Fazia tempo que o pescador lançava sua rede no mar. Havia dias que não pescava nenhum peixinho, por menor que fosse. Entristecido olhava o céu, enquanto aguardava o momento de mais uma vez recolher sua rede, na imensidão do encontro do céu e o mar, perdia-se em devaneios. Era um homem comum, simples, tinha uma casinha simples, uma mulher que amava e o amava, ela o tratava como a um rei. Sempre o esperava com um prato quente, comida que sorvia avidamente, depois de um longo dia no mar. Estava tão absorto em seus devaneios que não notou a velocidade do barco, se movia como se carregado por forças invisíveis, sua rede balançava fora d’água, parecia flutuar ao vento.
Viu então que uma criança que
boiava na imensidão azul. Viu que algo a mantinha deitada como em um berço, um
berço de algas, era uma menina, linda da pele clara, aproximou-se e viu que ela
tinha os olhos de um verde vivo como duas esmeraldas cintilando. Não acreditava
em tal visão estaria louco, com a longa espera da pesca. Pegou ao colo a pequenina
e preocupou-se em mantê-la aquecida com uma camisa que estava a seus pés,
estava plenamente encantado. O bebê sorria com aquela boquinha sem dentes,
preocupado olhou em volta para ver se algum barco estava nas redondezas, se
havia alguém desesperado o suficiente para lançar uma criança ao mar.
Voltou às pressas com seu pequeno
barco para a praia, não notou que algo ou alguma força invisível o trazia tão
rapidamente à praia, tal era seu estado de êxtase com a criança em seus braços.
Sua esposa o esperava como sempre, só que desta vez algo a fizera encontrá-lo a
beira do mar, ela também havia sido tomada por uma força que não entendia. Não
se falaram, ela simplesmente pegou a menina nos braços e sorrindo olhou para o
marido e disse:
— Essa é a nossa Serena. O tempo
passou, ninguém procurou a criança, e para que os vizinhos não perguntassem,
disseram que uma prima distante falecera no parto, eles sem filhos adotaram a
menina.
A menina cresceu, doze anos se passaram, durante esses anos o pescador, foi abençoado com fartura em suas redes, outros pescadores vieram, todos tinham peixe suficiente para levar ao mercado e comer. Havia fartura, mas não tiravam do mar mais que o suficiente. Os pais encantados viram sua filha crescer, com beleza, bondade e um amor especial pelo mar.
Uma indústria com muitos barcos
aportou na pequena aldeia e logo transformou a pequena vila em uma cidade,
cheia de gente. Eram barcos grandes, que começaram a explorar a pesca,
destruindo o lar dos pais de Serena.
Em pouco mais de um ano, a pesca
foi definhando, acabou-se. Serena não mais cantava, não saía com o pai para
pescar, não brincava mais com seus golfinhos, foi ficando magrinha, não comia,
prostada ficava na casa o dia todo, seus pais choravam com ela e por ela. O
pescador e a esposa decidiram então levá-la ao mar, seria apenas para animá-la.
Ao entrar no barco, Serena debruçou-se e tocou de leve na água, o barco
acelerou como se um motor tivesse duplicado sua força, ela olhou os pais e
disse:
— Não se preocupem, lançando-se
ao mar. Os pais sabiam que era o momento, Serena se foi.
— Meus pais venham conhecer de onde eu vim. Então os levou mar adentro, foram mergulhando até não se ver mais uma bolhinha de ar. Naquelas paragens, nunca mais ninguém pescou, acabou por desaparecer completamente todos os vestígios de ali um dia ter estado um ser humano, dunas se formaram com a força de ventos invisíveis, que tomaram tudo, não deixando que mais ninguém chegasse à praia de Serena, a menina com vestido de mar.
Ilustrações: Jornal Rio de Flores
Fotos: Canva
Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), nasceu em Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança, apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet.
Nossa que conto maravilhoso.
ResponderExcluirEu adoro a magia que existe no mar.
Parabéns Ivete, um texto leve mas com um peso reflexivo enorme.
Parabéns . Muito sucesso.
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