quarta-feira, 18 de outubro de 2023

 


Nasci em uma família peculiar. Nossa casa era grande, cheia de passagens entre as paredes, que meus irmãos e eu, nos escondíamos para atormentar meus pais. Mas, em minha casa, tudo era motivo de risos e festas, isso no dia a dia. Diferente das pessoas que nos olhavam torto e não entendiam. Raramente saíamos para algum lugar. Não frequentávamos a cidade, e nem fazíamos o que as outras pessoas faziam.

          Meu pai era um homem austero, mas em casa era risonho e brincalhão. Brincava de esconder, no grande jardim da nossa casa. Minha mãe era uma mulher tão linda, vestia-se com esmero, tinha lindos cabelos negros, como a noite sem lua, dizia meu pai, e o sorriso dela encantava.

           Dizia que os outros, era assim que se referia aos não bruxos, eram imaturos e desprovidos de gratidão por toda natureza que os rodeavam. Eu entendia que nós tínhamos a magia, e tudo fluía com leveza, nada nos faltava, tínhamos uns aos outros.

             Mamãe se ocupava a maior parte do tempo em fazer poções; segundo ela o sortilégio de amor, era sua favorita. Muitas mulheres e homens a procuravam, pedindo feitiços que lhes desse amor eterno, ou que aquele homem cobiçado por muitas, ou aquela mulher estonteante ficassem por eles apaixonados. Apesar de seu ar angelical, ela sempre parava de sorrir diante de tais pedidos, via nos olhos daqueles que se diziam apaixonados a maldade, ou simplesmente o orgulho de conquistar, como se a pessoa de seu interesse fosse meramente um objeto.

               Ela não cobrava de ninguém, mas diante dessas pessoas, pedia uma quantia tão exorbitante, que simplesmente desistiam. Certa vez veio uma mulher, não era feia, mas se sentia assim, pediu a minha mãe que fizesse o rapaz da loja de ferragens se apaixonar por ela. E pagou o que minha mãe exigiu. Além disso, chorou copiosamente dizendo:

—Eu o quero com todas as minhas forças, não posso viver sem ele.

                Minha mãe era uma mulher sensata, não gostava desse tipo de gente, que dizia estar a morrer de amores por alguém. Ela sempre dizia: -

— Se você desejar algo ou alguém, tem de desejar com seu desejo inteiro, assim a reciprocidade virá.

              Esse desejo inteiro, significava, que a pessoa tinha certeza do amor que sentia verdadeiramente, e quando isso acontece, não há feitiço maior que a vibração que emana de uns olhos apaixonados cativando o outro naturalmente. Ou que você conquiste aquele prêmio ou coisa que queira. Porque o amor é renúncia de si, em prol da felicidade do amado.

                Claro que muita gente desistia, como poderia se anular diante da felicidade do outro?  Mas Clarissa, não se deu por vencida e insistiu:

 — Eu o quero de qualquer jeito.,

Porque somente com ela é que ele seria feliz.

                    Minha mãe fez um chá de rosas, e deu a mulher alguns doces, este seriam para o rapaz, tão cobiçado, a mulher saiu eufórica. Minha mãe disse a meu pai: -Clarissa não terá o que pediu, ela não tem um desejo inteiro.

                   O tempo passou, era época da colheita, não a que se colhe grãos, mas sim almas. Nós as mulheres da família, e outras bruxas, a meia noite nos reuníamos e em meio a poções e cantos, pedíamos forças e luz para nos guiar em nossa estada na terra. Havia dança, e nos banhávamos à luz da lua cheia. A lua segundo minha mãe, nos dava forças energéticas que ampliavam nossos sentidos. Eu levitava e me sentia etérea, parecia ser carregada por mãos invisíveis, ao completar treze anos, descobri que tinha os dons de minha mãe, também o dom especial de ler a mente das pessoas.

                    Infelizmente, eu sentia o que cada humano carregava em seu interior, e isso me deixava por muitas vezes constrangida e irremediavelmente infeliz. Mas mamãe me ensinou a ver e fechar meu chacra, ou visão extracorpórea.

                     Passada a colheita, eis que a Clarissa voltou aos prantos, o rapaz se apaixonara por ela, mas não como ela desejara. O rapaz se mostrou possessivo, e ela o achava parecido a um cão que lhe seguia por todos os lugares que fosse. Sempre com grosseria, e com gritos como ela fosse sua propriedade. Minha mãe a ouviu, e fez uma cara de eu te avisei, sem dizer uma palavra.

                     Nesse dia minha mãe pediu que eu lesse as reais intenções de Clarissa. E eu vi que ela simplesmente queria afastar o rapaz de uma moça que ele gostava. Na verdade, ela odiava a pobre moça, fez aquele feitiço por puro despeito. Minha mãe só esperou que ela dissesse a que veio. Ela se alterou, gritou com mamãe, dizendo: — você estragou tudo sua bruxa, eu o queria apaixonado por mim, não como meu dono., e nem como lacaio.

                       Enquanto falava, esbravejava, eu vi o seu futuro. Firmino o rapaz que ela queria como sua propriedade, estava ao lado dela, mas não pertencia mais a este mundo.

Ele acabara de morrer, tinha sofrido um acidente ao procurar por Clarissa, que teria fugido de casa, para vir obrigar mamãe a desfazer o feitiço, mas era tarde. Agora o desejo da mulher, lhe seguiria por toda sua vida, ele seria um perseguidor, mesmo após a morte.

                          Quem deseja o mal a outro recebe de volta. Clarissa saiu furiosa, soubemos que havia sido internada, em um hospital de loucos, não desejou com o desejo inteiro, desejou com o mal de outra pessoa. No sortilégio:

 — Você recebe o que o seu coração pedir. Cuidado.

Texto: Ivete Rosa de Souza
Ilustração: Jornal Rio de Flores

Ivete Rosa de Souza. Nascida em Santo André, no ano de 1955, canceriana apaixonada por histórias. Adora poesia, crônicas e contos. Tem muitas histórias na cabeça, e a poesia que adorna os dias veio para ficar. Dois livros de poesia publicados: Coração Adormecido e Ainda dá Tempo. E em 2022. Participações em 40 Antologias físicas e mais de 10 ebooks. Vou aonde me levar a poesia. 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


 

 


2 comentários:

  1. Parabéns pelo seu trabalho 👏👏👏

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  2. Um texto bem escrito, numa abordagem superinteressante!
    Parabéns nobre escritora!

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