A Onça pintada estava a caçar. Recém parida,
escondendo seus três filhotes na caverna improvisada. Agora procurava alimento,
estava faminta. Seu instinto de mãe, lhe dizia para levar para casa, algum
petisco. Com certeza, os filhotes precisavam ser desmamados, aprendendo a comer
algo mais saboroso.
Ela começaria a alimentá-los com
carne, para lhes aguçar a começar a procurar por alimentos sozinhos.
Deparou-se com uma Anta. Era tão
gordinha, que mal se movia, sua lentidão e aparente preguiça, deixou a Onça
desconfiada. Mesmo assim preparou o bote e pulou sobre a caça, ouviu um
guinchar horrível. Espantada se afastou, aprumou-se e perguntou:
—O
que foi isso, já comi muitas de você, jamais ouvi um grito sequer? A Anta que era muito esperta, respondeu:
—
Dona Onça não me coma. Estou velha e cansada, além de estar muito pesada,
minhas pernas são curtinhas, não conseguirei fugir, e com certeza a Senhora
terá uma baita indigestão.
A Onça ficou impressionada com a
Velha Anta, pensou é mesmo, além da indigestão a carne será muito dura, e com
um sinal da cabeça, deixou a Anta ir.
Um Macaco-prego, observando do topo
de uma árvore, logo saiu pulando, espalhando a notícia, para todos os animais
da vizinhança:
—Se
a Onça vier, nem precisa correr, é só gritar que ela se assusta.
A Onça continuou com fome, mas
precisava de uma presa. Mais a frente, avistou um coelho, mastigando entre as
plantas rasteiras, não entendia por que gostavam tanto de mato. A Onça se
aproximou devagar para não espantar a presa. O Coelho não correu, astuto como
era gritou, antes mesmo que a predadora o alcançasse. E ela se assustou:
—Que
é isso, todo bicho agora grita? Pensou. O Coelho parou de mastigar e foi
dizendo:
—Dona
Onça não me coma. Tenho uma dúzia de filhos para criar. Não vão poder se
alimentar sozinhos, são pequenos e frágeis. A Onça nem sequer respondeu,
virou-se e foi embora, deixando o Coelho escapar. Já era tarde, os filhos
estavam famintos, hoje ela os amamentaria. A caça ficou para o outro dia.
No dia seguinte passou o dia
todo vagando, as presas estavam bem escondidas. Ela já estava fraquejando,
amanhã eu vou conseguir uma refeição, pensou. Com grito ou sem grito, vou
devorar algo delicioso.
Na outra manhã saiu cedo,
passando perto do rio, viu peixes bailando na água, até peixe eu comeria. Então
ela viu a Anta na beira do rio, ela a ignorou, mas o Jacaré não. Num único
ataque, abocanhou a Anta e a levou para dentro das águas, o animal sequer
gemeu.
Adiante viu o Coelho e sua
vasta prole, um dos pequenos muito afoito corria a frente. Uma Jaguatirica
cercou e o abocanhou, na certa era só um pequeno lanche, um café da manhã.
Nenhum coelho gritou, simplesmente desapareceram no meio do mato.
A Onça se sentiu enganada.
Afinal ela era considerada a rainha da floresta. Onde já se viu? Uma predadora
natural passar fome por ter compaixão? Ela precisava comer e iria comer.
Mas não deu tempo, uma
Sucuri estava a espreita. A Onça distraída com seus pensamentos, raivosa por
ter sido ludibriada, não viu a gigante constritora alcançá-la, imobilizando-a
em seu abraço mortal.
Dona Onça não conseguiu
soltar um urro, nem pedir por piedade seus filhos a esperavam, com certeza
morreriam, e se tivessem sorte em seguir seus instintos aprenderiam a caçar
para sobreviver. Foi perdendo a consciência aos poucos, enquanto o ar lhe
faltava, seus ossos se quebrando um a um. Agora ela era só uma refeição, a
grande predadora foi vencida. Primeiro pela esperteza, e por dar ouvidos as
razões alheias. Esquecendo que ela tinha seus próprios motivos.
Muitas vezes somos a
Dona Onça. Nos deixamos levar por palpites alheios. O melhor mesmo é ouvir
nosso próprio coração, seguindo com orgulho nosso caminho e a nossa intuição.
Afinal quem não sabe caçar, com certeza vai virar caça.
Ilustração: Jornal Rio de Flores
Ivete Rosa de Souza. Nascida em Santo André, no ano de 1955, canceriana apaixonada por histórias. Adora poesia, crônicas e contos. Tem muitas histórias na cabeça, e a poesia que adorna os dias veio para ficar. Dois livros de poesia publicados: Coração Adormecido e Ainda dá Tempo. E em 2022. Participações em 40 Antologias físicas e mais de 10 ebooks. Vou aonde me levar a poesia.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


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