domingo, 25 de agosto de 2024

 

Sou filha de nordestinos, bisneta de indianos e portugueses.  Minha avó materna tinha os traços da tribo de minha bisa, cabelos lisos e negros, ela era alta e cheia de histórias para contar. Minha mãe já era mais baixinha, de olhos verdes, cabelos anelados, as duas eram uma dupla do barulho, não havia quem as contrariasse.

Mas eu tinha lá minhas manhãs, sabia obter o melhor das duas, era só obedecer, fazer minhas tarefas, estudar e ir à Igreja. Pronto, após feito, a rua era minha, me juntava aos meninos, brincava de amarelinha, de corda, de pião, de esconde-esconde ou pega-pega, bola-de-gude ou botão, mas minha brincadeira favorita era descer ladeira de carrinho de rolimã. Quantos sustos eu dava, em minha mãe, minha avó e até em meus irmãos, vivia no pronto-socorro, fazendo limpeza de pequenos ferimentos ou até levando pontos de outros acidentes mais sérios.

— Essa menina, mata a gente de susto de tanto cair! Então resolveram me colocar no catecismo para que eu tomasse jeito, e tomei.

         Me comportava feito, mocinha, vestida de menina, com meus cachos alinhados por minha mãe, bem trançados. Me sentava sem cruzar as pernas, muito limpa e alinhada.

Tomei gosto, de cruzadinha fui até a moça para a filha de Maria. Na trajetória de minha infância, fui a primeira menina da Igreja Católica de Santa Cruz que se tornou coroinha.

Estava por começar a missa, o padre veio à reunião do catecismo, procurar um menino para ajudar durante a missa, só havia um, que se encolheu em um canto, dizendo não saber os paramentos.  Levantei minha mão e me ofereci. O padre José olhou para mim e sorriu, venha menina.

Meu pai não ia muito à Igreja, só a pedido de minha mãe. Naquele domingo, ele foi acompanhando minha mãe e minhas duas irmãs. Minha mãe estava grávida de meu irmão mais novo. Todos do catecismo já ocupavam seus lugares, menos eu. Minha mãe já se preocupou: 

— Onde está essa menina?

Mas logo foi revelado, lá estava a filha orgulhosa de Dona Margarida, na frente do cortejo, vestida, de coroinha. Meu pai não conseguiu segurar o riso, minha mãe achou tão linda, sua filha espevitada, com seu vestido branquinho, escondido dentro daquela quase batina, trazendo, nas mãos, um dos cálices abençoados.

Todos elogiaram a minha seriedade, até mesmo o padre, disse que seria a coroinha principal, ensinando aos meninos todo o serviço dominical. Por mais de dois anos, servi, com grande prazer e carinho, principalmente porque sempre ganhava elogio. No final das missas ainda tinha um lanche, os padres davam presentes aos que se comportassem, comi muitos chocolates.

Mas continuei a brincar e fazer minhas peripécias, era lei, após ser coroinha aos domingos, tinha uma semana inteira para extravasar, afinal era criança e Deus sempre me presenteou com muita fé e energia para viver. Até hoje, quase aos setenta, ainda sei toda missa de cor.

 Texto: Ivete Rosa de Souza
Ilustração e Edição: Rio de Flores Editora

Ivete Rosa de Souza ou Rosa dos Ventos, poetisa, cronista e contadora de histórias. Nascida em Santo André. SP, atualmente participando de antologias físicas e ebooks, contabilizando mais de 80 participações. Publicou dois livros de poesias, descobriu-se contista no gênero de Suspense e terror e outros de fantasia, onde houver história sempre haverá alguém para contar.

 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


Um comentário:

  1. Adorei o texto e transmite muita alegria e carinho pela infância. Maravilhoso!

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