou ter como
vantagem. Certas vezes, não são profissionais de nenhum dos ramos ligados à
hotelaria, ao turismo, ao entretenimento ou aos transportes. Não são ligados a nenhuma
forma complementar ou subsidiária do sistema receptivo ou de recreação para
viajantes. Não há um perfil profissiográfico para descrevê-los! Simplesmente,
porque não atuam profissionalmente, em nenhum sentido, com tudo aquilo que
sabemos existir no universo de atendimento aos turistas. Pessoalmente, descrevo
essas pessoas como sendo um misto de seres alados, com corações imensos, cheios
de luz, gentileza e grande energia positiva. São capazes de, por empatia solidaria,
oferecer entusiasmo aos viajantes, sabendo que, temporariamente, possam estar
deslocados de suas origens e ainda distantes do caminho de retornar ao lar.
Certa ocasião, eu e minha
família, numa plataforma de Metrô, em Paris, deveríamos estar com fisionomias
típicas de turistas, em total pânico! Perdidos em meio a uma torcida de futebol,
enlouquecida, que havia saído, repentinamente, de alguns vagões e que, de forma
ensurdecedora, assustadoramente agitada, bradava aquelas palavras-de-ordem
típicas, talvez algo como: “"Allez
les Bleus, Allez les Bleus, Allez les Bleus". Encostados contra a parede da
estação do “Métropolitain”, procurávamos simples proteção. Fomos abordados por
um ser bondoso, capaz de pôr em prática a máxima gentileza dos cicerones, em
favor de simples turistas. Com poucas palavras, de forma educada e
desinteressada de auferir ganhos, nos acalmou e rapidamente indicou a saída
mais próxima. Dizer o quê nessas horas? “Merci, Je vous suis extrêmement reconnaissant!”
Dito isso, vou lhes contar sobre
dois desses seres iluminados! Conheci-os em Portugal. Formam, sem qualquer
traço de extravagância de valores, um encantador casal, com maturidade e equilíbrio.
Têm morada na linda Cascais! Seus nomes? Eduardo
Filipe, o Dudu; e Maria José, a Zezé. Quando os conheci, eram jovens pais,
do simpático garoto Duduzinho, hoje, já um homem feito, que atua no futebol
português.
Tudo teve início, em 2007,
quando um grande amigo de Teresópolis, o Professor José Maria Carneiro, já
falecido, cedeu-me gentilmente, por uma semana, o apartamento que ele mantinha,
em Lisboa, nas cercanias do Parque das Nações. Local privilegiado! As chaves do
imóvel, ficavam sob a guarda do casal, Dudu e Zezé. Creio que o Professor tenha
recomendado a eles, positivamente, aminha pessoa, para que, em dia e hora
marcados, me atendessem na Portaria do Edifício, e dessem natural acesso ao
espaço do confortável apartamento, um T2, pertinho da linda Ponte Vasco da
Gama.
Tudo maravilhoso! Apartamento
maravilhoso, equipamento maravilhoso, localização maravilhosa! Custo zero,
segurança total, conforto VIP, tudo um sonho! Mas surpresa mesmo, no sentido
melhor da palavra, foi conhecer o casal Dudu e Zezé. A gentileza e a atenção
deles era de fazer inveja aos mais afamados cicerones de hotéis cinco estrelas.
Todas as ocasiões que voltei a
Lisboa, fui recepcionado por eles, com o mesmo padrão de qualidade das vezes
anteriores. E a cada viagem, havia mais alguma surpresa agradável que me
ofereciam. Programavam meus passeios a lugares incrivelmente maravilhosos.
Engana-se quem pensa que haveria
interesses, pecuniários ou de vantagens pessoais, nas atitudes e palavras daqueles
seres humanos, sobre os quais vos falo. Nada disso! Dudu e Zezé, são despidos
da vaidade material supérflua ou de orgulhos mesquinhos! Ele é português e ela
brasileira! Trabalham duro, com dignidade, para conseguir manter o lar, sem
pretensões de ostentação financeira ou vaidades de acumulação de bens materiais.
A felicidade que sempre notei neles é indescritível, quando compartilhavam o
precioso tempo disponível comigo. Eles são capazes de oferecer e repartir, com os
amigos, as bênçãos que possam receber dos Céus! Uma coisa eu afirmo e repito, é
praticamente impossível retribuir a gentileza que eles me ofertaram.
Certa vez, ofereci ao Dudu, como
presente, um livro. O título, em português, “A Lei do Triunfo”, do escritor
americano Napoleon Hill. Eu diria que é um “livrão”, daqueles com mais de
setecentas páginas. Por força daquele meu presente, Zezé acabou me revelando
algo que definiu bem qual é a riqueza do Dudu. Ele possuía uma grande coleção
de livros, com algumas centenas de títulos raros, de afamados autores e sobre
variados assuntos. Diferentemente daquilo que em japonês se denomina
“tsundoku”, ou seja, a mania de acumular livros sem chegar a lê-los, Dudu é um
AFICIONADO pela leitura, e seu verdadeiro amor pelos livros é o que lhe concede
invejável capacidade intelectual.
Sabendo então de sua predileção
pelos livros, eu pude justificar a facilidade do Dudu, em transmitir
informações tão valiosas e corretas, sobre aspectos significativos da história
e da cultura ibérica, com ênfase na abordagem sobre Portugal. Foi com essa
qualidade de informações, que pude conhecer as cercanias da belíssima região de
Lisboa. Foram diversas viagens. Vou enumerar rapidamente os locais que Zezé e
Dudu me levaram a conhecer: Centro histórico de Lisboa, Jerônimos, Torre de
Belém e os deliciosos pastéis de Belém; Cascais; Estoril; Cabo da Roca; Sintra;
Queluz; Óbidos; Mosteiro da Batalha; etc.
Entretanto, há um passeio que
ficou especialmente marcado na minha memória. Qual? Convento de Mafra, com sua
monumental biblioteca; e a ALDEIA SALOIA de José Franco. Localizados a pouco
mais de trinta minutos de Lisboa, lá estão dois mundos de culturas
diametralmente opostas, configurados entre a mais elevada intelectualidade dos
raros livros, mais de 40 mil exemplares, colecionados desde o Século XVIII, em
oposição à mais autêntica representação cenográfica da vida nas aldeias saloias
de Portugal, uma obra do renomado artista do barro José Franco. As imagens
contam aqui, um pouco, sobre esses dois mundos que citei, mas os detalhes vou
deixar para que os mais interessados busquem diretamente conhecer, por pesquisa
via Internet ou, se possível, indo pessoalmente lá.
Agradecendo aos meus queridos
amigos Dudu e Zezé, por permitirem fazer referência a eles neste artigo, digo,
com simples palavras: “Muito obrigado, sou extremamente grato a vocês dois!”
Por fim, creio ter enunciado de forma resumida, uma resposta àquela questão que
apresentei aos leitores: O que é mais importante? Hospedar ou Ciceronear?
Detalhes da Aldeia
Saloia de José Franco
Textos e Fotos: Rocha Maia
Edição e Ilustrações: Jornal Rio de Flores
Luiz Roberto da Rocha
Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e,
atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de
atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em
Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF.
Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da
Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de
duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu
mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em
catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior;
bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ;
SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf
de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de
diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba,
França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi
selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição
2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade
Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili
Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da
revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a
presença de animais como tema nas belas artes.






Nenhum comentário:
Postar um comentário