domingo, 24 de dezembro de 2023

 


Eu vejo dor na pobreza, através dos olhos da ignorância, da falta de perspectiva. Mas muitos de nós não enxergamos o outro. Aquele ser humano na rua, esfarrapado, sujo, malcheiroso. Aquele que caminha, sem rumo, sem ter aonde ir. Que nos olha com esperança, de ganhar algum trocado, ou até mesmo um pão amanhecido.

Tem muitos por aqui, onde caminho indo ao mercado, ao salão, a farmácia. Já me pediram: _ Moça compra um biscoito para eu comer. Eu comprei um pouco mais e dei. O garoto agradeceu, e saiu correndo:

_ Obrigada moça, vou levar para meus irmãos.

Uma semana depois, ele estava pedindo na porta do mercado, foi empurrado por alguém, e morreu atropelado.

De quem é a culpa de ter tantos, pobres, tantos pedintes? A fome estampada nos olhos, marcando os corpos magros e ressequidos, parecem nem ter mais músculos, só pele e ossos.

Eu me sinto impotente, diante da miséria, daqueles que Jesus, chama de irmãos. Nossos irmãos. E passamos por eles com receio, como se a pobreza fosse um vírus, altamente contagioso.

Vejo a destruição humana, não da raça, mas do ser humano em si. Deixando de ter sentimentos, incapazes de amar, de ter piedade, ou praticar generosidade.

 Era época do Natal, a alguns anos, fui com meu esposo em uma loja de autopeças, próxima a meu bairro. Enquanto ele fazia a escolha do que levar, fiquei para na porta, observando um Senhor do outro lado da rua, implorando por alguns trocados.

Ao sair da loja, falei para meu esposo:

_ Que triste, ver um ser humano nessa situação, humilhado pedindo um trocado.

Ele me conhecia muito bem, virou e olhou o homem, que agora estava sentado no chão.

_ Quer saber Preta, só ele me chamava assim, eu vou lá e pagar o que ele quiser.

E foi, eu fiquei parada, olhando.

Meu esposo, costumeiramente não dava esmolas, mas naquele dia eu achei até engraçado.

Ele chegou perto do velho, abaixou, e pareceu perguntar alguma coisa. Depois levou a mão ao bolso, tirou uma nota, não vi o valor, e colocou na mão do homem. Que no mesmo instante, juntou as mãos, como se estivesse em prece, levantou-se, com meu esposo o apoiando. O Homem sorriu e fez menção de lhe dar um abraço, e eu pensei: Agora complicou.

Mas para minha surpresa, meu esposo aceitou, e sorrindo deu um tchau, voltando para onde eu o aguardava.

Chegou sorrindo: _ que pessoa boa é aquele homem, é uma pena estar nessa situação.

Eu sorri de volta:_ você também, é um homem do bem. Quem diria, abriu a carteira? continuei rindo, enquanto caminhávamos até o estacionamento.

Ele me olhou sério e falou: _ sabe por que eu dei dinheiro a ele? Fiquei esperando uma piada, ele continuou: _ ele disse que queria beber, mas beber para dormir hoje, não tinha mais motivo para viver, mas não tinha coragem para tirar a vida, era pecado aos olhos de Deus. Então eu dei, dinheiro suficiente para ele comprar uma garrafa. Ele foi sincero, e eu entendi a dor dele.

Nunca mais duvidei, que meu esposo fosse indiferente a dor alheia. E recebi muitas provas de sua generosidade. Apesar dele, dar umas broncas de vez em quando, em alguns

Por  baterem à porta muito cedo, em um dia de descanso.


Texto: Ivete Rosa de Souza
Ilustração: Jornal Rio de Flores

Ivete Rosa de SouzaNascida em Santo André, no ano de 1955, canceriana apaixonada por histórias. Adora poesia, crônicas e contos. Tem muitas histórias na cabeça, e a poesia que adorna os dias veio para ficar. Dois livros de poesia publicados: Coração Adormecido e Ainda dá Tempo. E em 2022. Participações em 40 Antologias físicas e mais de 10 ebooks. Vou aonde me levar a poesia.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


 

 


2 comentários:

  1. Eu também adoro histórias e você tem um estilo que me agrada bastante. Essa sua história foi muito interessante e emocionou-me. Você é gente que tem coração e alma. Parabéns.

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    1. Agradeço sinceramente, somos todos humanos e precisamos uns dos outros

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