“Não deixe o samba morrer, não deixe o
samba acabar, o morro foi feito de samba, de samba para a gente sambar”.
Maria se levantava assim, cantando a sua
música favorita. Dia a dia Maria descia as escadarias do morro em que vivia.
Sendo sol, chuva fria, frio ou ventania. Ela era cheia de sorrisos. Descia as
escadas, mesmo com fome porque mal dava tempo de engolir um cafezinho. Mas deixa
as roupas lavadas e arrumadas. A comida pronta para os meninos, saírem de
barriga forrada, e uniforme pronto para irem à escola.
Para Maria nada era fácil, mãe solteira, cheia
de vida e de planos. Parecia que nunca se cansava. Ao final do dia vinha
escadaria acima, com pequenos quitutes para seus meninos. Eles, dois garotos
inteligentes, herdaram de Maria o senso de responsabilidade e o gosto pela
batucada da Escola de Samba que frequentavam com a mãe.
Maria antes de subir o morro, passava na
padaria de seu Joaquim, um jovem senhor boa praça, chegara de Portugal nos anos
70, construiu o sonho de se estabelecer. Era loucamente apaixonado por Maria.
Quando a via passar, sentia o coração disparado, “mulata assanhada, que passa
na rua fazendo pirraça, tirano o sossego da gente”, mas não se atrevia a falar
para a moça sobre seus sentimentos.
Ela só trabalhava e se preocupava com os
filhos. Não tinha tempo a perder, nem queria um novo pai para seus pimpolhos. O
verdadeiro, anos antes, os deixara sem sequer explicar a razão.
A vida passava entre seu sonho de ser a
porta Bandeira, o trabalho na cidade, e os filhos. Uma vizinha os vigiava, e a
qualquer imprevisto avisava a moça. No ano de 1986, Maria foi chamada à
diretoria da escola de seu filho mais velho, que agora estava com 12 anos.
Pediu ao patrão que a liberasse, o homem
assustado com o estado da mulher, resolveu ele mesmo levá-la à escola. Mas o
susto acabou por deixar Maria feliz. Seu filho tinha ganho uma bolsa integral,
por ser um aluno superdotado. Agora ela teria mais motivos para sorrir.
O patrão a esperou:— Maria o que
aconteceu? Ela sorrindo disse: — Meu
filho mais velho ganhou uma bolsa, ele é muito inteligente. Até aquele momento,
ela pagava a escola para os meninos, com seu salário, na empresa que trabalhava
como secretária. E nos fins de semana, vendia doces com os meninos na orla da
praia.
O patrão ficou abismado: —Maria, esse
pessoal da Escola deveria ter falado sobre o que se tratava, até eu me
assustei, quando te vi nervosa. Ela riu: —Tudo bem doutor, por essas bandas é
assim mesmo, tudo é para ontem.
O Doutor Geraldo, era um advogado de
primeira, tinha seus clientes pagantes, mas fazia trabalhos gratuitos para a
comunidade. Olhou para a felicidade de Maria e sentiu-se na obrigação de bancar
as mensalidades do filho menor de sua secretária.
Quando a deixou à beira da escada, ficou
olhando a moça abraçada aos filhos, com tamanho amor e alegria, que chorou
dentro do carro.
Ela uma mulher simples, tinha terminado o
secundário, quando foi trabalhar no prédio de escritórios. Ele a via sempre
sorrindo e brincando com as colegas do sexto andar, enquanto fazia faxina das
salas. Ele não tinha secretária, mas precisava urgente de uma. Alguém que
atendesse o telefone, e anotasse os recados, enquanto ele ia ao Fórum.
Resolveu contratar a mulher, e ela se
mostrou eficiente, e ele aos poucos foi mostrando como ela podia arquivar as
pastas, organizar os trabalhos mais recentes, recepcionar os clientes. Maria
agora já tinha pegado o jeito, e ele ficava tranquilo até quando não conseguia
voltar ao escritório.
Brincava com a funcionária: —Maria, você
já é quase advogada. Ela ria de gosto.
Na comunidade, correu a notícia do garoto
superdotado. Maria era um orgulho só. “Eu nasci com o samba, e no samba me
criei.” Ela e os filhos, subindo a escadaria, parecia uma festa, com aquela
cantoria.
Chegou o Carnaval, os meninos de férias
escolares. Todos os sábados anteriores foram de ensaios. Ela por enquanto
estava à frente da bateria, não queria mais ser porta-bandeira. Estava feliz
assim. No último ensaio o dono da Escola
anunciou a presença de um cantor famoso. Maria empolgadíssima, ficou à beira do
palco, acompanhou a apresentação, cantando junto, não errou a letra nenhuma
vez. O cantor no final da apresentação, a chamou ao palco, lhe deu o microfone,
e pediu para que tocassem o samba da escola.
Maria desabrochou como uma linda rosa,
cantou a plenos pulmões. Sucesso imediato, todos ficaram boquiabertos, até o
senhor Joaquim da padaria, que largava a padaria para ver os ensaios, tudo por
causa de Maria. “Deixa eu te amar/ faz de conta que eu sou o primeiro/na beleza
desse teu olhar/ eu quero estar de corpo inteiro”.
Ao terminar a apresentação, correu para o
senhor Joaquim: —Eu vou cantar no show, com aquele cantor. E foi assim que
Maria passou seus dias, cantando samba no rádio, indo para a Tv, e o senhor
Joaquim depois daquele abraço, se declarou. Até os meninos festejaram.
Maria desceu o morro, mora ainda na casa
de Joaquim agora seu esposo. Apesar de ter ganho dinheiro, seus filhos agora
formados, não quis largar o samba. Não esqueceu da sua escola, ainda sai de
baiana, já foi porta bandeira e destaque, está como sempre imaginou, uma
senhora alegre, esperando o segundo neto chegar.
“O
samba da minha terra deixa a gente mole/quando se canta todo mundo bole. Eu
nasci com o samba e no samba me criei/do danado do samba nunca me separei”.
Ilustração: Rio de Flores Editora
Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), nasceu em
Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança,
apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados
do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros
publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como
digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma
libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


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