Ainda
era uma criança de colo, quando seus pais o levaram para o meio daquela
confusão de gente. Sem nem saber o que era aquela turbamulta dançando, pulando
e cantando na rua, o bebê, no início, ameaçou com choro, mas pouco tempo
depois, com a muvuca do povo, o pequeno já dava até gargalhadas, enquanto
rodopiava pendurado ao colo da mãe. Os bracinhos logo aprenderam a pedir, de
forma bem simpática, mais colinho de quem se aproximava na brincadeira. Foram
vários dias daquela semana, quando a farra tomava conta da rua; e nela, aquela
criança feliz, vestida de palhacinho, começou a sentir prazer com o carnaval do
bairro.
Cresceu
em meio aos folguedos da festa de Momo, com velhas tradições de entrudo e
brincadeiras sem a intenção de ofender ou fazer maldades. As famílias se
reuniam nas calçadas, bem na frente de cada casa, onde devidamente apetrechadas
com água perfumada, confetes, farinha e serpentinas, aguardavam a passagem de grupos
animados, compostos por figurantes mascarados, fantasiados de maneira a
esconder a verdadeira identidade. Algumas pessoas mais adultas, seguiam uma
bandinha de pífaro e tambores, a tocar frevos e machinhas populares, acompanhados
por bonecos gigantes que, sem cuidados, dançavam rodopiando. Assim era o
Carnaval nas pequenas cidades do sertão.
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| "Carnaval no Sertão", por Rocha Maia, 2002 |
O
ritmo do frevo, com toda razão era o preferido do povo nas ruas, especialmente
nas ladeiras de Olinda, lugar onde foi morar, já rapaz, quando passou para o
curso de Direito na Federal. Como sempre
fazia, já vésperas de Carnaval, ele procurava a máscara da folia; com ela
garantida, passava todo o restante dos dias de festas, misturado no reboliço da
farra e da dança. Comia e bebia, quando parava, onde possível! Jovem ainda, não
lhe faltavam energia e alegria! Já no sábado, pela manhã, vestia rápido a fantasia
de palhaço e cobria bem a cabeça com aquela abominável máscara colorida. Ali estava
pronto mais um Clovis! Corria até o lugar de sempre, na mesma rua onde os
blocos combinavam o encontro para a saída.
Os
anos passaram rápido. O mundo continuava suas inevitáveis mudanças, inclusive o
carnaval estava muito diferente! Como quase tudo, ultimamente a festa de Momo
também está piorando! Aquele carnavalesco, outrora tão autêntico e alegre, já
não se sentia bastante à-vontade para brincar! Daquela ingênua festa popular,
com a presença das famílias nas ruas, praças e salões de bailes, o que se via
agora era violenta e gratuita demonstração de baixarias e empurra-empurra. No
ar, está presente flagrante cheiro de maconha; e não só vestígios de violência,
mas sim os efeitos nítidos do terrorismo e selvageria etílica, banalizando com a
morte, a profanação da fé, ridicularizando as tradições e escancarando muita
promiscuidade.
Antes,
os blocos passavam cantando, dançando e provocando as pessoas que ficavam nos
logradouros públicos; passavam sem invadir a intimidade nem depredar
patrimônio. Apenas ingenuidade na implicância e troça, convidando a todos a
entrar na dança. As crianças eram fantasiadas com melhores adereços e
incentivadas a jogar água perfumada, talco ou confete nos palhaços, que
revidavam com respeito e muito cuidado as possíveis ousadias infantis. Muitas
sombrinhas coloridas e cheias de fitas, algo indispensável para se dançar o
frevo! Um ou outro fanfarrão, ao se exceder nas brincadeiras, era advertido com
vaias!
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| "Bloco de Clovis", por Rocha Maia, 2005 |
Naquele
tempo, o que era mais importante? Provocar no povo o riso e a alegria! Afinal,
quem estaria escondido por traz das máscaras? Seria algum amigo, alguma
namorada ou, quem sabe, seria a professora ou a diretora da escola? De um lado
havia respeito e seriedade nas regras básicas do entrudo; do outro, ficavam os
Clovis (palhaços), fantasiados de forma a não deixar aparecer nem pontas de
dedos, cabelos ou marcas evidentes, capazes de levar à identificação do
brincante. Entretanto, coisas que mais apareciam e sobravam, em todos, era
muita educação e respeito. Malandros existiam, porém sabiam respeitar!
Mas
agora, os tempos são outros! Atualmente, convidar crianças e idosos para assistirem
o Carnaval, é pura loucura. Começando pelas letras das músicas, que se
transformaram em verdadeiros descaminhos, promovendo a falta de civilidade,
estimulando consumo de drogas, com práticas obscenas e linguagem imprópria ao
convívio social. Incitam às práticas pervertidas de sexo de maneira explícita.
As fantasias não servem mais a provocar o encantamento, são meros andrajos; não
cobrem nem sequer os corpos desnudos, tendo nomes que dão a exata ideia para
que servem: fios-dental; tapa-sexo; além de uma infinita variedade de fantasias
eróticas que fazem aquela, antiga, conhecida como “Tiazinha”, parecer hábito de
Carmelitas.
Sim,
hoje em dia, muito pouco do que se vê e ouve faz lembrar dos verdadeiros e bons
Carnavais. Podemos procurar! Nem “O Galo da Madrugada” no Recife, nem os
“Trios-Elétricos” de Salvador, nem as Escolas de Samba do Rio de Janeiro, representam
a memória do festejo, o mais popular, em todo o Brasil! Algumas aberrações
comportamentais, que agora estão sendo mostradas, ganham mais espaços na mídia.
São mais divulgadas do que os sambas-enredos, as marchinhas ou as tradicionais
alas das baianas desfilando na avenida. E os Bailes e os desfiles de ricas
fantasias, como o do Teatro Municipal no Rio de Janeiro, onde estão? Cadê o
nosso Carnaval? O Carnaval, resistirá até quando?
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| "Ala das Baianas da Verde e Rosa", por Rocha Maia, 2005 Textos e Telas: Rocha Maia Edição e Ilustração: Jornal e Livraria Rio de Flores |
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de
Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras.
Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de
diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação
Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de
Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART,
Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil,
Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e
destaques em salões de artes plásticas.Citado em catálogos e sites, possui
obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do
Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do
Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França.
Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e
coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha,
Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal
Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na
literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e
Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e
colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil,
escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas
artes.
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| Direção Geral Renato Galvão |





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