sexta-feira, 7 de junho de 2024

 

Ilustração: Jornal Rio de Flores

Essa história me foi contada por um francês, de nome Alain Pierre D’Mensonges, que conheci no Brasil, já faz um tempinho! Dizia ele:Ubuntu”! Fé na humanidade!

Segundo Alain D’Mensonges, talvez esse seja o sentimento mais importantes, que podemos perceber, quando visitamos Paris, uma verdadeira metrópole, totalmente cosmopolita, especialmente, quando colocamos os pés na pequena ilha circunscrita, “Île de la Cité”, cujos habitantes costumavam ser denominados “parisiis”! Milhões de turistas visitam a Capital francesa, todos os anos! Arte por todos os lados! Eles visitam tudo e pagam bem. Visitam principalmente museus, como o do escultor Rodin, que em matéria de arte tridimensional pode ser classificado como deslumbrante. Visitam igualmente maravilhosos jardins, dois deles imperdíveis: Tuileries e Luxemburgo!

Alain D’Mensonges recomendava, com seu sotaque inconfundível: - “Reservê mais tempô, durante su voyage, para andar, au moins trois jours (no mínimo por três dias), no Musée du Louvre!” Dizia ele, “andar”? Sim! São mais de 17 quilómetros de galerias, com extraordinário acervo de pinturas e coleções belíssimas de esculturas, porcelanas, joias, móveis, coisas de arqueologia etc. etc. Contudo, o museu que mais recomendava, por ser extraordinário, era o Musée du quai Branly. Inaugurado em 2006, possui um rico acervo de mais de trezentas mil peças de arte étnica da África, Ásia, América e Oceania, além de oferecer excelentes suportes audiovisuais de informação direta aos visitantes. Vale conferir! 

Era assim que Alain Pierre mais aconselhava: “Entretanto, vamos falar das ruas! Para quem aprecia a arquitetura, Paris tem aspectos deslumbrantes! Nada de pegar taxi ou metro. Vá, sempre que puder, caminhando, sem correrias de turistas afobados. Por exemplo, torna-se impossível comentar sobre todas as obras de artistas animalistas existentes nas praças, parques e adjacências dos museus da “Cidade Luz”. Existe uma profusão de esculturas do gênero, verdadeiro museu “en plein air”! Elas são belíssimas, mas podem passar despercebidas, em meio à bela vegetação de jardins públicos planejados, e que, apesar dos milhões de visitantes, são, inacreditavelmente, muito bem cuidados. Para passeios pelo rio Sena, prefira os “bateaux” usados pelos populares da cidade; nada de pegar aqueles imensos barcos para turismo. E por falar em passeio de barco, por Paris, não deixem de visitar o canal Saint-Martin.” E Alain completava assim: - “L’amour toujours l’amour! Vá com boa companhia; convide a namorada ou o namorado! Conheça Parc de la Villette! Superb!”    

Mas, por pura curiosidade minha, perguntei ao amigo francês: “Alain, além das questões históricas, o que teria propiciado a Paris tanta beleza e arte?” Na opinião dele, houve um fator decisivo: - “Um fenômeno a destacar, certamente, foram as magníficas exposições internacionais. Dentre as primeiras dezessete feiras e exposições internacionais, de 1851 (Inglaterra) até 1901 (USA), onze foram montadas em países europeus, sendo cinco na França. Na época, quase todos países europeus mantinham colônias, localizadas distantes, sendo mais de vinte delas protetorados franceses.”

Historicamente, é fato conhecido, naquela época, prevalecia o velho espírito colonialista, impondo o domínio pela força, nas terras conquistadas, em todos os continentes. O neocolonialismo se apresentava dominador e cruel. Durante as Feiras Mundiais, as grandes potências apelavam para representações artísticas, com signos culturais imponentes, mostrando ao público visitante, formado na maioria por europeu, aspectos caricatos do meio ambiente e exoticidade da natureza, dos povos e culturas sob domínio das potências. Era a forma de documentar costumes excêntricos, religiões esdrúxulas, flora e fauna estranhas, diferentes de tudo aquilo que o cidadão europeu estava acostumado a ver e considerava como civilização.

Além de apresentar grandes invenções e avanços tecnológicos da época, havia igual interesse na confirmação do poder das grandes potências, apresentando pequenas montagens de cenários, onde aspectos cotidianos da vida nas colônias eram expostos aos olhos dos curiosos “civilizados”, tudo criado por meio de encenações mambembes, quase “circenses”. Os belos pavilhões, cheios de curiosidades trazidas do exterior, expunham a presença de seres humanos primitivos, praticamente “enjaulados”. Nos estandes, em cercadinhos caricatos e degradantes, reproduziam-se cenários e cotidiano de aborígenes, julgados atrasados e inferiores aos olhos dos europeus.

 

Quadro: “Natureza Ingênua”, por Rocha Maia


Possivelmente, ao longo desses eventos internacionais, formou-se o belo acervo de esculturas realistas, monumentais, de animais, que representavam a riqueza da fauna africana e asiática.

Capturar, transportar e manter vivos, aqueles animais ferozes, por certo, não seria seguro. Esculpir, forjar em bronze e colocar nos pavilhões, estátuas dos animais selvagens, era mais prático.

Feitas por animalistas, um tipo de artista plástico especializado em esculturas que reproduzam formas dos animais. Elas marcam bem o início do realismo romântico na Europa. Muitas foram encomendadas, visando ser apresentadas, com grande realismo e dramaticidade, durante as Exposições Universais, despertando grande interesse popular.

Só para exemplificar o espírito de supremacia que reinava naquela época, basta citar a Tour Eiffel, em 1889, criada e erguida em Paris, para fazer parte da Exposição Universal, comemorativa do centenário da Revolução Francesa.

Contudo, o objetivo de Alain Pierre, era comentar sobre outro local, igualmente fantástico para visitação nos dias de hoje, o Museu d’Orsay! Para isso, tornava-se necessário focar sobre uma escultura, muito especial, denominada “Rhinocérus” (1877/1878), de autoria de Henri Marie Alfred Jacquemart (1824-1896), na frente do Museu.

No mesmo local, podem ser vistas outras belíssimas peças tridimensionais, disponíveis para visitação gratuita. Não havia, até recentemente, marcas de depredação e tampouco pichações. Com o movimento crescente e descontrolado de migrações, as ruas, avenidas e bulevares de Paris, segundo a opinião de Alain D’Mensonges, “já não são logradouros tão franceses como antes, estando o patrimônio artístico da cidade submetido a riscos, e que poderá sofrer prejuízos e vandalização. Atualmente, Paris paga alto preço por ser cidade cosmopolita!”

Assim ele contava: - “A estátua do “Rhinocérus”, desde 1878, tem sido exposta em vários lugares da capital francesa. Foi submetida a inúmeras situações de risco, que colocaram em xeque a sua integridade. Sobreviveu a revoluções, duas grandes guerras mundiais, violência urbana, poluição e intempéries; mesmo assim a obra quase não necessitou de restauração.”

Felizmente, parece que ainda segue exposta por lá, imponente, firme, às margens do rio Sena, como representante digna e nobre da aviltada Mãe África, eternamente presente à todas as exposições universais, como se estivesse a dizer, ao mundo, uma velha mensagem contida na palavra do idioma Bantu: Fé na humanidade, “Ubuntu”! "...a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade".

Fotografia: por Rocha Maia – “Rhinocérus ”, Paris/2014

Conforme referenciava o Bispo Desmond Tutu, ubuntu significa "a minha humanidade está inextricavelmente ligada à sua humanidade". 

Inextricavelmente: Origem etimológica: latim inextricabilis: de onde não se pode sair, inextricável, que não se pode arrancar, incurável.

Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes. 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão




2 comentários:

  1. Excelente trabalho cultural sobre a cadade de Paris e suas atrações culturais e sua beleza arquitetônica. Meus parabéns.

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