quinta-feira, 7 de setembro de 2023

 


A trilogia de “O tempo e o vento”, de Erico Verissimo, é, sem dúvida, a melhor forma de conhecer a História do Rio Grande do Sul, sem estudar a História do Rio Grande do Sul. No entanto, tenha bem presente: você lerá uma narrativa romanceada sem qualquer compromisso com os eventos, de fato, históricos.

O romance, contudo, não menciona que o Rio Grande do Sul, pelo Tratado de Tordesilhas, celebrado entre Espanha e Portugal, no ano de 1494, antes que Pedro Álvares Cabral chegasse a Bahia, já era possessão espanhola. A linha imaginária que separava as terras a serem encontradas terminava, mais ou menos, onde se situa Laguna/SC e adentrava o mar.

Ainda assim, em 1534, a expedição demarcatória de Martim Afonso de Sousa naufragou nas imediações da atual cidade de Rio Grande, enquanto o seu irmão, Pero Lopes de Sousa, seguiu até o Rio da Prata. É provável, segundo Guilhermino Cesar (1970), que Martim Afonso e o seu grupo tenham explorado a região. Nascia ali “Rio de São Pedro”, que deve referir-se à barra de Rio Grande. Mas o que viria a ser o estado mais meridional do Brasil não atraiu povoação.

No século seguinte, jesuítas – portugueses e espanhóis – iniciariam a sua obra de conversão dos nativos, mas, em seguida, foram rechaçados, ao que tudo indica por bandeirantes. Lançava-se, porém, em continuidade, o motivo econômico de interesse pela região: a pecuária. Estava-se no ciclo do ouro nas Minas Gerais e tropeiros paulista “desceram” ao Rio Grande do Sul em busca de bovinos para a produção de charque e de mulas para o transporte.

Chegamos ao nascimento de Pedro Missioneiro, ancestral primeiro dos gaúchos, conforme o narrador de “O tempo e o vento”. Filho de uma mulher nativa encontrada em trabalho de parto à beira do caminho. Pedro era mestiço: mãe indígena, pai tropeiro, que regressara a São Paulo e, provavelmente, à sua família.

Pedro Missioneiro cresceu nos Sete Povos das Missões, que eram mantidos por jesuítas espanhóis na margem leste do Rio Uruguai, portanto, em solo do Rio Grande do Sul. Eis que, mais uma vez, Espanha e Portugal assinavam um tratado na Europa, o Tratado de Madri (1750), que determinava a entrega da Colônia de Sacramento, fronteiriça a Buenos Aires, aos espanhóis, e os Sete Povos das Missões, aos portugueses. Não se contava com a resistência dos padres e dos indígenas.

Pedro foi instado a fugir por seu padrinho, Padre Alonzo.

Para ocupar o extremo sul do Brasil, a Coroa Portuguesa havia adotado a concessão de terras para soldados que davam baixa, para tropeiros ou para homens que tivessem prestado algum tipo de serviço à própria Coroa. Maneco Terra, antigo tropeiro, recebera uma porção dessas terras, o que lhe atribuía também a condição de defensor das fronteiras contra as investidas castelhanas. Ele morava com a esposa, dois filhos varões e uma filha, já ao redor de 25 anos, solteira, Ana Terra.

Uma tarde, na fonte em que lavava as roupas da família, Ana Terra encontrou um homem ferido, era Pedro Missioneiro. A família Terra tratou o rapaz e ele acabou ficando por ali, com a desconfiança de Maneco Terra. Construiu um rancho para morar ...e Ana Terra engravidou. Pedro Missioneiro foi morto pela família de Ana, que a “desonrara”.

A mãe de Ana morreu. Um dia, os castelhanos vieram, destruíram a plantação, mataram os homens, violentaram Ana até que ela desfalecesse. No mato, estavam escondidos Pedrinho, o filho de Ana, assim como a cunhada e a sobrinha de Ana.

Enterrados os mortos, eles seguiram uma caravana para um povoado que estava sendo criado: Santa Fé. Pedro Terra casou-se com Arminda e eles tiveram dois filhos: Juvenal e Bibiana. Ana Terra levara consigo a tesoura da mãe e tornou-se parteira.

Num dia de Finados, apareceu um homem em Santa Fé, meio peão – botas e bombachas; meio militar – dólmã fartamente ornamentado. Vinha de outras guerras, trazia recomendações militares, por sua atuação na Guerra da Cisplatina. Apaixonou-se por Bibiana, que, contra a vontade do pai, casou-se com o “estrangeiro”, Capitão Rodrigo Cambará.

Eles tiveram três filhos: Bolívar, Leonor e Anita, a pequena morreu enquanto o pai bebia e jogava numa noite de chuva. Rodrigo traía Bibiana para sofrimento de sua família, mas ela amava aquele homem.

Veio a notícia que uma nova guerra começara. Rodrigo sorriu, preparou-se e partiu. Prometeu que voltaria. Era a Revolução Farroupilha que se iniciava. Ele veio, amou Bibiana e, ao entrar no casarão da poderosa família Amaral, foi morto.

Mas havia Bolívar, que daria o status socioeconômico que Bibiana almejava e, depois dele, haveria Licurgo, que se tornara o senhor do casarão da família Terra Cambará e que, na Revolução Federalista (1893-1895), manteve-se firme no cerco à propriedade, mesmo que isso significasse a morte de sua filha Aurora, natimorta.

E tem sido assim... patas de cavalo, mestiçagem, enfrentamentos, liberdade nos campos e certa disposição para a peleia, que se configura a História do Rio Grande do Sul. Ora no romance, ora nos livros de História, a gauchada se orgulha, aprende, dos acontecimentos que nos deslocaram do cenário castelhano, que nos levaram a uma Revolução contra o Império, mas que nos mantêm brasileiros.

Nota: O romance “O tempo e o vento” é uma trilogia composta por “O continente”, “O retrato” e “O Arquipélago”. Nos dois primeiros volumes, a narrativa centra-se em cerca de 150 anos da História do Rio Grande do Sul, desde o nascimento de Pedro Missioneiro e as Guerras Guaraníticas até a Revolução Federalista. O personagem principal de “O retrato” é o médico Rodrigo Cambará, bisneto do emblemático Rodrigo Cambará, marido de Bibiana. Por fim, de cunho mais intimista, “O Arquipélago” apresenta-nos Floriano, o pseudoautor da obra, os anos finais do governo Vargas e sua deposição em 1945.


Texto: Elaine dos Santos
Edição e Ilustração: Jornal Rio de Flores

Elaine dos Santos. Natural de Restinga Seca/RS. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. Autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em mais seis livros nas áreas do Direito, História e Literatura. Atuou como professora no ensino médio, na graduação e na pós-graduação. É revisora de textos acadêmicos. Cronista com participação em mais de 80 antologias. Antologista, com três antologias já organizadas. Participa de várias academias literárias gaúchas e nacionais. É detentora da Comenda “Cícero Pedro de Melo”, concedida pela Câmara Literária de Pomerode”, de Pomerode/SC; da Comenda “Maria Firmina dos Reis, concedida pelo Instituto Internacional Cultura em Movimento, Mundo Cultural World e Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares; e da Comenda Barão de Mauá, honraria concedida pela Academia de Letras e Artes de Arroio Grande – ALAAG, de Arroio Grande/RS.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


 

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