Sou filha de nordestinos, bisneta
de indianos e portugueses. Minha avó
materna tinha os traços da tribo de minha bisa, cabelos lisos e negros, ela era
alta e cheia de histórias para contar. Minha mãe já era mais baixinha, de olhos
verdes, cabelos anelados, as duas eram uma dupla do barulho, não havia quem as
contrariasse.
Mas eu tinha lá minhas manhãs,
sabia obter o melhor das duas, era só obedecer, fazer minhas tarefas, estudar e
ir à Igreja. Pronto, após feito, a rua era minha, me juntava aos meninos,
brincava de amarelinha, de corda, de pião, de esconde-esconde ou pega-pega,
bola-de-gude ou botão, mas minha brincadeira favorita era descer ladeira de
carrinho de rolimã. Quantos sustos eu dava, em minha mãe, minha avó e até em
meus irmãos, vivia no pronto-socorro, fazendo limpeza de pequenos ferimentos ou
até levando pontos de outros acidentes mais sérios.
— Essa menina, mata a gente de
susto de tanto cair! Então resolveram me colocar no catecismo para que eu
tomasse jeito, e tomei.
Me comportava feito, mocinha, vestida de
menina, com meus cachos alinhados por minha mãe, bem trançados. Me sentava sem
cruzar as pernas, muito limpa e alinhada.
Tomei gosto, de cruzadinha fui
até a moça para a filha de Maria. Na trajetória de minha infância, fui a
primeira menina da Igreja Católica de Santa Cruz que se tornou coroinha.
Estava por começar a missa, o
padre veio à reunião do catecismo, procurar um menino para ajudar durante a
missa, só havia um, que se encolheu em um canto, dizendo não saber os
paramentos. Levantei minha mão e me ofereci.
O padre José olhou para mim e sorriu, venha menina.
Meu pai não ia muito à Igreja, só
a pedido de minha mãe. Naquele domingo, ele foi acompanhando minha mãe e minhas
duas irmãs. Minha mãe estava grávida de meu irmão mais novo. Todos do catecismo
já ocupavam seus lugares, menos eu. Minha mãe já se preocupou:
— Onde está essa menina?
Mas logo foi revelado, lá estava
a filha orgulhosa de Dona Margarida, na frente do cortejo, vestida, de
coroinha. Meu pai não conseguiu segurar o riso, minha mãe achou tão linda, sua
filha espevitada, com seu vestido branquinho, escondido dentro daquela quase
batina, trazendo, nas mãos, um dos cálices abençoados.
Todos elogiaram a minha
seriedade, até mesmo o padre, disse que seria a coroinha principal, ensinando
aos meninos todo o serviço dominical. Por mais de dois anos, servi, com grande
prazer e carinho, principalmente porque sempre ganhava elogio. No final das
missas ainda tinha um lanche, os padres davam presentes aos que se
comportassem, comi muitos chocolates.
Mas continuei a brincar e fazer
minhas peripécias, era lei, após ser coroinha aos domingos, tinha uma semana
inteira para extravasar, afinal era criança e Deus sempre me presenteou com
muita fé e energia para viver. Até hoje, quase aos setenta, ainda sei toda
missa de cor.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão

Adorei o texto e transmite muita alegria e carinho pela infância. Maravilhoso!
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