Durante
a pandemia de Covid-19, debati-me muito com um sofrimento que - exatamente -
não me pertencia, mas que me parecia ser humanidade: a solidariedade e a
compaixão com aqueles que enfrentavam a doença em seus próprios corpos ou entre
os seus familiares.
Assim
que a pandemia foi confirmada, a minha médica decretou: “Some!” Isolei-me e
saía apenas quando necessário. Fazia compras de alimentos, material de limpeza
etc. nos supermercados das cidades vizinhas para não encontrar conhecidos,
aproximarmo-nos e conversarmos. Preferia o silêncio!
Ouvia,
muitas vezes, palavras como empatia; mas, na prática, acompanhei as mortes de
ex-colegas de escola, pais de amigos e uma tia – idosa, mas com a saúde
estável, ela fraturou o fêmur e foi contaminada no hospital.
Como
professora aposentada desde 2014, procurei colaborar com professores em
atividade, oferecendo-lhes material, inclusive, preparando material para
agilizar as suas aulas síncronas e assíncronas. Quantos desafios foram
vivenciados por aqueles a quem cabe ensinar.
Parece
incrível: eu estava em casa, eu trabalho com revisão de textos acadêmicos:
artigos, projetos, dissertações, teses e ainda colaborava com colegas mais
novos, mesmo estando aposentada. Fui chamada de va-ga-bun-da! Disseram-me que usufruía
os tempos de pandemia para folgar, tirar férias. Eu só repetia: estou
aposentada e ria.
O
tempo passou – o tempo sempre passa!
Assim,
com certa distância temporal, já é possível refletir sobre todos os
acontecimentos e o faço à luz da linguagem. Começo por “ethos”.
A
palavra tem a sua origem no grego antigo e Aristóteles definiu-a como “exercício das excelências humanas ou virtudes morais”, conforme
se lê em artigo de Eduardo Gontijo (2006).
O mesmo estudioso chama a atenção que o “ethos” está associado à morada, aos
costumes, ao estilo de vida.
Essa
definição remeteu-me, de imediato, a Margaret Mead,
para quem a humanidade somente passou a existir como tal, quando alguém “no
bando” feriu-se (ela refere um fêmur quebrado) e outro indivíduo abandonou o
“bando” para cuidar do ferido. Costumes, estilo de vida, nessa concepção,
pressupõe solidariedade humana.
Eduardo
Gontijo (2006) ainda explica que os romanos usaram o termo “mos”, que deu
origem à moral: do ponto de vista coletivo, os costumes; do ponto de vista
individual, o caráter do indivíduo.
Como
estudioso do tema, Eduardo Gontijo (2006) assume ética e moral como sinônimos,
mas adverte que a tradição filosófica admite diferentes nuances. Não se
confunda, porém, ética ou moral, com a questão religiosa.
O
autor, aqui tomado como referência afirma: “Quando filósofos utilizam distintas
nuances de significação, geralmente o fazem para denotar diferentes aspectos da
vida moral ou da reflexão moral, isto é, ‘diferentes dimensões de um mesmo
fenômeno’. É evidente que uma parte considerável da vida em comum exprime-se
mais adequadamente através das ideias de obrigação e do dever, enquanto outra
se expressa por aspirações. Devo, por exemplo, respeitar os direitos do outro,
devo honrar os contratos, devo ser justo etc. Por outro lado, a generosidade
não se pode obrigar: ela expressa um dom gratuito.” (Gontijo, 2006, s/p)
Eu
pondero, na esteira de Margaret Mead, sobre esse dom gratuito que parece
adormecido em nossa sociedade: a solidariedade, a compaixão pelo outro.
Perdemos, em algum momento, a capacidade não só de honrar contratos, normas (agora
a pouco, um motorista cortou a preferencial de outro e riu-se!), mas de
enxergar as necessidades mínimas entre os indivíduos que nos cercam.
Fulano
está doente! Posso visitá-lo? Posso enviar-lhe um mimo (“un regalo”, como dizem
os nossos amigos castelhanos)? Se os aplicativos de mensagens são tão usados
para tantos pedidos, para tantas conversas (nada) urgentes, por que não enviar
uma mensagem e colocar-se à disposição de quem precisa?
Estamos,
ao final, tratando de ética e moral; no plano coletivo, costumes, estilo de
vida, que podem ser modificados; no plano individual, de caráter, que pode ser
“cultivado”, incluindo-se bons costumes. O mundo não é, definitivamente, o
nosso umbigo como o ideário neoliberal parece querer que creiamos.
Elaine dos Santos. Professora Doutora em Estudos Literários pelo Programa de Pós-graduação pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desde 2013. Autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe” (2019), adaptação de sua tese de doutorado. Pesquisadora cadastrada no CNPq desde 1993. Professora universitária aposentada com experiência nas áreas de Língua Espanhola, Língua Portuguesa e Literatura. Banca de elaboração de questões de espanhol para o vestibular da UFSM entre 1998 e 2008. Autora de 39 artigos científicos publicados em Revistas nacionais com classificação Qualis.
![]() |
| Direção Geral Renato Galvão |


Nenhum comentário:
Postar um comentário