Em diferentes áreas do conhecimento, nós
tomamos contato com a “alegoria da caverna” ou “mito da caverna” ou “parábola
da caverna”, que se encontra no livro “A República” do filósofo grego Platão,
que viveu na Grécia Antiga, por volta de 400 a.C.
Grosso modo, o propósito da ideia forjada
por Platão é demonstrar / exemplificar como o ser humano vive numa espécie de escuridão,
mas que ele pode libertar-se dessa condição, que o aprisiona. Como isso aconteceria?
Por meio da luz da verdade / esclarecimento sobre as coisas, sobre o mundo. Na
prática, eu diria que há uma discussão muito clara sobre a importância do
conhecimento, do domínio da linguagem e, evidentemente, da educação (Abro um
parênteses para tecer uma consideração: a educação não acontece somente na
escola, ela pode realizar-se, como propunha Paulo Freire, em espaços
não-formais, como o chão de fábrica, o galpão de uma empresa lavoureira etc.).
Em síntese, a caverna, conforme Platão, é o mundo em que
vivemos. Ele descreve alguns homens acorrentados desde a infância dentro de uma
caverna, geração após geração, ouvindo as mesmas histórias, vendo as mesmas
imagens. Esses homens aprisionados não conseguem mover-se, estão virados de
costas para a entrada da caverna (não veem, portanto, a luz que vem de fora),
apenas veem projeções que lhes são feitas no fundo da caverna – são sombras
projetadas por uma fogueira, que mostram os homens lá fora, carregando coisas.
Para os prisioneiros, aquelas sombras são tudo que existe no mundo.
Eis que, num determinado dia, um desses prisioneiros consegue
libertar-se, tem dificuldade para enfrentar a claridade, mas segue em frente.
Ele percebe que o mundo não é aquele que os homens dentro da caverna “conhecem”.
Tomado de compaixão por aqueles que seguem prisioneiros, a tendência desse
homem seria voltar à caverna para contar-lhes o que viu. Eles aceitariam como
verdade o que lhes contaria aquele que saiu da caverna? No diálogo entre
Sócrates e Glauco, dois filósofos gregos, Glauco chega a pensar que o homem
liberto e que adquiriu o conhecimento poderia ser hostilizado ou até mesmo
morto pelos outros que permaneceram as suas vidas inteiras presos na caverna,
presos a mitos, a preconceitos e que não aceitam a luz do conhecimento, da
educação. Agarram-se ao que creem, ao que consideram palpável, ao que
aprenderam, mesmo que isso seja apenas uma sombra projetada, uma mentira.
A rejeição a tudo aquilo que é novo ou desconhecido é uma
caraterística própria do ser humano. Em Literatura, costumo lembrar dois
momentos emblemáticos. Em Portugal, a chamada Questão Coimbrã, que opôs os
conservadores (autores românticos) e os novos (autores realistas), levou à
consolidação, claro, do Realismo.
No Brasil, no início do século XX, delineava-se uma mudança
nas Artes em geral, sobretudo, com a influência das chamadas Vanguardas
Europeias (Futurismo, Cubismo, Expressionismo etc.), no entanto, foi um artigo
escrito por Monteiro Lobato – cujo título era “Paranoia ou mistificação” -, uma
dura crítica à exposição da artista plástica Anita Malfatti que desencadeou, a
partir de 1917, os movimentos que culminariam na Semana de Arte Moderna: o
velho escritor, representante das oligarquias rurais, conseguiu unir e
fortalecer os jovens artistas.
Alguns sociólogos, antropólogos têm se debruçado sobre as
relações humanas na atualidade e consideram que estamos involuindo, ou seja,
regredindo a cavernas (imaginárias). Há muito conhecimento disseminado,
sobretudo, via internet, mas há também pouquíssima vontade para aprender, sendo
preferível receber informações “mastigadas” em correntes de redes sociais e
aplicativos, repassando-as, sem refletir sobre o seu conteúdo. Há falta de
questionamento, as supostas verdades são aceitas como incontestáveis, sem
checar as informações.
Chegamos ao ponto de festejar a ignorância! Recentemente,
numa roda de amigos, alguém “ressuscitou” o professor Astromar da telenovela
“Roque Santeiro”, que usava um vocabulário extremamente rebuscado, era
ovacionado pelas autoridades do pequeno município, mas ninguém o entendia,
imaginavam que o “palavreado difícil” tivesse fundamento, tivesse validade. Há
muitos professores Astromar no nosso meio, tentando demonstrar uma falsa
erudição que desmorona ao primeiro questionamento. Quem é errado quando essa
erudição desmorona? Sim, aquele que questiona. Estamos no cultivo das sombras,
nem tanto aquelas projetadas no fundo da caverna, mas das sombras, das dobras
de caráter.
Aquele que ousa opor-se a essa mediocridade reinante é considerado “fora da casinha”, porque está fora do espírito dominante, em que a alienação predomina. A pergunta que me faço sempre: O que acontecerá com os filhos e os netos dessa geração que optou pela caverna?
Texto: Elaine dos Santos
Elaine dos Santos. É natural de Restinga Seca/RS. Filha de Mario Cardoso
dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Graduada em Letras, Mestre
e Doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria
(UFSM). Possui formação em língua espanhola pela Universidad de La Republica,
Montevidéu. É autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do
melodrama no teatro mambembe”. Atuou como professora de Língua Espanhola,
Literatura e Metodologia Científica no ensino médio, em cursos de graduação e
pós-graduação. Foi Coordenadora do Curso de Letras e de Programas Sociais na
Universidade Luterana do Brasil – ULBRA/campus Cachoeira do Sul. Atuou como
banca elaboradora de questões dos concursos PEIES e vestibular da UFSM e como
avaliadora de redações dos mesmos concursos. É revisora de textos acadêmicos e
parecerista ad hoc de revistas com classificação Qualis. Cronista, com
publicações em jornais e em diversas antologias.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


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