quarta-feira, 1 de março de 2023


             Alguém já prestou atenção quando na promoção de um livro de suspense ou terror, geralmente predomina o termo: Você vai se arrepiar ou o medo estará presente ou ainda, você não vai dormir. E nos filmes: Só assista se tiver nervos de aço. E no final você assiste ou lê, esperando coisas absurdas, depois sai falando: Não vi nada tão diferente e absurdo ou: Caramba, perdi meu tempo. E se uma coisa estranha acontecesse com você sem aviso, sem definições, enredo contado, como você se portaria, ou se sentiria diante de uma situação inusitada, então leia a seguir e se imagine no lugar dos protagonistas, será que você vai correr ou ficar?  

O conquistador                                          

 Nos anos oitenta trabalhei em um quartel militar, por questões óbvias darei o nome fictício ao protagonista, e seus coadjuvantes, não quero sofrer com ameaças, já que aqui terá casos verdadeiros com uma pitada de ficção. Pois bem, chamamos o protagonista de Ernesto, um rapaz bem apessoado, em seu 1,75 de altura, cabelos negros, usando a farda se considerava um Dom Juan, não perdia tempo em seus arroubos de conquistar uma enfermeira.

               Nessa época, era comum ter nos hospitais que atendiam emergência, um posto policial. Estes policiais recebiam as ocorrências, sejam de acidentes, vítimas de arma branca ou de fogo, para os leigos, arma branca são todas as espécies de objetos cortantes ou perfurantes, e armas de fogo, revólveres e outros que possuem gatilho.

Bem Ernesto trabalhava em um desses postos. Seu plantão abrangia a noite toda, entre 22 horas e 6 da manhã. Geralmente era calmo, mas sempre tinha de apartar, alguma desavença no interior do hospital ou nas proximidades, casos de excesso de bebida alcoólica, brigas de marido e mulher, ou pessoas que esperavam no Pronto socorro e se desentendiam com os funcionários do hospital.

                 Ernesto boa pinta, andava arrastando a asa para Sueli, uma linda enfermeira que trabalhava nos mesmos turnos que ele. Vez ou outra morria um paciente, e era Sueli quem os levava para o necrotério.

             Ernesto não perderia a oportunidade, de se oferecer para levar a maca com o falecido, jogar sua lábia para a doce Sueli. Nos hospitais na maioria, o necrotério é em ala separada, ou na parte inferior do prédio. Neste hospital a ala do Necrotério, ficava na parte lateral do prédio, com uma rampa coberta e fechada. Sendo uma descida, havia pequenas lombadas de metal, que impediam as macas, ou camas hospitalares, de saírem desembestadas, podendo ferir os vivos e derrubar os mortos.

                 Lá foi Ernesto empurrando a maca. Sueli a seu lado, ouvindo suas cantadas e histórias, ele se achando o rei da cocada. Não se sabe se por descuido ou por acidente, a maca empacou em uma das lombadas. Ernesto todo solicito, pediu a Sueli para segurar a maca enquanto, ele tentava destravar as rodas. Empurrado a maca para traz, bateu no pé da enfermeira que se irritou e brigou com o rapaz. Ele simplesmente soltou a maca para acudir a moça. E aí aconteceu. O morto levantou exalando um som gutural como disse o rapaz depois de algum tempo, o morto se sentou e gritou: AAAAAAAHHHHHHHHHHHHHH!

                   Nesse ponto a Sueli não aguentou, caiu na risada, porque Ernesto galanteador, saiu em desabalada carreira, deixando a enfermeira, a maca andando sozinha e o morto que a essa altura, rolou pelo chão. O homem correu do centro da cidade onde era o Hospital, até o quartel, este ficava a quase 3 quilômetros. Chegou ao Quartel sem fôlego, sem quepe, e sem a arma. As sentinelas chamaram o Capitão do serviço de dia, que veio às pressas, pensando que o soldado Ernesto tinha sido, furtado, roubado ou levado uma surra de algum arruaceiro.

                    O moço, não falava coisa com coisa, não se acalmava, nem conseguia explicar nada. O Capitão, pediu para que o acalmassem, o levassem para o dormitório, e chamassem o sargento enfermeiro do quartel dos bombeiros vizinho.

                     Dali com seu motorista, partiu rumo ao Hospital, depois de olhar se havia algum grupo ou pessoas que tivessem visto o soldado correndo pela rua. Não havia nada, nem ninguém, tudo estava tranquilo.

                     Quando chegou ao Hospital, o outro policial já apresentou os pertences de Ernesto e entregou a arma. Esta havia caído, quando o policial se abaixou para tentar soltar a maca. O oficial tentou saber o que havia ocorrido, e o policial caiu na gargalhada, o Capitão o repreendeu, não achando nenhuma graça, e quiz saber o que ocorrera. Nisso a Enfermeira Sueli chegou e explicou:

 — O soldado Ernesto foi me ajudar a levar um paciente para o necrotério, a maca travou, na tentativa de soltá-la o morto se sentou na maca, e soltou um arroto, o PM Ernesto não esperou explicação, saiu correndo branco feito uma vela, ninguém pode alcançá-lo, assim aconteceu.

                 O capitão ficou vermelho imaginando o vexame de um de seus comandados, quiz saber como o morto tinha levantado, talvez ele também se assustasse se estivesse na mesma situação. E a moça explicou:

— Quando a pessoa morre, dependendo do estado ou doença, pode acometer que excesso de gases, após algum acidente como o que ocorreu, os gases saem do corpo, claro por cima ou por baixo, dependendo do local em que ficou acumulado. Este paciente, era cadeirante, tinha as pernas dobradas em x, e para facilitar a autópsia, depois a colocação no caixão, foram cortados os músculos, para esticar o corpo. Com a pancada da maca na lombada, o corpo voltou a posição original, levantou-se, mas não se sentou realmente, encolheu-se. E o AHHHHH foi exalado naturalmente. Para a enfermeira era apenas mais um paciente que se fora, mas para o Ernesto, nunca alguém lhe convenceria que o fato era tão corriqueiro.

                  Ernesto anos depois, casado, não com a Sueli, contava a história do morto que se sentou e falou. Ninguém o dissuadiu do que viu com os olhos que a terra há de comer, e para o bem geral de todas as mulheres, o homem nunca mais cantou alguém no trabalho, por anos afio, não mais colocou os pés no hospital. Fazia qualquer trabalho, menos hospitais e necrotérios.

A noiva

                   Luís era um cara cheio de manias. Se bebia jogava um pouquinho para os santos, ao comer oferecia para algum elementar, coisas de duendes, fadas ou aparições. Se dizia um cabra valente, mas não gostava de brigar.  Mas se alguém o desafiasse não iria tremer de medo, ele não deixaria barato.

                   Em uma noite de sexta-feira, perto da meia noite, depois de entornar quase uma garrafa de cachaça, saiu do bar em direção a sua casa duas quadras abaixo. Acontece que do outro lado da rua, tinha um pequeno cemitério já desativado, e ainda uma capela, que o pároco local, fazia de tudo para manter limpa, colocava velas para segundo ele, iluminar o Campo Santo.

                     Luís passava todos os dias no mesmo local, não tinha medo e de vez em quando atravessava a rua e dava uma espiadinha no cemitério. Sua intenção era assustar algum andarilho, que procurasse se refugiar na pequena Capela. Os portões enferrujados a muito tempo ficavam abertos. Afinal quem iria roubar em um cemitério abandonado?

                      Ao atravessar a rua viu uma linda mulher. Estava toda vestida de branco, os cabelos longos, o corpo esguio. O bêbado, achando que a moça estava perdida, a alcançou e perguntou:

— Moça, o que você está fazendo aqui? Está tudo escuro, por acaso a senhorita está perdida? A moça, se virou devagarinho, e disse: Não. Ele insistiu:

— A senhorita não quer que eu a acompanhe? E novamente ela disse: Não, foi entrando no cemitério e antes de alcançar a capelinha, sumiu no ar.

                 O homem tremeu nas bases, levou um susto tão grande, que se borrou todo, mas teve pernas para correr, como se o vento o carregasse. Uma coisa boa aconteceu, Luís um ateu cínico e um homem vulgar, depois de encontrar a noiva como ele a descrevia, nunca mais bebeu uma gota de álcool, deixou de ser um ateu, agora pede a todos que conhece, para ter respeito com os pobres, os andarilhos, e nunca falem com uma noiva na porta do cemitério.

Não vi nada

                 Um casal caminhava noite adentro, o último ônibus saíra do terminal, os dois depois de uma noite de bebedeira, estavam voltando para casa a pé. A mulher estava indignada, se sentia frustrada por não ter um carro, pela vida de pobre assalariado do marido, de tantas outras coisas, que o ser humano reclama. Ele calado ouvia e de vez em quando, falava:

__ Calma mulher, tudo um dia tudo se ajeita. Ela furiosa, continuava reclamando. Dizendo:

__ Se aparecesse alguém com um carro, nem que fosse velho, ela ia embora, não importava se fosse velho ou moço.

                 De repente, um carro preto apareceu. Um homem todo vestido de preto, com chapéu e sobretudo, desceu lentamente do carro e chamou a mulher. Ela toda fogosa admirando o carrão, nem disse tchau marido, foi entrando no carrão.

                 O marido não viu carro, não viu o cavalheiro de preto, não viu nada. Só sentiu um grande alívio, porque a mulher, parou de falar. E foi assoviando para casa. Pensando naquele sujeito fedendo a enxofre, todo de preto, feio como o cão dos infernos. Será que aguentaria os desaforos da mulher?

Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), nasceu em Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança, apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet.

 

Edição e Direção: Renato Galvão


 


 

    

 

 

                                                  

2 comentários:

  1. Gostei do conto do Ernesto, eu sou medroso com essas coisas e com toda certeza também sairia correndo 😄😄

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