quinta-feira, 6 de novembro de 2025

 


Em seu livro Como se escreve a História, Paul Veyne ensina que o historiador não dispõe de todos os elementos para contar a História tal qual ela aconteceu. Por isso, ele se baseia em documentos, indícios, depoimentos ou até mesmo em achados arqueológicos.

O exemplo usado por Paul Veyne é a Batalha de Waterloo , em que o conhecido e tantas vezes vitorioso Napoleão Bonaparte  é derrotado. Que fatos são contados para a posteridade? Os eventos vistos sob a ótica dos vencedores? Os acontecimentos como eles foram vistos por Napoleão? Decerto, jamais teremos a oportunidade de conhecer o ponto de vista dos soldados que acompanhavam Napoleão.

Em termos literários, valho-me, costumeiramente, do romance Os varões assinalados, de Tabajara Ruas que aborda a Guerra dos Farrapos, levante ocorrido no Rio Grande do Sul, que pretendia a independência em relação ao restante do Brasil, como acontecera com o Uruguai.

Há uma passagem da narrativa, em que os combatentes dirigem-se até as imediações do porto de Rio Grande, única saída marítima da então província. Pretendiam avançar sobre a vila de São João do Norte  e forçar uma saída para o mar. Contudo, eles são surpreendidos, atacados pelas tropas fiéis ao Império e necessitam fugir. Os líderes, montados em cavalos, saem mais rapidamente e retornam ao acampamento de origem com brevidade. Consta que os soldados, famintos, sujos foram chegando durante dois ou três meses.

Paul Veyne procura explicar que o historiador, assim como o romancista, tece histórias que contemplam aspectos que a História ocultou, que os homens/as mulheres do passado não permitiram acesso. Assim, a História constitui uma narrativa de fatos, mais ou menos, verdadeiros, mas mutáveis, se surgirem novos elementos que permitam reler, rever.

JacquesLe Goff, em seu clássico livro História e Memória, afirma que memória e esquecimento estão muito próximos e o desejo dos detentores do poder – político, econômico, midiático – é assenhorar-se da memória, inclusive, histórica para manter a população, digamos, em uma bolha, apartada de questionamentos, de reflexões sobre passado e presente.

Costumeiramente, as pessoas têm-nos dito: “Não suporto mais tanta informação”; “Já nem vejo mais televisão”. Parece haver uma exaustão – meio coletiva – a respeito do excesso de notícias, notícias falsas, debates vazios. Por outro lado, o conhecimento científico ou a ciência propriamente dita tem sido posta em cheque, em dúvida.

Confesso que, neste sentido, sinto grande dificuldade para o entendimento dos pressupostos que regem as pessoas, sou pragmática demais – já disseram-me que sou cartesiana demais. Ainda assim, noto uma contradição: nega-se o uso da vacina, mas se usa um medicamento para tratar diabetes como auxílio para o emagrecimento. Quais os efeitos futuros?

 Ah, esqueci! A ciência não tem validade para a maioria das pessoas.

Na prática, a minha reflexão vai no sentido de: “para onde caminhamos?”, se não mais assentamos o nosso pensamento em reflexões que foram sendo tecidas ao longo das últimas décadas.

Há uma discussão recorrente no âmbito da Literatura, que acabo trazendo para a vida não ficcional, para o mundo “real” (ainda que eu não saiba o que isso significa): repete-se, com frequência, que o texto narrativo, o romance, não tem novos caminhos a seguir.

A nossa exaustão retirou-nos a “confiança” na ciência, o pragmatismo político e leva-nos a perder a capacidade imaginativa? É a inteligência artificial (em suas mais variadas concepções) dominando a criatividade e a liberdade de pensamento? Para onde, pois, caminha o humano que há em nós?

Texto e Banner: Elaine dos Santos

Edição e Ilustração: Jornal e Livraria Rio de Flores

Elaine dos Santos: Professora doutora em Letras, área de concentração em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em Língua Espanhola pela Universidad de la Republica, Montevidéu/Uruguai. Autora dos livros “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe”, adaptação da sua tese de doutorado, e “Coisas minhas & outras histórias”, coletânea de crônicas. Experiência de 20 anos como revisora de textos acadêmicos (teses, dissertações, artigos, projetos). Possui cerca de 40 artigos acadêmicos publicados em revistas nacionais com classificação Qualis pela CAPES. Membro de diversas academias literárias. Participação em cerca de 140 antologias. Cronista. Antologista. Prefaciadora de antologias e obras individuais. Palestrante sobre temas como Literatura gaúcha, Teatro mambembe, Teoria Literária. Atualmente, tem se dedicado à pesquisa sobre a História do seu município, Restinga Seca/RS.
Direção Geral
Renato Galvão



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