segunda-feira, 3 de março de 2025

Ainda era uma criança de colo, quando seus pais o levaram para o meio daquela confusão de gente. Sem nem saber o que era aquela turbamulta dançando, pulando e cantando na rua, o bebê, no início, ameaçou com choro, mas pouco tempo depois, com a muvuca do povo, o pequeno já dava até gargalhadas, enquanto rodopiava pendurado ao colo da mãe. Os bracinhos logo aprenderam a pedir, de forma bem simpática, mais colinho de quem se aproximava na brincadeira. Foram vários dias daquela semana, quando a farra tomava conta da rua; e nela, aquela criança feliz, vestida de palhacinho, começou a sentir prazer com o carnaval do bairro.      

Cresceu em meio aos folguedos da festa de Momo, com velhas tradições de entrudo e brincadeiras sem a intenção de ofender ou fazer maldades. As famílias se reuniam nas calçadas, bem na frente de cada casa, onde devidamente apetrechadas com água perfumada, confetes, farinha e serpentinas, aguardavam a passagem de grupos animados, compostos por figurantes mascarados, fantasiados de maneira a esconder a verdadeira identidade. Algumas pessoas mais adultas, seguiam uma bandinha de pífaro e tambores, a tocar frevos e machinhas populares, acompanhados por bonecos gigantes que, sem cuidados, dançavam rodopiando. Assim era o Carnaval nas pequenas cidades do sertão.

"Carnaval no Sertão", por Rocha Maia, 2002

O ritmo do frevo, com toda razão era o preferido do povo nas ruas, especialmente nas ladeiras de Olinda, lugar onde foi morar, já rapaz, quando passou para o curso de Direito na Federal.  Como sempre fazia, já vésperas de Carnaval, ele procurava a máscara da folia; com ela garantida, passava todo o restante dos dias de festas, misturado no reboliço da farra e da dança. Comia e bebia, quando parava, onde possível! Jovem ainda, não lhe faltavam energia e alegria! Já no sábado, pela manhã, vestia rápido a fantasia de palhaço e cobria bem a cabeça com aquela abominável máscara colorida. Ali estava pronto mais um Clovis! Corria até o lugar de sempre, na mesma rua onde os blocos combinavam o encontro para a saída.

Os anos passaram rápido. O mundo continuava suas inevitáveis mudanças, inclusive o carnaval estava muito diferente! Como quase tudo, ultimamente a festa de Momo também está piorando! Aquele carnavalesco, outrora tão autêntico e alegre, já não se sentia bastante à-vontade para brincar! Daquela ingênua festa popular, com a presença das famílias nas ruas, praças e salões de bailes, o que se via agora era violenta e gratuita demonstração de baixarias e empurra-empurra. No ar, está presente flagrante cheiro de maconha; e não só vestígios de violência, mas sim os efeitos nítidos do terrorismo e selvageria etílica, banalizando com a morte, a profanação da fé, ridicularizando as tradições e escancarando muita promiscuidade.

Antes, os blocos passavam cantando, dançando e provocando as pessoas que ficavam nos logradouros públicos; passavam sem invadir a intimidade nem depredar patrimônio. Apenas ingenuidade na implicância e troça, convidando a todos a entrar na dança. As crianças eram fantasiadas com melhores adereços e incentivadas a jogar água perfumada, talco ou confete nos palhaços, que revidavam com respeito e muito cuidado as possíveis ousadias infantis. Muitas sombrinhas coloridas e cheias de fitas, algo indispensável para se dançar o frevo! Um ou outro fanfarrão, ao se exceder nas brincadeiras, era advertido com vaias! 

"Bloco de Clovis", por Rocha Maia, 2005

Naquele tempo, o que era mais importante? Provocar no povo o riso e a alegria! Afinal, quem estaria escondido por traz das máscaras? Seria algum amigo, alguma namorada ou, quem sabe, seria a professora ou a diretora da escola? De um lado havia respeito e seriedade nas regras básicas do entrudo; do outro, ficavam os Clovis (palhaços), fantasiados de forma a não deixar aparecer nem pontas de dedos, cabelos ou marcas evidentes, capazes de levar à identificação do brincante. Entretanto, coisas que mais apareciam e sobravam, em todos, era muita educação e respeito. Malandros existiam, porém sabiam respeitar!

Mas agora, os tempos são outros! Atualmente, convidar crianças e idosos para assistirem o Carnaval, é pura loucura. Começando pelas letras das músicas, que se transformaram em verdadeiros descaminhos, promovendo a falta de civilidade, estimulando consumo de drogas, com práticas obscenas e linguagem imprópria ao convívio social. Incitam às práticas pervertidas de sexo de maneira explícita. As fantasias não servem mais a provocar o encantamento, são meros andrajos; não cobrem nem sequer os corpos desnudos, tendo nomes que dão a exata ideia para que servem: fios-dental; tapa-sexo; além de uma infinita variedade de fantasias eróticas que fazem aquela, antiga, conhecida como “Tiazinha”, parecer hábito de Carmelitas.

Sim, hoje em dia, muito pouco do que se vê e ouve faz lembrar dos verdadeiros e bons Carnavais. Podemos procurar! Nem “O Galo da Madrugada” no Recife, nem os “Trios-Elétricos” de Salvador, nem as Escolas de Samba do Rio de Janeiro, representam a memória do festejo, o mais popular, em todo o Brasil! Algumas aberrações comportamentais, que agora estão sendo mostradas, ganham mais espaços na mídia. São mais divulgadas do que os sambas-enredos, as marchinhas ou as tradicionais alas das baianas desfilando na avenida. E os Bailes e os desfiles de ricas fantasias, como o do Teatro Municipal no Rio de Janeiro, onde estão? Cadê o nosso Carnaval? O Carnaval, resistirá até quando?

"Ala das Baianas da Verde e Rosa", por Rocha Maia, 2005

Textos e Telas: Rocha Maia
Edição e Ilustração: Jornal e Livraria Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.



Direção Geral
Renato Galvão

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