Nasci
em uma família peculiar. Nossa casa era grande, cheia de passagens entre as
paredes, que meus irmãos e eu, nos escondíamos para atormentar meus pais. Mas,
em minha casa, tudo era motivo de risos e festas, isso no dia a dia. Diferente
das pessoas que nos olhavam torto e não entendiam. Raramente saíamos para algum
lugar. Não frequentávamos a cidade, e nem fazíamos o que as outras pessoas
faziam.
Meu pai era um homem austero, mas em
casa era risonho e brincalhão. Brincava de esconder, no grande jardim da nossa
casa. Minha mãe era uma mulher tão linda, vestia-se com esmero, tinha lindos
cabelos negros, como a noite sem lua, dizia meu pai, e o sorriso dela
encantava.
Dizia que os outros, era assim que
se referia aos não bruxos, eram imaturos e desprovidos de gratidão por toda
natureza que os rodeavam. Eu entendia que nós tínhamos a magia, e tudo fluía
com leveza, nada nos faltava, tínhamos uns aos outros.
Mamãe se ocupava a maior parte do
tempo em fazer poções; segundo ela o sortilégio de amor, era sua favorita.
Muitas mulheres e homens a procuravam, pedindo feitiços que lhes desse amor
eterno, ou que aquele homem cobiçado por muitas, ou aquela mulher estonteante
ficassem por eles apaixonados. Apesar de seu ar angelical, ela sempre parava de
sorrir diante de tais pedidos, via nos olhos daqueles que se diziam apaixonados
a maldade, ou simplesmente o orgulho de conquistar, como se a pessoa de seu
interesse fosse meramente um objeto.
Ela não cobrava de ninguém, mas
diante dessas pessoas, pedia uma quantia tão exorbitante, que simplesmente
desistiam. Certa vez veio uma mulher, não era feia, mas se sentia assim, pediu
a minha mãe que fizesse o rapaz da loja de ferragens se apaixonar por ela. E
pagou o que minha mãe exigiu. Além disso, chorou copiosamente dizendo:
—Eu
o quero com todas as minhas forças, não posso viver sem ele.
Minha mãe era uma mulher
sensata, não gostava desse tipo de gente, que dizia estar a morrer de amores
por alguém. Ela sempre dizia: -
—
Se você desejar algo ou alguém, tem de desejar com seu desejo inteiro, assim a
reciprocidade virá.
Esse desejo inteiro, significava, que
a pessoa tinha certeza do amor que sentia verdadeiramente, e quando isso
acontece, não há feitiço maior que a vibração que emana de uns olhos
apaixonados cativando o outro naturalmente. Ou que você conquiste aquele prêmio
ou coisa que queira. Porque o amor é renúncia de si, em prol da felicidade do
amado.
Claro que muita gente desistia,
como poderia se anular diante da felicidade do outro? Mas Clarissa, não se deu por vencida e
insistiu:
— Eu o quero de qualquer jeito.,
Porque
somente com ela é que ele seria feliz.
Minha mãe fez um chá de
rosas, e deu a mulher alguns doces, este seriam para o rapaz, tão cobiçado, a
mulher saiu eufórica. Minha mãe disse a meu pai: -Clarissa não terá o que
pediu, ela não tem um desejo inteiro.
O tempo passou, era época da
colheita, não a que se colhe grãos, mas sim almas. Nós as mulheres da família,
e outras bruxas, a meia noite nos reuníamos e em meio a poções e cantos, pedíamos
forças e luz para nos guiar em nossa estada na terra. Havia dança, e nos
banhávamos à luz da lua cheia. A lua segundo minha mãe, nos dava forças
energéticas que ampliavam nossos sentidos. Eu levitava e me sentia etérea,
parecia ser carregada por mãos invisíveis, ao completar treze anos, descobri
que tinha os dons de minha mãe, também o dom especial de ler a mente das
pessoas.
Infelizmente, eu sentia o
que cada humano carregava em seu interior, e isso me deixava por muitas vezes
constrangida e irremediavelmente infeliz. Mas mamãe me ensinou a ver e fechar
meu chacra, ou visão extracorpórea.
Passada a colheita, eis
que a Clarissa voltou aos prantos, o rapaz se apaixonara por ela, mas não como
ela desejara. O rapaz se mostrou possessivo, e ela o achava parecido a um cão
que lhe seguia por todos os lugares que fosse. Sempre com grosseria, e com
gritos como ela fosse sua propriedade. Minha mãe a ouviu, e fez uma cara de eu
te avisei, sem dizer uma palavra.
Nesse dia minha mãe pediu que eu
lesse as reais intenções de Clarissa. E eu vi que ela simplesmente queria
afastar o rapaz de uma moça que ele gostava. Na verdade, ela odiava a pobre
moça, fez aquele feitiço por puro despeito. Minha mãe só esperou que ela
dissesse a que veio. Ela se alterou, gritou com mamãe, dizendo: — você estragou
tudo sua bruxa, eu o queria apaixonado por mim, não como meu dono., e nem como
lacaio.
Enquanto falava,
esbravejava, eu vi o seu futuro. Firmino o rapaz que ela queria como sua
propriedade, estava ao lado dela, mas não pertencia mais a este mundo.
Ele
acabara de morrer, tinha sofrido um acidente ao procurar por Clarissa, que
teria fugido de casa, para vir obrigar mamãe a desfazer o feitiço, mas era
tarde. Agora o desejo da mulher, lhe seguiria por toda sua vida, ele seria um
perseguidor, mesmo após a morte.
Quem deseja o mal a
outro recebe de volta. Clarissa saiu furiosa, soubemos que havia sido
internada, em um hospital de loucos, não desejou com o desejo inteiro, desejou
com o mal de outra pessoa. No sortilégio:
— Você recebe o que o seu coração pedir.
Cuidado.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


Parabéns pelo seu trabalho 👏👏👏
ResponderExcluirUm texto bem escrito, numa abordagem superinteressante!
ResponderExcluirParabéns nobre escritora!