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| Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores |
Certo dia, numa roda de amigos, papo comum, eu resolvi afirmar que, na vida, tudo é transitório, nada é para sempre! Alguém que lá estava presente, participando, comentou “concordando”, em tom de galhofa: - “Mas é lógico, amigo Rocha, na vida tudo é transitório, na VIDAAA! Porque, depois dessa aqui, na morte, tudo se eterniza!”
Sem
aceitar o retrucado, fingi não ter entendido o comentário! Entrar em vertentes
de escolas filosóficas, com esse negócio meio escatológico, poderia implicar em
sérios riscos para os debates. Afinal, naquela ocasião e circunstância, quem
haveria de querer adentrar por escolas peripatéticas, no melhor estilo de Aristóteles,
para discutir sobre a origem e o fim fundamental das coisas? Por exemplo, considerando uma sequência
qualquer de tempo, não há um só segundo que se concretize, repetindo alguma
coisa, como sendo igual aos fenômenos anteriores. Vivemos uma eterna mudança.
Pode variar na velocidade e na forma essa mudança, mas sempre acontecerá uma
nova fase. O universo, inclusive, por simples observação, nos ensina isso.
Basta olhar como os dias e as noites vão acontecendo. Mas se alguém não desejar
olhar o tempo passando, olhe um rio correndo para o mar.
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| Figura 2 - “Transição” – 2006 - Por Rocha Maia |
Como
demonstrou o químico francês Antoine Laurent Lavoisier, em 1785, pela Lei da
Conservação das Massas, “Nada se cria, nada se perde, tudo se transforma!”
Foi
assim que, desafiando a minha criatividade, resolvi pintar um quadro que
abordasse essa questão complexa: Transição! Loucura, né? Imagina, eu, um
simples pintor naïf, em ingênuas pinceladas, querendo expressar essa ideia de
transição! Possivelmente, devo ter errado, mas, assim mesmo, arrisquei na
pintura. Botei a “caixola” pra funcionar!
Portanto,
sem querer entrar no aspecto filosófico, resolvi refletir e colocar, na tela,
alguns indicadores dessa temática, levantada pelo Pai da Química Moderna, Lavoisier!
Naturalmente, fui adaptando aos meus princípios pessoais e simplórios de quem,
sem a necessária instrução, apenas procura acordar todos os dias, para aprender
um pouco mais. Tento fazer a minha parte no processo; vou pintando minhas
histórias!
A
transição é um fenômeno indubitável, algo indiscutível! Porém, sempre tem
alguém que usa e abusa da mesma argumentação, peremptória, sobre o final da
existência das coisas, a chamada morte!
Para
a minha composição artística, levei em conta apenas a abordagem material,
embora tenha me permitido, com alguma liberdade pictórica, imaginar os
argumentos da abordagem espiritual denominada Transição Planetária, como é
percebida nos ensinamentos sobre o assunto.
Convido
os leitores a observarem a composição do quadro, na forma por mim apresentada.
Em linhas gerais, resumidamente, vemos uma frondosa árvore, à beira de um largo
rio. Personagens diversos estão nas cercanias; ocupados em diversas atividades
cotidianas de laser. Ninguém está trabalhando, possivelmente por ser fim de
semana ou feriado nacional.
De
um lado do quadro, vemos forte luminosidade de raios solares que sugerem o
amanhecer; do outro lado, o quadro apresenta sombras, denunciando a proximidade
do anoitecer. Nesse ponto da pintura, introduzo o sentimento de dicotomia, que
tanto marca a percepção humana do nascimento e da morte. Para aliviar esse
sentimento, convido aos leitores olharem o rio que passa por ali, e que
introduz a sensação de eternidade..., até um dia secar!
Uma
pequena estrutura de madeira, localizada à beira do rio, sem a presença de um
barco, remete a temática à ancoragem do sentimento, como nos portos, com
partidas e chegadas, muitas vezes presentes nas nossas vidas. Quantas partidas
e quantos retornos, utilizando-me das minhas próprias pernas ou de outros meios
de transportes mais potentes, embarquei em processos de mudanças profundas e
radicais, que mudaram radicalmente meus rumos. Meu currículo, ao me aproximar
dos 76 anos de vida, bem representa esses constantes embarques e desembarques.
No
quadro, como ocupação suplementar da tela, no pequeno porto, estão alguns
personagens, envolvidos em suas atividades de pesca de caniço, e que, de certa
forma, ainda que fisicamente próximos, estão alheios aos demais personagens. Há
nisso uma simbologia: representa a atitude de distanciamento e de desinteresse
humano, nas trocas e interações sociais. Cada um desses personagens pescadores,
isoladamente, forma pequenos mundos reclusos, que, mesmo com abundância de
possibilidades de troca de energias externas, mantêm atitude de individualismo!
Tiremos das mãos desses personagens as varas de pescar; substitua-se por
celulares, e o resultado será parecido, com o mesmo efeito de isolamento
voluntário, que alguns indivíduos experimentam atualmente, mesmo estando
conectados.
Mas
não vamos complicar as coisas! Deixemos os pescadores; e passemos aos demais
personagens! Reparem, do lado ensolarado, há crianças, muitas crianças, brincando
sob os olhares de uma avó, de um casal e de uma moça, que ali, não só orientam
os folguedos, mas representam também o papel de guardiões de valores e
princípios culturais, transmitidos aos mais jovens, desde a infância até a
adolescência, por meios de formas lúdicas de jogos, muitas vezes passados de
geração em geração. Como representação desse processo, vemos: amarelinha;
ciranda de roda; pique-esconde; pular corda; jogos com bola; balanço; trepar em
árvores; bola de gude; pião etc.
A
árvore serve como fronteira, interface da transição, quando saímos da
adolescência e adentramos na maturidade. A noite tem sido para os jovens uma
referência da fase de transição, quando a criança e o adolescente olham com
ansiedade a desafiadora possibilidade de ficar na rua, na praça, no escurinho
dos jardins, nas margens sombrias dos rios, fora dos olhares e cuidados dos
mais velhos! Nessa parte do quadro, os personagens apresentam uma série de
comportamentos ousados, na busca de um relacionamento mais íntimo entre
pessoas. Percebemos a presença de uma fase marcante, em que a presença de
pessoas mais adultas e responsáveis, torna-se rejeitada pelos jovens; esses, agora,
arriscando caminhar em direção ao lado desconhecido das relações sociais, onde
as dúvidas e incertezas de comportamento, com frequência, resultam em trilhar
caminhos de maior maturidade ou responsabilidade.
No
tronco da árvore, restam gravados registros testemunhais das promessas e juras,
algumas vezes, feitas sem maiores reflexões, nessa fase encantadora da vida.
São atos de pura paixão que, se bem conduzidos, levarão à maior de todas as
transições nas vidas dos seres humanos; o nascimento daqueles que irão
perpetuar a espécie, numa série infinita e incontrolável de mudanças. O futuro,
embora condicionado no presente, no momento do “aqui e agora”, sempre
desconhecido, estará lá no ponto mais escuro da caminhada da vida. Podemos até
prevê-lo de forma vaticinada, mas nunca teremos a certeza do que chegará a ser
colhido, ainda mais duvidoso sobre aquilo que exatamente desejamos ter, ser e
estar.
Por
certo que minha pintura não está completa; seria muita pretensão querer, num só
quadro naïf, representar a complexidade do tema tratado. E não adianta
reclamar, porque o projeto de vida é assim; e sempre será! O nada não existe! O
Ser é, e ponto final! Não acredita? Leia os pensamentos de Parmênides, onde ele
afirma que apenas o Ser é uno, eterno e imutável!
Outras
interpretações, certamente, poderão ser intuídas pelos leitores, especialmente
o público feminino, que tão bem sabe usar esse tipo de percepção, porém, dou-me
por satisfeito com a simplicidade desta obra e o significado do título
Transição!



Um texto bem escrito, numa abordagem superinteressante!
ResponderExcluirParabéns ilustre escritor!
Um texto incrível, é uma interpretação guiada desse lindo quadro!
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