sábado, 16 de dezembro de 2023

 


          A Onça pintada estava a caçar. Recém parida, escondendo seus três filhotes na caverna improvisada. Agora procurava alimento, estava faminta. Seu instinto de mãe, lhe dizia para levar para casa, algum petisco. Com certeza, os filhotes precisavam ser desmamados, aprendendo a comer algo mais saboroso.

         Ela começaria a alimentá-los com carne, para lhes aguçar a começar a procurar por alimentos sozinhos.

         Deparou-se com uma Anta. Era tão gordinha, que mal se movia, sua lentidão e aparente preguiça, deixou a Onça desconfiada. Mesmo assim preparou o bote e pulou sobre a caça, ouviu um guinchar horrível. Espantada se afastou, aprumou-se e perguntou:

—O que foi isso, já comi muitas de você, jamais ouvi um grito sequer?  A Anta que era muito esperta, respondeu:

— Dona Onça não me coma. Estou velha e cansada, além de estar muito pesada, minhas pernas são curtinhas, não conseguirei fugir, e com certeza a Senhora terá uma baita indigestão.

           A Onça ficou impressionada com a Velha Anta, pensou é mesmo, além da indigestão a carne será muito dura, e com um sinal da cabeça, deixou a Anta ir.

           Um Macaco-prego, observando do topo de uma árvore, logo saiu pulando, espalhando a notícia, para todos os animais da vizinhança:

—Se a Onça vier, nem precisa correr, é só gritar que ela se assusta.

            A Onça continuou com fome, mas precisava de uma presa. Mais a frente, avistou um coelho, mastigando entre as plantas rasteiras, não entendia por que gostavam tanto de mato. A Onça se aproximou devagar para não espantar a presa. O Coelho não correu, astuto como era gritou, antes mesmo que a predadora o alcançasse. E ela se assustou:

—Que é isso, todo bicho agora grita? Pensou. O Coelho parou de mastigar e foi dizendo:

—Dona Onça não me coma. Tenho uma dúzia de filhos para criar. Não vão poder se alimentar sozinhos, são pequenos e frágeis. A Onça nem sequer respondeu, virou-se e foi embora, deixando o Coelho escapar. Já era tarde, os filhos estavam famintos, hoje ela os amamentaria. A caça ficou para o outro dia.

               No dia seguinte passou o dia todo vagando, as presas estavam bem escondidas. Ela já estava fraquejando, amanhã eu vou conseguir uma refeição, pensou. Com grito ou sem grito, vou devorar algo delicioso.

                Na outra manhã saiu cedo, passando perto do rio, viu peixes bailando na água, até peixe eu comeria. Então ela viu a Anta na beira do rio, ela a ignorou, mas o Jacaré não. Num único ataque, abocanhou a Anta e a levou para dentro das águas, o animal sequer gemeu.

                   Adiante viu o Coelho e sua vasta prole, um dos pequenos muito afoito corria a frente. Uma Jaguatirica cercou e o abocanhou, na certa era só um pequeno lanche, um café da manhã. Nenhum coelho gritou, simplesmente desapareceram no meio do mato.

                    A Onça se sentiu enganada. Afinal ela era considerada a rainha da floresta. Onde já se viu? Uma predadora natural passar fome por ter compaixão? Ela precisava comer e iria comer.

                    Mas não deu tempo, uma Sucuri estava a espreita. A Onça distraída com seus pensamentos, raivosa por ter sido ludibriada, não viu a gigante constritora alcançá-la, imobilizando-a em seu abraço mortal.

                      Dona Onça não conseguiu soltar um urro, nem pedir por piedade seus filhos a esperavam, com certeza morreriam, e se tivessem sorte em seguir seus instintos aprenderiam a caçar para sobreviver. Foi perdendo a consciência aos poucos, enquanto o ar lhe faltava, seus ossos se quebrando um a um. Agora ela era só uma refeição, a grande predadora foi vencida. Primeiro pela esperteza, e por dar ouvidos as razões alheias. Esquecendo que ela tinha seus próprios motivos.

                       Muitas vezes somos a Dona Onça. Nos deixamos levar por palpites alheios. O melhor mesmo é ouvir nosso próprio coração, seguindo com orgulho nosso caminho e a nossa intuição. Afinal quem não sabe caçar, com certeza vai virar caça.


Texto: Ivete Rosa de Souza
Ilustração: Jornal Rio de Flores 

Ivete Rosa de SouzaNascida em Santo André, no ano de 1955, canceriana apaixonada por histórias. Adora poesia, crônicas e contos. Tem muitas histórias na cabeça, e a poesia que adorna os dias veio para ficar. Dois livros de poesia publicados: Coração Adormecido e Ainda dá Tempo. E em 2022. Participações em 40 Antologias físicas e mais de 10 ebooks. Vou aonde me levar a poesia.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão



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