quinta-feira, 5 de janeiro de 2023

De Literatura e outras Artes Colunista: 

Prof. Dra. Elaine dos Santos 

Minha terra tem palmeiras...

Gonçalves dias - 1823/1864
Em 10 de agosto de 1823, em Guimarães, no Maranhão, nasceu Antônio Gonçalves Dias, que faleceu em 03 de novembro de 1864. O ano de 2023 marca, portanto, o bicentenário de nascimento daquele que é considerado o principal poeta indianista brasileiro.

Era filho de uma união não oficializada entre um homem branco, um comerciante, e uma mestiça – tinha, portanto, ancestrais indígena e afro. Assim sendo, a temática indianista, que permeou a sua produção literária, não lhe era estranha do ponto de vista da vivência, do conhecimento, escapando, pois, à tradição do período romântico que forjou um índio brasileiro com características de cavaleiro medieval europeu – cujo caso paradigmático é Peri, de “O guarani”, de José de Alencar.

Em razão das condições abastadas do pai, estudou com um professor particular, José Joaquim de Abreu, e, mais tarde, foi matriculado em escola também particular, onde iniciou os seus estudos de Latim, Francês e Filosofia. Ainda jovem, estudou em Cuba e em Portugal, tornando-se bacharel na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Em terras portuguesas, conviveu com grandes nomes do Romantismo daquele país como Almeida Garret, Alexandre Herculano e Antônio Feliciano de Castilho. Consta que sua produção literária, especialmente o teatro, teria sofrido forte influência do poeta alemão Friedrich Schiller.

 

No Brasil, lecionou no Colégio Pedro II, atuou como jornalista em diversos periódicos cariocas e, ao lado de Manuel Araújo Porto Alegre e Joaquim Manoel de Macedo, fundou a Revista Guanabara, um dos órgãos de divulgação do ideário do Romantismo em nosso país.

Em 1862, regressou à Europa para tratamento de saúde, porém, não obteve sucesso e, em 1864, na viagem de volta, o navio em que estava naufragou – todos sobreviveram, exceto o poeta, que, acamado, foi esquecido pelos demais, agonizante em seu leito, morreu afogado.

 

O poema mais conhecido de Gonçalves Dias, cujos versos provavelmente sejam recitados por dez entre dez brasileiros, é “Canção do exílio”.

 

"Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá;
As aves, que aqui gorjeiam,
Não gorjeiam como lá.

Nosso céu tem mais estrelas,
Nossas várzeas têm mais flores,
Nossos bosques têm mais vida,
Nossa vida mais amores.

Em cismar, sozinho, à noite,
Mais prazer encontro eu lá;

Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Minha terra tem primores,
Que tais não encontro eu cá;
Em cismar — sozinho, à noite —
Mais prazer encontro eu lá;
Minha terra tem palmeiras,
Onde canta o Sabiá.

Não permita Deus que eu morra,
Sem que eu volte para lá;
Sem que desfrute os primores
Que não encontro por cá;
Sem qu'inda aviste as palmeiras,
Onde canta o Sabiá."

 

Trata-se do caso clássico do nacionalismo ufanista, representado pela exaltação da natureza pátria – não nos esqueçamos, porém, que o poema foi composto enquanto Gonçalves Dias estava em Coimbra e ele manifesta a sua saudade do Brasil. Distantes de casa, daqueles que amamos, quase sempre tendemos à idealização – tão ao gosto da poesia do Romantismo.

No entanto (eu sou, por definição, do contra), prefiro a linhagem indianista da poesia de Gonçalves Dias e, em particular, o poema “I-Juca Pirama”. Antes, porém...

Diferente dos portugueses que demonizavam a prática do canibalismo entre os indígenas, o religioso francês Jean de Lery, que esteve no Rio de Janeiro por volta de 1555, conseguiu afastar-se de suas pré-concepções e analisar a vida entre os habitantes nativos. Em “Viagem à terra do Brasil” (1578), ele entende a antropofagia praticada por algumas tribos do chamado Novo Mundo como um ritual de coragem. Os indígenas alimentavam-se dos guerreiros valentes, corajosos, que morriam nos campos de batalha, num gesto simbólico de “ingestão” da bravura, da fibra, da hombridade deles, o que fortalecia aqueles que ingeriam as suas carnes.

 

Em “I-Juca Pirama”, o jovem filho vagava pela floresta cuidando do pai cego – últimos guerreiros de sua tribo. Contudo, enquanto buscava víveres para ambos, o rapaz foi aprisionado por uma tribo inimiga e “preparado para morrer”. Diante do fatal veredito, ele chorou na frente dos seus algozes, implorou que o libertassem, porque, sem ele, o seu pai morreria. Em face do choro e da súplica do jovem guerreiro, ele foi considerado indigno de ser morto e libertado.

Ao retornar à companhia do pai, o velho índio sentiu o cheiro das tintas do ritual a que o filho havia sido submetido e indagou-lhe o motivo de ter sobrevivido. O filho contou que implorara pela vida de ambos e o pai tomou a decisão de regressarem até os inimigos. Afirmou, então, que levou o filho para que morresse como um guerreiro e o jovem indígena atirou-se numa luta de morte contra a tribo que lhe atacou – e matou!

Fascina-me pensar na cultura dos nativos, de um mundo que foi suplantado pelo homem branco, europeu, que, ao final, dominou a cultura vigente no Brasil. Considero que é fundamental recuperarmos as nossas raízes, a nossa filiação indígena, negra, a nossa mestiçagem para que possamos nos identificar como essa pátria tão diversa e tão rica e não como um país de terceiro mundo que se dá ares de país europeu.

Creio que reler os nossos clássicos, revisitar os pré-conceitos estabelecidos a respeito da nossa cultura, da nossa Literatura, despindo-nos da visão eurocêntrica do mundo pode ser um bom começo. Foi preciso coragem, respeito às tradições para que o velho indígena entregasse o seu único filho à morte – e isso é instigante demais, porque considerar o culto às tradições ancestrais é o cerne de uma das mais brilhantes peças da cultura grega: “Antígona”, em que a filha de Jocasta e Édipo, luta contra a tirania do tio, Creonte (mas isso, claro, é outra história).

Celebremos Gonçalves Dias!

Gonçalves Dias, Antônio (1823-1864) foi um poeta, professor, jornalista e teatrólogo brasileiro. É lembrado como o grande poeta indianista da Primeira Geração Romântica. Deu romantismo ao tema índio e uma feição nacional à sua literatura. É considerado um dos melhores poetas líricos da literatura brasileira. É Patrono da cadeira nº 15 da Academia Brasileira de Letras.

 

Obras de Gonçalves Dias:

Beatriz Cenci, teatro, 1843. Canção do Exílio, 1843. Patkull, teatro, 1843. Meditação, 1845. O Canto do Piaga, 1846. Primeiros Cantos, 1847. Leonor de Mendonça, 1847. Segundos Cantos, 1848. Sextilhas do Frei Antão, 1848. Últimos Cantos, 1851. I - Juca Pirama, 1851. Cantos, 1857. Os Timbiras,1857 (inacabado). Dicionário da Língua Tupi, 1858. Liria Varia, 1869, obra póstuma). Canção do Tamoio. Leito de Folhas Verdes. Marabá. Se se Morrer de Amor. Ainda Uma Vez. Seus Olhos. Canto de Morte. Meu Anjo, Escuta. Olhos Verdes. O Canto do Guerreiro. O Canto do Índio. Se Te Amo, Não Sei.

Saiba mais em:https://www.ebiografia.com/goncalves_dias/

Fonte e Texto: Elaine dos Santos

Ilustrações e pesquisas: Jornal Rio de Flores

 

Elaine dos Santos. Professora. Doutora em Letras/UFSM. Revisora de textos acadêmicos. Natural de Restinga Seca/RS, cognominada Terra de Iberê Camargo. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos, ambos falecidos. Mestre e doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em língua espanhola pela Universidad de La Republica, Montevidéu (Uruguai). Estudiosa de literatura gaúcha, circo, teatro e melodrama. Atuou como professora de Literatura no ensino médio e no ensino superior. É revisora de textos acadêmicos. Cronista, com publicações em jornais e em diversas antologias. Participa das Academias: ALPAS 21, ALAAG, AILB, AISLA e Academia Internacional da União Cultural de Taubaté.

 Contatos:

Facebook: https://www.facebook.com/elaine.dossantos.9/

Instagram: @profe.elainerevisoradetextos

E-mail: e.kilian@gmail.com

Currículo Lattes:  http://lattes.cnpq.br/9417981169683930

 




Edição e Direção Geral: Renato Galvão



 


 

3 comentários:

  1. Eu lembro que na escola tivemos que decorar essa poesia, tempos muito bons, eu era péssimo para decorar kkk adorei a sua matéria professora Elaine.
    Parabéns

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    1. Oi, meu querido! "Canção do exílio" é um clássico, quem passou pela escola teve essa tarefa ou andou próximo dela, até porque alguns versos estão no Hino Nacional, então era um prato cheio para exaltar a pátria. Obrigada pelo carinho de sempre.

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  2. Gosto muito desse poema de Gonçalves Dias, "Minha Terra tem palmeiras...". Aprecio também a forma como a prof Elaine escreve seus textos: são didáticos e ao mesmo tempo de fácil compreensão.

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