terça-feira, 22 de novembro de 2022


De Literatura e outras Artes Colunista: 

Prof. Dra. Elaine dos Santos

Um pouco de gosto, prazer e juízo estético.

Lá em 1900 e me esqueço, quando eu cursei Letras, nós éramos preparados para sermos professores de ensino fundamental e médio, mas também recebíamos formação para sermos assessores culturais, críticos literários, tradutores etc.

Erich Auerbach - 1892/1957
Erich Auerbach, em seu livro “Mimesis”, ensina que um professor de Literatura, por exemplo, pode ler a Bíblia de duas maneiras: com fé, como o fazem os cristãos, mas pode lê-la como um professor de Literatura, portanto, um crítico literário, a exemplo daquele que lê as grandes epopeias greco-romanas. Entram em cena dois aspectos fundamentais para o profissional das Letras: o prazer estético, que é comum a todo leitor, gostamos ou não gostamos de algo escrito, e o juízo estético, a nossa capacidade de, baseados em nossos conhecimentos, lermos, entendermos, interpretarmos um texto escrito.

Como professora universitária, eu fui orientadora de uma monografia escrita por um pastor luterano que estudou o Evangelho de São Lucas, esmiuçando todas as temáticas populares: canções de roda, trocadilhos, ditos populares etc. que se acham naquele Evangelho em particular. Em sua pesquisa, o pastor buscava mostrar que os conhecimentos – São Lucas era o equivalente ao que conhecemos como médico – do evangelista permitiram-lhe montar uma narrativa mais próxima daqueles que leriam / ouviriam os seus textos.

Mario Quintana - 1906/1994
Chego, aqui, ao mote/ao motivo do meu texto. Indagada por uma amiga, escritora e professora, sobre textos de Mario Quintana – poeta – para trabalhar com crianças, eu respondi: “Não sei”. Mario Quintana é o maior poeta do Rio Grande do Sul, minha terra natal, eu fui professora de Literatura durante 20 anos. Sim, e daí? O meu prazer estético não passa pela poesia, não passa pelo trabalho com crianças, eu gosto de textos romanescos (inclua-se contos e crônicas) que me permitam – junto com adolescentes ou adultos – refletir sobre o contexto de produção das obras, o contexto de recepção das obras e em que medida essas obras “nos tocam” como pessoas.

 

A minha capacidade como crítica literária foi “refinada” para a abordagem de textos em prosa e – sabe o que é legal? Aristóteles, o filósofo grego, autor da “Poética”, obra basilar para a análise de obras literárias no ocidente, não concede status de Literatura à poesia lírica. Por quê? Porque o lirismo é a expressão de um eu, portanto, é subjetividade. São palavras dispostas no papel, manifestações das emoções, dos sentimentos, das percepções de alguém que quer se expressar. Sim, e daí? Como explicar Gregório de Mattos Guerra, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Mello Neto. Citei três exemplos bem pontuais que me agradam: são homens falando do seu tempo, dos sentimentos do seu tempo, das condições sociais e econômicas de seu tempo.

Ah, tá? E Vinícius de Moraes? A sua poesia é marcadamente uma poesia apaixonada e o amor é um tema universal. Em todos os tempos, em todas as latitudes e em todas as longitudes, o homem (e a mulher) sempre amou. Por que ele faz parte do cânone e outros não? O cânone seleciona aqueles que lhe agrada, segundo o juízo (mas também o gosto) estético de um grupo dominante, alguns autores são escolhidos e outros jamais “furam a bolha”.

Tomo, aqui, como exemplo, duas figuras emblemáticas: Machado de Assis, o mestiço do Morro do Livramento, fez boas amizades e casou-se com uma mulher branca de uma família “respeitável”. Jorge Amado, tido como “comunista” durante a ditadura, foi meio que banido das universidades. Morreu e foi reintroduzido no cânone, com as bênçãos das universidades.

Não, não desista!

Hans Robert Jauss - 1921/1997

Hans Robert Jauss, em 1967, fez uma palestra na Alemanha, que, depois, tornou-se livro e forjou uma teoria chamada “Estética da recepção”. Basicamente, o que Jauss afirma é: nem sempre atingiremos um grande público, seremos lidos e compreendidos por um público que nos reconheça na rua, nem sempre seremos pauta em programas televisivos que abordem cultura “dazelite”. É preciso identificar o “horizonte de expectativas” do nosso leitor, isto é, o que o leitor que nós queremos atingir, sensibilizar, tocar, “afetar”, entende, deseja ler, quer saber, quer sentir. Com quem eu quero dialogar é uma pergunta pertinente.

 

Ah, claro uma boa “network”, relação de amizades profissionais, ajuda.

Em resumo: o que tentei expressar aqui é que alguns conhecimentos de Literatura, stricto sensu, ajudam a evitar frustrações: “Por que ninguém comprou o meu livro?”, “O que faltou nos meus textos, por que ninguém comenta?”. Não se frustre, faça questionamentos positivos e esteja sempre pronto a aprender.

Quando o meu pai morreu, eu fechei os olhos dele e, depois, comentei com o médico que não havia vivido tal situação antes. O médico, que me conhecia desde menina, sempre muito franco, me respondeu que nem o meu pai havia morrido antes. A ideia básica daquele diálogo foi: mesmo na morte, há aprendizados. No nosso caso, apurar o juízo estético, superar o “por que ninguém gosta?”, o mero prazer estético, é um aprendizado. Eu detesto romances românticos, por exemplo, não esperem que eu escreva uma linha que conduza ao clássico “cerraram-se as cortinas do sagrado amor conjugal” ou algo parecido como José de Alencar encerra o romance “Senhora”, aquela terrível dose de glicose em alta concentração posta na veia.

Elaine dos Santos nasceu em um pequeno município na região central do Rio Grande do Sul, Restinga Seca, cognominada "Terra de Iberê Camargo". De família humilde, é filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos, ambos falecidos. Cursou o ensino fundamental e o ensino médio em escolas públicas e, na sequência, dedicou-se ao trabalho, regressando aos estudos somente aos 28 anos de idade, quando atuava, como concursada pelo estado do Rio Grande do Sul, na função de secretária de escola.

É licenciada em Letras pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), em 1997. Durante a graduação, atuou como bolsista PIBIC – Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Científica, realizando pesquisas sobre a literatura produzida no Rio Grande do Sul. É Mestre em Estudos Literários pela mesma universidade em 2001, com a dissertação "Da opulência à decadência: memória, mito e História em 'Camilo Mortágua’, que enfoca a figura mítica do gaúcho, inserindo-o no contexto histórico-literário do Rio Grande do Sul.


 Texto: Prof. Dra. Elaine dos Santos 

 Pesquisas e Ilustrações: Jornal Rio de Flores

Erich Auerbach, saiba mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Erich_Auerbach

Hans Robert Jauss, saiba mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Hans_Robert_Jauss

Mario Quintana, saiba mais em: https://pt.wikipedia.org/wiki/M%C3%A1rio_Quintana 


 

Edição e Direção Geral: Renato Galvão

 

2 comentários:

  1. Que Belo texto.
    Quando aparece escrita da Elaine vem sempre uma chuva de conhecimentos.
    Amei❤

    ResponderExcluir
  2. Oh, meu querido! Obrigada por suas palavras carinhosas. De um modo geral, as pessoas avaliam os textos pelo seu gosto estético - gostei / não gostei -, já o professor de Literatura ou crítico literário deve desenvolver o seu juízo estético, ter elementos suficientes para dizer porque é "bom", porque "não é bom". Mas, como em todas as relações humanas, o poder dita regras, normas; o jogo de intere$$es dita regras, normas; a todos nós, que escrevermos, é preciso ter noção que enfrentamos os pré-conceitos de quem não conhece Literatura, mas julga; que temos jogos de intere$$es para enfrentar e isso inclui questões políticas, ideológicas, econômicas - as nossas relações pessoais e profissionais determinam onde seremos aceitos ou não. Enfim...cá está a professora de Literatura se espraiando. A ideia era apenas agradecer. Muito obrigada por sua leitura.

    ResponderExcluir