A trilogia de “O
tempo e o vento”, de Erico Verissimo, é, sem dúvida, a melhor forma de
conhecer a História do Rio Grande do Sul, sem estudar a História do Rio Grande
do Sul. No entanto, tenha bem presente: você lerá uma narrativa romanceada sem
qualquer compromisso com os eventos, de fato, históricos.
O romance, contudo, não menciona que o Rio
Grande do Sul, pelo Tratado
de Tordesilhas, celebrado entre Espanha e Portugal, no ano de 1494, antes
que Pedro Álvares Cabral chegasse a Bahia, já era possessão espanhola. A linha
imaginária que separava as terras a serem encontradas terminava, mais ou menos,
onde se situa Laguna/SC e adentrava o mar.
Ainda assim, em 1534, a expedição demarcatória
de Martim Afonso de Sousa naufragou nas imediações da atual cidade de Rio
Grande, enquanto o seu irmão, Pero Lopes de Sousa, seguiu até o Rio da Prata. É
provável, segundo Guilhermino Cesar (1970), que Martim Afonso e o seu grupo
tenham explorado a região. Nascia ali “Rio de São Pedro”, que deve referir-se à
barra de Rio Grande. Mas o que viria a ser o estado mais meridional do Brasil
não atraiu povoação.
No século seguinte, jesuítas – portugueses e
espanhóis – iniciariam a sua obra de conversão dos nativos, mas, em seguida,
foram rechaçados, ao que tudo indica por bandeirantes. Lançava-se, porém, em
continuidade, o motivo econômico de interesse pela região: a pecuária.
Estava-se no ciclo do ouro nas Minas Gerais e tropeiros paulista “desceram” ao
Rio Grande do Sul em busca de bovinos para a produção de charque e de mulas
para o transporte.
Chegamos ao nascimento de Pedro Missioneiro, ancestral
primeiro dos gaúchos, conforme o narrador de “O tempo e o vento”. Filho de uma
mulher nativa encontrada em trabalho de parto à beira do caminho. Pedro era
mestiço: mãe indígena, pai tropeiro, que regressara a São Paulo e,
provavelmente, à sua família.
Pedro Missioneiro cresceu nos Sete Povos das
Missões, que eram mantidos por jesuítas espanhóis na margem leste do Rio
Uruguai, portanto, em solo do Rio Grande do Sul. Eis que, mais uma vez, Espanha
e Portugal assinavam um tratado na Europa, o
Tratado de Madri (1750), que determinava a entrega da Colônia de
Sacramento, fronteiriça a Buenos Aires, aos espanhóis, e os Sete Povos das
Missões, aos portugueses. Não se contava com a resistência dos padres e dos
indígenas.
Pedro foi instado a fugir por seu padrinho,
Padre Alonzo.
Para ocupar o extremo sul do Brasil, a Coroa
Portuguesa havia adotado a concessão de terras para soldados que davam baixa,
para tropeiros ou para homens que tivessem prestado algum tipo de serviço à
própria Coroa. Maneco Terra, antigo tropeiro, recebera uma porção dessas
terras, o que lhe atribuía também a condição de defensor das fronteiras contra
as investidas castelhanas. Ele morava com a esposa, dois filhos varões e uma
filha, já ao redor de 25 anos, solteira, Ana Terra.
Uma tarde, na fonte em que lavava as roupas da
família, Ana Terra encontrou um homem ferido, era Pedro Missioneiro. A família
Terra tratou o rapaz e ele acabou ficando por ali, com a desconfiança de Maneco
Terra. Construiu um rancho para morar ...e Ana Terra engravidou. Pedro
Missioneiro foi morto pela família de Ana, que a “desonrara”.
A mãe de Ana morreu. Um dia, os castelhanos
vieram, destruíram a plantação, mataram os homens, violentaram Ana até que ela
desfalecesse. No mato, estavam escondidos Pedrinho, o filho de Ana, assim como
a cunhada e a sobrinha de Ana.
Enterrados os mortos, eles seguiram uma
caravana para um povoado que estava sendo criado: Santa Fé. Pedro Terra
casou-se com Arminda e eles tiveram dois filhos: Juvenal e Bibiana. Ana Terra
levara consigo a tesoura da mãe e tornou-se parteira.
Num dia de Finados, apareceu um homem em Santa
Fé, meio peão – botas e bombachas; meio militar – dólmã fartamente ornamentado.
Vinha de outras guerras, trazia recomendações militares, por sua atuação na Guerra
da Cisplatina. Apaixonou-se por Bibiana, que, contra a vontade do pai,
casou-se com o “estrangeiro”, Capitão Rodrigo Cambará.
Eles tiveram três filhos: Bolívar, Leonor e
Anita, a pequena morreu enquanto o pai bebia e jogava numa noite de chuva.
Rodrigo traía Bibiana para sofrimento de sua família, mas ela amava aquele
homem.
Veio a notícia que uma nova guerra começara.
Rodrigo sorriu, preparou-se e partiu. Prometeu que voltaria. Era a Revolução
Farroupilha que se iniciava. Ele veio, amou Bibiana e, ao entrar no casarão
da poderosa família Amaral, foi morto.
Mas havia Bolívar, que daria o status
socioeconômico que Bibiana almejava e, depois dele, haveria Licurgo, que se
tornara o senhor do casarão da família Terra Cambará e que, na Revolução
Federalista (1893-1895), manteve-se firme no cerco à propriedade, mesmo que
isso significasse a morte de sua filha Aurora, natimorta.
E tem sido assim... patas de cavalo,
mestiçagem, enfrentamentos, liberdade nos campos e certa disposição para a
peleia, que se configura a História do Rio Grande do Sul. Ora no romance, ora
nos livros de História, a gauchada se orgulha, aprende, dos acontecimentos que
nos deslocaram do cenário castelhano, que nos levaram a uma Revolução contra o
Império, mas que nos mantêm brasileiros.
Nota: O romance “O tempo e o vento” é uma trilogia composta por “O continente”, “O retrato” e “O Arquipélago”. Nos dois primeiros volumes, a narrativa centra-se em cerca de 150 anos da História do Rio Grande do Sul, desde o nascimento de Pedro Missioneiro e as Guerras Guaraníticas até a Revolução Federalista. O personagem principal de “O retrato” é o médico Rodrigo Cambará, bisneto do emblemático Rodrigo Cambará, marido de Bibiana. Por fim, de cunho mais intimista, “O Arquipélago” apresenta-nos Floriano, o pseudoautor da obra, os anos finais do governo Vargas e sua deposição em 1945.


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