Já
é lugar comum nos meus escritos referir Tétis, a mãe do guerreiro grego
Aquiles, a quem, no filme “Troia”, baseado na epopeia “Ilíada”, de Homero, ele
consulta antes de decidir se aceita o desafio de Ulisses para combater ao lado
dos príncipes gregos que, passados quase 10 anos, lutam contra Troia, a
cidadela do rei Príamo e seus filhos, Heitor e Páris, responsável pelo
sequestro de Helena, a mulher de Menelau.
A
mãe, claro, não lhe responde diretamente, mas apresenta duas alternativas:
ficar, casar-se, ter filhos e ser lembrado por uma ou duas gerações ou seguir
para a guerra, combater, morrer (não lembro se ela afirma isso categoricamente)
e ser lembrado indefinidamente. A ânsia de imortalidade sempre acompanhou o ser
humano.
Mesmo
sendo um semideus, Aquiles tinha um ponto fraco, o seu calcanhar e, durante os
combates que, finalmente, tomaram Troia, ele foi ferido mortalmente. A sua
história, porém, é contada até os nossos dias.
O
crítico argentino Raul Castagnino afirma que todo o escritor tem um propósito:
tornar-se perene, eterno, imortal, ou seja, ser lembrado depois da sua morte.
Lembro-me que um dos meus professores de Literatura, ainda na graduação, dizia:
“Vamos escrever, pelo menos, as nossas memórias, pode ser que alguém, um dia,
num tempo futuro, encontre-as, estude-as e publique-as”.
Maria
Firmina dos Reis, por exemplo, hoje em dia, é considerada a primeira romancista
brasileira – e importante: negra! O seu texto inaugural, “Ursula”, data de
1859, publicado em folhetins, em São Luís (MA), e tematiza a escravidão negra
do ponto de vista de três escravos, com óticas diferentes sobre a situação em
que se encontram. Somente em 1975, o romance ganharia uma segunda edição.
Fascina-me
pensar em Maria Firmina: negra, solteira (nunca se casou), professora, filha de
Maria Felipa (alforriada), mas a certidão de batismo é omissa em relação ao
nome do pai. Como professora, pouco antes de se aposentar, fundou uma escola
mista que atendia crianças de origem humilde. Havia, pois, além de tudo, a
consciência de seu compromisso social.
Encanta-me
também a qualidade da prosa literária e os artifícios (será?) usados: Ursula, a
personagem que dá título ao seu romance mais conhecido, tem origem germânica; a
assinatura que aparece nos capítulos publicados no jornal não remete à
professora Maria Firmina, mas apenas traz a denominação “Uma maranhense” e,
enquanto desenrola-se o enredo principal, a trágica história de amor de Úrsula
e Tancredo, como trágicas e impossíveis devem ser as histórias do Romantismo,
desvela-se uma visão nada eurocêntrica do mundo. É o Brasil, são o homem e a
mulher vindos da África na condição de escravos que se sobressaem: Túlio,
Antero e Susana.
A
intenção aqui não é analisar a obra de Maria Firmina, mas demonstrar que a Arte
como um todo e a Literatura em particular são perenes, “falam da vida”, tratam
de sentimentos humanos e, muitas vezes, são incompreendidas, desvalorizadas por
seus contemporâneos, mas – como Tétis e Raul Castagnino opinam – perpetuam-se.
Hans
Robert Jauss, estudioso alemão que analisa a importância do leitor para a
compreensão da obra, na corrente de crítica literária denominada Estética da
Recepção, cuja origem data do final da década de 1970, atenta para o fato que
os homens de um tempo, que pode ser o tempo de produção da obra, não são
aqueles que lerão a obra. Preconceitos, intolerâncias não são perpétuos.
Escrever é preciso. Manifestar emoções, percepções, ainda mais em tempo de
violência, cancelamento, barbárie, constitui uma necessidade.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |





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