domingo, 27 de abril de 2025

 

             Numa manhã, dessas que se perdem no tempo, mas que a memória preserva, a minha mãe entregou a minha mão para aquela, que se dizia, que me ensinaria a ler, escrever, interpretar, a minha primeira professora.

            Em nossa primeira aula, depois das apresentações para “quebrar o gelo”, ela contou-nos a história de um coelho que buscou uma cenoura para alimentar-se. Para isso, porém, o coelho percorreu um caminho sinuoso, enfrentou dificuldades.

A nossa tarefa, depois da contação de história, era representar o caminho que o coelho realizara até alcançar a sua cenoura. Ainda tenho aquele caderno e o desenho – tão infantil!

            A minha primeira professora, dona Nely, encaminhou-nos, com carinho, presteza, atenção, cuidado, pelo mundo da leitura e da escrita. Produzíamos composições, o que, na atualidade, se denomina redação.

            Confesso-lhes que era uma experiência maravilhosa. Ouvíamos histórias contadas pela professora, geralmente, clássicos da Literatura Universal, e reescrevíamos. Depois, ela dava-nos algum assunto – o que, hoje, se chama tema ou pauta.

            Nesse meio tempo, um circo-teatro, daqueles de zinco, com cadeiras e arquibancadas, esteve em nossa cidade, em um tempo em que poucas famílias possuíam aparelhos de televisão. O meu pai, um apaixonado por circos, parques e afins, teve dificuldade para garantir a frequência diária.

            Eu creio que, naqueles tão distantes, surgiu a minha paixão por Literatura, mas eu somente cursaria a Faculdade de Letras a partir dos 28 anos. A dura rotina da vida de uma brasileira exigia trabalho, 8 horas por dia, 44 horas por semana.

            Desenvolvi um incrível encantamento pela leitura ainda na adolescência. Numa cidade interiorana, cujos principais atrativos eram a praça central ou a sorveteria/lancheria, eu “usava” os domingos para ler, sob os protestos do meu pai e da minha mãe, afinal, uma jovem de 15/16 anos deve, obrigatoriamente, sair, passear, conforme determinam as normas sociais.

            Nunca me preocupei, de fato, com as “normais sociais”, mas procurava agradar os meus pais, ludibriando-nos com muita frequência e voltando cedo para casa.

UmbertoEco afirmou que: “Quem não lê, aos 70 anos terá vivido só uma vida. Quem lê terá vivido 5 mil anos. A leitura é uma imortalidade de trás para frente”.

Como professora de Literatura no ensino médio e na graduação em Letras, era uma leitora voraz, afinal, precisava “decifrar” e encantar os meus alunos. Eu re-apresentava as histórias, eu re-contava as histórias, descobri-me com o dom de contadora. Ainda há alunos que mencionam como “era bom lhe ouvir contando histórias!”

Evidentemente, quem conta também escreve. Completamente analógica, até a metade do mestrado, ou seja, o ano de 2000, eu necessitava escrever “à mão”, riscar e rabiscar, escrever e apagar. Descobri a agilidade do computador. Por muito tempo, conservei-o no meu quarto, sonhava, acordava e escrevi. Disciplinei-me.

As ideias vão sendo formuladas. Lembranças, sobretudo. Algum episódio de uma epopeia, de um romance pode ser o motivo desencadeador e a narrativa flui, tipo rio em tempo de enxurrada: transitam Aquiles, Ulisses, Brás Cubas, Policarpo Quaresma, Macunaíma, Riobaldo , Capitão Rodrigo Cambará, o meu pai, o meu avô, o meu vizinho já falecido.

Escrever é dizer o mundo! É uma leitura possível do mundo com aqueles elementos que possuímos sobre o mundo. Einstein ensinou-nos que “Tudo aquilo que um homem ignora, não existe para ele. Por isso, o universo de cada um se resume ao tamanho do seu saber”.

Ler é um exercício de conhecer, conhecer é um aprendizado que enriquece a escrita. Ler é ampliar a nossa compreensão do mundo, facilitando a interpretação dos fatos que se nos apresentam. Ler, escrever, compreender o mundo em que nos inserimos, por fim, é libertador. Exige apenas coragem!

Pesquisas e texto: Elaine dos Santos

Edição e Ilustração: Jornal e Livraria Rio de Flores

Elaine dos Santos. Professora doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), desde 2013. Pesquisadora CNPq, com publicações preferenciais sobre Literatura, Teatro, Cultura popular. Professora universitária aposentada. Revisora de textos (artigos, projetos, dissertações, teses). Cronista. Organizadora de antologias. É autora do livro “Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe” (2019), adaptação da sua tese de doutorado. Membro de diversas academias literárias. Laureada com medalhas e certificados de reconhecimento literário por diversas instituições. Dedica-se, atualmente, ao resgate/à atualização da História oficial de seu município, Restinga Seca, localizado no interior do Rio Grande do Sul.

Direção Geral
Renato Galvão



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