
Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores - Tela de Rocha Maia
A posse ocorreu no
dia 18 de novembro de 2010, sob a presidência da Acadêmica Iracy Carise. Nem dá
para lembrar mais as circunstâncias que levaram Rocha Maia a concorrer à uma
cadeira de grau livre, da Academia Brasileira de Belas Artes. Foram mais de
quatro anos aguardando pelo resultado da candidatura! Um dia, aconteceu a
aprovação final!
Quem é tutor daquela
Cadeira de Imortal? Frei Francisco Solano! Quem foi ele? Temos resumidas referências:
brasileiro, nascido na região de Itaboraí/Rio
de Janeiro, ano de 1743. Frei
Francisco Solano Benjamim, desenhou mil estampas realistas de plantas, usadas
na ilustração da obra “Flora Fluminensis”, de José Mariano da Conceição Vellozo. Ordenado padre em 1779, faleceu aos 75 anos, no Rio de Janeiro, em 1818,
portanto, dez anos após a chegada de D. João VI. Passou longos anos, desde sua
ordenação como Franciscano, no Convento de São Boaventura, fundado quando o
Brasil era colônia, em 1612.
Como artista plástico, foi conhecido como exímio desenhador. Seus restos
mortais estão no Convento de Santo Antônio, no Rio de Janeiro. Executou
inúmeras pinturas sacras, em igrejas e capelas. Certamente, teve importantes
obras perdidas no Convento de São Boaventura. As ruínas, localizadas entre
Itaboraí e Macacu, podem ser vistas nas proximidades das obras do COMPERJ/Petrobras.
Após a
transferência e o falecimento de Frei Solano, ocorreu grande tragédia na
baixada fluminense, onde estão os atuais municípios de Magé, Itaboraí, Japuíba
e Rio Bonito. Foram calamidades sem precedentes, aquelas epidemias de cólera,
tifo e febre amarela, entre os anos de 1828 e 1836!
Segundo
historiadores, as pestes teriam dizimado a população da Vila de Santo Antônio
de Sá, situada nas cercanias do velho Convento. Para completar o drama, a
economia da região ficou comprometida, resultando grande miséria. Os franciscanos
debandaram; deixaram as instalações sujeitas aos saques e à falta de manutenção.
O tempo terminou por executar a tarefa da destruição. Os efeitos foram muito
fortes, tanto na vida das fazendas como nas pequenas vilas, que entraram em
decadência, por longos anos.
Atualmente “as Ruínas
do Convento de São Boaventura se destacam majestosas no sítio, onde
existiu no século XVIII a antiga Vila de Santo Antônio de Sá.” (IPHAN –
Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - Nome atribuído: Ruínas
do Convento de São Boaventura na Fazenda Macacu - Localização: Fazenda
Macacu – Itaboraí – RJ- Número do Processo: 690-T-1963 Livro do Tombo
Histórico: Inscr. nº 476, de 28/04/1980)
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| Figura 2: Fonte da imagem: https://visite.itaborai.rj.gov.br/ |
Com a curiosidade saciada, foi possível ao artista Rocha Maia imaginar como seria a vida na região e no Convento. Nasciam assim duas pinturas: “A Vila de Santo Antônio de Sá” e o “Convento de São Boaventura”, cujas histórias, contadas em pinceladas, são o resultado de pura imaginação e alguma pesquisa.
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| Figura 3: “Vila de Santo Antônio de Sá” – Por Rocha Maia |
São “histórias” romanceadas, visando o lirismo; simplesmente deduzidas! Mediante pesquisas complementares, aparece o resultado: duas telas que apresentam imagens fictícias. Valendo-se de “licença poética”, Rocha Maia, com sua “naïvité consciente” elabora a própria interpretação revivente daqueles locais. Doravante, recomenda-se aos leitores serem prudentes, principalmente, ao darem crédito àquilo que parece ser “pura-verdade”, mas não é!
Vamos
juntos nesse sonho?
Primeiro, a
Vila de Santo Antônio de Sá. Talvez pudesse ainda existir, caso o Convento não
tivesse sido abandonado. Nessa hipótese, o imaginário permite criar a seguinte
situação: aos domingos, após a missa, a vida seguiria com a mesma alegria de
antigamente. Num pedaço de terreno, emprestado do pasto da fazenda, vizinha ao
velho Convento de São Boaventura, existiria, atualmente, um campinho de futebol
de várzea.
Para correr
atrás da bola, sempre seria possível furar a cerca e entrar no pasto; a
diversão ali poderia ser garantida, exceto quando a vaca braba resolvesse tomar
o campo, pondo a molecada pra correr. – “E haja fôlego, atletas! Cebo nas
canelas!”. Fazer uma daquelas jogadas longas, quando o goleiro dá um chutão de
tiro de meta, obrigando as equipes a saírem disparadas, uns atacando, outros
defendendo, ficaria muito complicado, ainda mais estando a correr com o gado
por perto.
Dizer que “poder-se-ia
jogar uma boa partida”? Só por força de expressão, para galhofar! A turma iria querer
mesmo é dar chutão, aquela “bicanca”, típica do verdadeiro “profissional”! Além
dos bois e das vacas, por lá estariam presentes carneiros, cachorros vira-latas,
urubus e, acreditem, até cobras. Quem dera “craques-de-bola”! Nada disso! Apareceriam
cobras de verdade, das venenosas, porque pasto é lugar para cascavel.
Em volta do
campinho, cedido pelo fazendeiro, haveria ruas de terra batida, casas simples,
botecos, lojinhas e armazéns de secos e molhados. Prédios que, em nada, lembrariam
aqueles existentes na época do rico comércio da antiga Vila. Desde muito tempo,
acredita-se que, após a última grande epidemia de febre amarela na região, a
localidade passou a sofrer com a miséria. Daquele esplendor passado, dos velhos
tempos, do Convento frequentado por padres e freiras, carolas devotas de Santo
Antônio, gente pagando promessa e muitos escravos? Ninguém mais!
Agora, só
saudades! Foram muitos anos na decadência! Boa parte dos prédios na Vila estariam
em ruínas; simplesmente abandonados, demolidos ou desfigurados. A escolinha
franciscana, antes tão procurada, não atenderia mais à garotada. A antiga
igreja não abriria as portas, nem aos domingos, nem mesmo para simples missas
ou batizados. Raramente, seriam realizadas orações! Isso, olhe lá, só quando
aparecesse algum padre itinerante. Ultimamente, nem sacristão mais teria!
Por fim, surgiu
um pequeno sopro de esperança! Andou pelo lugar o bochicho de que, com o
advento da abundância de petróleo, proveniente de extrações dos poços
profundos, alto mar, o tal do pré-sal, nos litorais do Rio de Janeiro e de São
Paulo, poderia surgir alguma nova oportunidade. Seria o tal milagre, prometido
por Santo Antônio? Teria a capacidade de restabelecer a economia local? Boas
notícias começaram a circular; falavam de um megaprojeto da Petrobrás, espécie
de refinaria ou coisa parecida, a ser instalado nas proximidades de Itaboraí.
Obra faraônica! Falava-se no Complexo
Petroquímico do Rio de Janeiro – COMPERJ. Infelizmente, até hoje, a obra não
terminou! Com humor pobre, as pessoas fazem trocadilhos: dizem que as obras se
arrastam “a-passos-de-cagado”!
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| Figura 4: “Convento de São Boa Ventura” – Por Rocha Maia |
Passemos então ao outro quadro?
Apesar
do final trágico, os escombros do Convento de São Boaventura ainda podem ser
vistos. Eles ajudam a imaginar como, outrora, eram ricas e nobres aquelas santas
edificações! Durante centenas de anos, serviu aos propósitos da propagação da
fé cristã, em nome da santa Igreja Católica Romana. Formou inúmeros frades
capuchinhos, da Ordem dos Franciscanos. Dentre eles, aquele Patrono Frei
Franscisco Solano!
Construído
majestosamente, em local estrategicamente recomendado, para aquela época, São
Boaventura ficava no entroncamento de importantes fluxos comerciais e de acesso
a terras férteis, para produção agrícola. Certamente, mantido com doações das
famílias abastadas, o Convento recebia espécies de dízimos, ofertados em troca
de indulgências. De tal forma que facilitava aos padres forrarem o “caixa”, com
polpudas doações. Nos dias de missa, os fazendeiros e comerciantes mais ricos
recebiam, junto com seus familiares, tratamento nobre. Atualmente, seria classificado
como tratamento “VIP”! Muitas vezes, padres especialmente destacados, acompanhavam
com ladainhas franciscanas as famílias dos importantes devotos, formando pequenas
procissões, até a entrada da Igreja principal do Convento.
Naqueles
tempos, a força de trabalho braçal era formada por escravos. Acredita-se que “escolinhas”,
administradas por frades professores, eram responsáveis por cuidar da formação
de mão-de-obra de escravos, para serviços domésticos, instruídos e treinados,
de forma a permitir que fossem capazes de servir e conviver com os familiares
dos fazendeiros, dentro das residências ou acompanhando e carregando as pessoas
durante as saídas às ruas.
Dessa
forma, imagina-se que, sem outra opção, muitas crianças foram separadas dos
pais, nas senzalas, para serem “entregues” aos “cuidados” dos padres. Os
religiosos passavam a exercer papel decisivo na educação, talvez obrigatória, agindo
como uma espécie de “instrutores” dos meninos e das meninas, visando
devolvê-los aos fazendeiros e comerciantes, com um mínimo de capacidade de
executar pequenas tarefas ou trabalhos, dentro da “Casa Grande” ou no comércio
ambulante.
Os
serviços pesados, especialmente aqueles domésticos, eram executados por escravos.
Os indivíduos que fossem mais astutos, capazes de prestar melhores serviços aos
donos, eram apartados da vida comunitária dos alojamentos de escravos. Passavam
a ter algumas regalias, impensáveis para outros pares, mantidos nas senzalas.
Além
de ensinar serviços domésticos, supõem-se que os padres também selecionavam,
dentre os jovens “alunos”, aqueles que fossem mais aptos a aprender profissões,
úteis para os serviços nas lojas ou oficinas de artesanato. Possivelmente, eram
criados sob condições diferentes de capacitação, divididos por categorias, visando
à produção de bens e serviços nas fazendas e cidades, minas e atividades de
pesca, assim como poderiam ser alocados ao manejo de carroças, de tropas de
burro e comitivas de gado. Com mais conhecimento, ampliavam a capacidade de
trabalho especializado, o que, por certo, teria feito surgir indivíduos que,
mesmo dentro da condição de submissão característica do regime escravocrata,
eram socialmente mais respeitados e valorizados.
Acredita-se
que alguns religiosos tenham ajudado escravos a obter formação mais apurada.
Sem isso, seria impossível, por simples vocação sacerdotal, obterem conhecimento
teórico, nas áreas dos estudos canônicos e de formação religiosa, para serem
ordenados padres ou freiras.
Com
o crescimento daquelas atividades educativas, oferecidas pelos monges e freiras,
as escolinhas religiosas, até então destinadas aos filhos de escravos, devem
ter aberto suas portas a outros púbicos. A título de caridade, teriam surgido
vagas diferenciadas, destinadas a receber crianças órfãs, bem como filhos de
mães escravas domésticas, cujos pais eram os pequenos agricultores ou
comerciantes, detentores de alguma riqueza ou poder político local. É isso o
que se pode imaginar!
E atualmente,
para ver? Apenas..., ruínas! Quer aprofundar
informações? Há estudos arqueológicos e fotografias disponíveis na Internet. Para
a Vila de Santo Antônio de Sá e o Convento de São Boaventura, não existem mais
esperanças. Viraram pó da história!
Texto e Telas (Figura 2, 3 e 4): Rocha Maia
Ilustração Figura 1: Jornal Rio de Flores
Luiz Roberto da Rocha Maia – nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |




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