segunda-feira, 24 de abril de 2023

Ilustração - Jornal Rio de Flores

Após uma longa viagem, Júlio um corretor de 28 anos, cabelos negros e perfeitamente penteados, um rosto sério que inspirava confiança. Ele não era muito alto nos 1,85, mas ficava incomodado ao dirigir. Parou para esticar as pernas, homem bonito, com um bom carro e uma lábia que convencia a qualquer pessoa, também sentia que precisava ser mais calmo deixar de correr atrás de dinheiro e poder mudar de vida, estava farto de ser bem-sucedido, não queria viver só para o trabalho. Esta seria a última vez que pegaria a estrada atrás de imóveis velhos para demolir e construir outros de alto padrão.

Soube através de amigos que naquela estrada, havia muitos imóveis grandes e antigos que seriam leiloados, porque há muito tempo não se conhecia os proprietários. O prefeito da cidade vizinha, havia tomado posse desses imóveis, que mais tarde descobriria que nem sequer pertenciam ao município e sim ao outro cerca de 20 quilômetros abaixo na estrada que agora Júlio achava que não terminava mais.

Estava cansado, estava dirigindo por mais de cem quilômetros, não havia visto nenhum carro cruzar seu caminho; já estava achando que havia pegado a estrada errada. Quando parou consultou o mapa que o amigo lhe fizera, correu os olhos à volta, conferiu a montanha à direita, e mais uns cem metros à sua frente havia o rio que o mapa lhe descrevia. Certo pensou, então viro à direita naquele cruzamento e pronto chego à cidade dona das casas.

Seguiu e então viu uma dezena de casinhas, todas pequenas ao menos de longe, e sentiu um desejo enorme de encontrar outro ser humano, foi chegando, e para sua surpresa viu uma linda garota, cuidando de uma pequena horta. Quando ela levantou o corpo e olhou para ele, Júlio sentiu um calafrio, uma secura atingiu sua garganta, e suas pernas quase o derrubaram. Ela era linda, mesmo com seu vestido de chita, um vestido sem graça que quase chegava ao chão, mas os cabelos longos de um vermelho fogo, se juntavam ao vento em uma dança que o encantou. Que mulher, pensou, uma ruiva de seus 20 anos, olhos grandes e castanhos, pele clara que não combinava em nada com a aridez, e o sol causticante que o maltratara por quilômetros.

A jovem sorriu e falou sem pudores:

—O que quer por aqui estranho?

Ele, capaz de convencer até pedras, não emitiu um som sequer. Paralisado pela beleza da moça, estava ali como se tomado por uma força estranha e poderosa, que o amarrava ao chão e lhe prendia os sentidos.

Ela sorriu e brincou: —O gato comeu sua língua?

E com muito esforço ele respondeu:— Não.

Ela riu desta vez uma risada escancarada. E ele a seguiu, conseguindo sair daquele estado de torpor falou:

— O meu nome é Júlio, eu estou indo para Lisboana, para falar com o prefeito. Acabei chegando aqui, não reconheci no mapa essa vila? E ela sorrindo disse:

— Sara e sou filha do pastor responsável por esta vila, como você disse, se não estamos no seu mapa, então não existimos, não é?

Ele sorrindo enfeitiçado, concordou com a cabeça.

— Venha, disse ela e deu-lhe uma caneca com água fresca. Ele sorveu de um gole só, com o coração disparado, perguntou:

— Como ela foi parar ali? Naquele lugar desolado e triste. Não havia um ramo verde na extensão de quilômetros.

—Não se ocupe com detalhes, você vai ver que aqui não precisamos de muito.

E ele foi ficando, até esquecer o porquê de estar ali. E foram chegando outras pessoas. Conheceu um ferreiro, com mulher e quatro filhos. O pastor Pai da moça, que era estranho, que não tinha uma igreja, pregava a meia dúzia de ouvintes.

Um velho, e um moço surdos e mudos. E outros mais que dia a dia apareciam, uns felizes e encantados com ele. E outros com a cara amarrada, reclamando de tudo. Não sabia dizer quanto tempo permaneceu ali, e quantas vezes adormeceu nos braços da ruiva.

Só sabe que quando sentiu vontade de sair de lá, tomando a ruiva pelas mãos descobriu que não tinha mais casa, carro ou pessoas, só um deserto sem fim, areia e mais areia, que mudavam de direção com o vento. E sentiu um imenso vazio, o vazio que há depois que se passa dessa para uma outra vida. O vazio de morrer só. 

Texto: Ivete Rosa de Sousa

Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), nasceu em Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança, apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet

Edição e Direção Geral:
Renato Galvão




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