segunda-feira, 10 de junho de 2024

 


Já é lugar comum nos meus escritos referir Tétis, a mãe do guerreiro grego Aquiles, a quem, no filme “Troia”, baseado na epopeia “Ilíada”, de Homero, ele consulta antes de decidir se aceita o desafio de Ulisses para combater ao lado dos príncipes gregos que, passados quase 10 anos, lutam contra Troia, a cidadela do rei Príamo e seus filhos, Heitor e Páris, responsável pelo sequestro de Helena, a mulher de Menelau.

A mãe, claro, não lhe responde diretamente, mas apresenta duas alternativas: ficar, casar-se, ter filhos e ser lembrado por uma ou duas gerações ou seguir para a guerra, combater, morrer (não lembro se ela afirma isso categoricamente) e ser lembrado indefinidamente. A ânsia de imortalidade sempre acompanhou o ser humano.

Mesmo sendo um semideus, Aquiles tinha um ponto fraco, o seu calcanhar e, durante os combates que, finalmente, tomaram Troia, ele foi ferido mortalmente. A sua história, porém, é contada até os nossos dias.

O crítico argentino Raul Castagnino afirma que todo o escritor tem um propósito: tornar-se perene, eterno, imortal, ou seja, ser lembrado depois da sua morte. Lembro-me que um dos meus professores de Literatura, ainda na graduação, dizia: “Vamos escrever, pelo menos, as nossas memórias, pode ser que alguém, um dia, num tempo futuro, encontre-as, estude-as e publique-as”.

Maria Firmina dos Reis, por exemplo, hoje em dia, é considerada a primeira romancista brasileira – e importante: negra! O seu texto inaugural, “Ursula”, data de 1859, publicado em folhetins, em São Luís (MA), e tematiza a escravidão negra do ponto de vista de três escravos, com óticas diferentes sobre a situação em que se encontram. Somente em 1975, o romance ganharia uma segunda edição.

Fascina-me pensar em Maria Firmina: negra, solteira (nunca se casou), professora, filha de Maria Felipa (alforriada), mas a certidão de batismo é omissa em relação ao nome do pai. Como professora, pouco antes de se aposentar, fundou uma escola mista que atendia crianças de origem humilde. Havia, pois, além de tudo, a consciência de seu compromisso social.

Encanta-me também a qualidade da prosa literária e os artifícios (será?) usados: Ursula, a personagem que dá título ao seu romance mais conhecido, tem origem germânica; a assinatura que aparece nos capítulos publicados no jornal não remete à professora Maria Firmina, mas apenas traz a denominação “Uma maranhense” e, enquanto desenrola-se o enredo principal, a trágica história de amor de Úrsula e Tancredo, como trágicas e impossíveis devem ser as histórias do Romantismo, desvela-se uma visão nada eurocêntrica do mundo. É o Brasil, são o homem e a mulher vindos da África na condição de escravos que se sobressaem: Túlio, Antero e Susana.

A intenção aqui não é analisar a obra de Maria Firmina, mas demonstrar que a Arte como um todo e a Literatura em particular são perenes, “falam da vida”, tratam de sentimentos humanos e, muitas vezes, são incompreendidas, desvalorizadas por seus contemporâneos, mas – como Tétis e Raul Castagnino opinam – perpetuam-se.

Hans Robert Jauss, estudioso alemão que analisa a importância do leitor para a compreensão da obra, na corrente de crítica literária denominada Estética da Recepção, cuja origem data do final da década de 1970, atenta para o fato que os homens de um tempo, que pode ser o tempo de produção da obra, não são aqueles que lerão a obra. Preconceitos, intolerâncias não são perpétuos. Escrever é preciso. Manifestar emoções, percepções, ainda mais em tempo de violência, cancelamento, barbárie, constitui uma necessidade.


Texto: Elaine dos Santos
Ilustrações: Jornal Rio de Flores



Maria Firmina dos Reis (1822/1917). "Negra, nordestina, professora, Maria Firmina dos Reis nasceu quando a escravidão ainda era legalizada no Brasil. Primeira mulher a ser aprovada para o cargo de professora de primário no Maranhão, tendo alcançado tal feito aos 25 anos. Pioneira na literatura afro-brasileira e de uma narrativa abolicionista, que denuncia a subalternização da mulher e das pessoas negras escravizadas...  Apesar disso, a autora foi mantida no esquecimento, e somente recentemente vem sendo resgatada pela academia e mercado editorial. Em razão do seu longo apagamento sabe-se ainda pouco sobre detalhes de sua história. Até mesmo uma definição exata de sua aparência...". 




Fonte:  
https://pt.wikipedia.org/wiki/Maria_Firmina_dos_Reis


"A narrativa se articula a partir de um triângulo amoroso formado por Adelaide, Tancredo e seu pai. Esse triângulo é desfeito com a derrota de Tancredo. Cria-se, então, um segundo triângulo formado por Tancredo, Úrsula e seu tio. Mas há, também, uma tríade, formada por três personagens negros, que vão aparecendo ao longo da narrativa, cuja importância vai tomando proporções cada vez maiores: Túlio, Mãe Susana e Antero que, juntamente com o jovem Tancredo, dão o tom diferente à narrativa. Esses personagens armam uma trama incrível nos tempos de um Brasil escravocrata."


"A Ilíada... é um dos dois principais poemas épicos da Grácia Antiga, de autoria atribuída ao poeta Homero, que narra os acontecimentos decorridos no período de 51 dias durante o nono e penúltimo ano dos dez anos da Guerra de Troia, conflito empreendido para a conquista de Troia, cuja gênese radica na ira Aquiles..."
Fonte e maires informaçãor consulte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Il%C3%ADada


Elaine dos Santos. É gaúcha, filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (ambos falecidos). Professora universitária aposentada. Revisora de textos acadêmicos (dissertações e teses). Cronista e antologista. Possui doutorado em Letras, área de concentração Estudos Literários, autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe”, adaptação da sua tese. Deve lançar, ainda no primeiro semestre, o livro de crônicas “Coisas minhas e outras histórias”, cujo enfoque principal é a narrativa memorialista. Participa das antologias “Encantos da Lua”, “Elas São Flores” (Prefácio, Revisão dos Textos e Coautora), “Natureza, Fonte de Vida”, “As Faces do Amor”, “Vida”, “Velhice, Vida ou Morte?”, “Palavras Libertas”, “A Arte de Escrever”, “Aos Pés das Letras” (Prefácio), “Reflexões... Histórias e Revelações” e “Homenagens”, publicações da Rio de Flores Editora.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão



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