Conheci Flávia Alvim em abril de 2022, durante o
lançamento da “Coletânea Elas São Flores” pela Rio de Flores Editora, um
projeto organizado por Michele Silveira Huck, com prefácio e revisão de Elaine
dos Santos e participação da jornalista Shirlei Pinheiro. Entre as 33
escritoras, Flávia brilhava com seus reflexivos textos
"Incondicionalidade" e "Vidadologia".
Meses
depois, a Rio de Flores buscava conteúdo para uma antologia sobre a vida.
Apesar de muitas pesquisas online, nada nos convencia. Até que, por insistência
e sorte, descobrimos o blog "Tecendo os fios da existência", repleto
de conteúdo inspirador! Para nossa surpresa, os textos eram de Flávia.
Imediatamente, a convidamos para escrever o prefácio da "Antologia
Vida", e ela aceitou! Lançada em fevereiro de 2023, a antologia contou com
o prefácio brilhante e reflexivo de Flávia. Um trecho que me marcou: “O
poetizar não nasce, necessariamente, do excesso de leituras e produções
científicas... É na vida experimentada, sentida, (com)partilhada, (con)vivida,
festejada, sofrida e contemplativa, que a poesia se torna poema...” (Flávia
Alvim, Manhã de 1 de janeiro de 2023).
Essa
colaboração marcou o início de nossa amizade literária. No final de 2023,
Flávia decidiu transformar seu blog em livro, "Tecendo os fios da
existência". Em meados de 2024, ela me surpreendeu com um convite:
prefaciar sua obra! Inicialmente, preparei um texto extenso sobre a arte, mas
Flávia preferiu uma narrativa pessoal sobre minha trajetória como escritor,
editor e mentor de novos autores. Foi emocionante compartilhar minha história
em um livro tão especial.
"Tecendo
os fios da existência" reúne os melhores textos do blog de Flávia. E quem
melhor que ela para apresentar sua própria obra? Aqui está a apresentação
escrita por ela:
“O primeiro texto publicado no blog Tecendo
os fios da existência foi “Afinal, o que torna o homem possuidor de
humanidade?” (2017), cuja produção se deu como avaliativa no curso de
filosofia, sob a orientação do professor Carlos Euclides Marques (o prefaciante
do meu primeiro conto publicado em 2021: Sofia, desvelando a si mesma como
humana). Tal texto foi escolhido para ser postado no blog da graduação, intitulado Filosofia na Unisul.
Recordo-me que, naquele momento, eu não tinha uma ideia nítida de criar
conteúdos e nem um lugar, onde pudesse publicá-los na web. Na realidade, a
postagem daquele texto foi um despertamento pessoal sobre a questão de
compartilhar o conhecimento e o entendimento que possuo sobre a condição humana
em suas múltiplas áreas. Contudo, minha grande paixão sempre foi a teologia e
especialmente, as Sagradas Escrituras.
O título da
presente obra é o nome do blog, que teve as suas atividades encerradas no final
do ano de 2023. Os textos que se encontram aqui são de cunho filosófico e
teológico, abrangendo as obras de mulheres, artistas plásticos, escritores,
reflexões cinematográficas... tudo ao que diz respeito a arte e a cultura. O
leitor e a leitora não devem ficar espantados/as com o meu interesse por tais
temáticas, já que a nossa existência humana é expressada pelo ato de criar. É o
que afirma o psicanalista existencialista Rollo May, em sua obra intitulada A
coragem de criar (1982): “a criatividade é a sequência natural do ser”.
Há uma
abrangência de sentidos com o termo “cultura” e “arte”, conforme as áreas
investigativas das Ciências humanas. Por isto, desejo pontuar alguns
significados importantes e que, de certa maneira, irão ajudá-los a compreender
a proposta desta seleção reflexiva. De acordo com a filósofa Marilena Chaui, o
verbo latino colere expressa o sentido de “cultivar”, “criar”, “tomar
conta” e “cuidar”. Tanto que, na Antiguidade romana, a palavra “cultura”
significava o “cuidado do homem com a natureza”, decorrendo a partir disto a
agricultura. Existia uma concepção do “cuidado do homem com os deuses”, dando
origem ao termo “culto” como uma referência aos ritos religiosos. Na mesma
direção, segue-se o “cuidado com a alma e o corpo das crianças”, com a sua
educação e formação; dando surgimento ao termo puericultura. Relacionado
a esta última, a filósofa brasileira explica que
[…] cultura era o cultivo ou a educação do espírito das
crianças para tornarem-se membros excelentes ou virtuosos da sociedade pelo
aperfeiçoamento e refinamento das qualidades naturais (caráter, índole,
temperamento). Com esse sentido, cultura correspondia ao que os gregos
chamavam de paideia, a formação ou educação do corpo e do espírito dos
membros da sociedade (de paideia vem a nossa palavra pedagogia).
(CHAUI, 2012, p. 308).
Observe que,
conforme a acepção exposta, a cultura formava um ser humano fisicamente
preparado, moralmente virtuoso, politicamente consciente e participante,
intelectualmente desenvolvido através do estudo das ciências, das artes e da
filosofia. Contudo, a partir do século XVIII, a cultura denotava os resultados
e as consequências da formação educacional dos seres humanos, expresso nas
ciências, na filosofia, nas artes, nas técnicas, nos ofícios, na vida moral, na
vida política ou nas instituições (a religião, o Estado). Condizente com tal
perspectiva, o historiador cristão H.R. Rookmaaker escreve, em sua obra
intitulada O dom criativo, que o termo “cultura” não deve se restringir
as atividades intelectuais ou estéticas, por ser
[…] simplesmente a criação de instituições, costumes, formas de vida,
bem como nosso uso da natureza e seus recursos. Quando agricultores cultivam,
seus métodos e ferramentas são parte da cultura. Quando compositores escrevem
canções, isso também é cultura. Escolhem sons e expressam ideias, criando uma
forma pela qual as pessoas podem expressar-se. […] Seres humanos são criaturas
que têm seu próprio lugar na criação de Deus. Há incontavéis áreas em que podem
ocupar-se: língua e música, mas também direito, liturgia e sistemas econômicos.
O envolvimento neste sentido é inescapável, pois as pessoas são seres
culturais. […] As pessoas devem construir casas para si, cultivar o próprio
alimento e desenvolver métodos de cozinhar. Além disso, precisam encontrar
padrões para as relações sociais. Se expressam seu amor uns pelos outros,
demonstram polidez ou amizade ou assumem papeis numa ordem hierárquica, fazem
essas coisas dentro das formas especiais e dos costumes que são parte da
cultura. (ROOKMAAKER, 2018, p. 40).
Correspondente a
noção de cultura, que acabamos de expô-las, nos deparamos com a ideia de arte.
Em seu sentido, tékne significa “meio de fazer, de produzir”. De acordo
com o filósofo Benedito Nunes,
[…] os artísticos são todos aqueles processos que, mediante o emprego
de meios adequados, permitem-nos fazer bem uma determinada coisa. Sob o aspecto
dos atos que tais processos implicam, e que têm por fim um resultado a
alcançar, arte é a própria disposição prévia que habilita o sujeito a
agir de maneira pertinente, orientado pelo conhecimento antecipado daquilo que
quer fazer ou produzir. (NUNES, 2016, p. 21).
Em outras
palavras, a arte é a produção segundo a ideia da “coisa” a se fazer. Cabe
incluir, neste sentido, a fabricação de objetos utilitários via artífices (ou
artesãos), as artes da medida e da contagem, a pintura, a
escultura, a poesia e a música (são as chamadas artes imitativas). A
estas últimas são nomeadas por Aristóteles de póiesis (poesia),
significando “produção, fabricação e criação”.
Póiesis possui uma densidade metafísica e
cosmológica, ao ser uma produção que forma; um fabricar que engendra; uma
criação que organiza, ordena e instaura uma realidade nova, um ser. Criação, na
acepção grega, é uma produção (ou gestação) que dá forma a uma matéria bruta,
que é preexistente e ainda indeterminada, em estado de potência. Assim, a arte
pode ser:
a) um processo produtivo e formador, que
pressupõe aquilo que conhecemos como técnica; e
b) uma atividade prática, que se acha na
criação de uma obra, cujo termo é póiesis.
Em termos gerais, podemos
dizer que a arte é tudo aquilo que produzimos, fazemos, geramos, criamos,
gestamos, conforme o nosso tempo social e espaço cultural em nossa vida e
existência. Cada texto selecionado, nesta coletânea, busca demonstrar que a
arte pode ser educativa, provocativa, teológica, revolucionária, instigante,
constrangedora, filosófica, dolorosa, sofrida, bíblica… mas, o que a leva ser
produzida? A resposta é simples: a realidade. O historiador cristão
Rookmaaker, em sua pequena obra intitulada A arte não precisa de
justificativa, explica que
a realidade não é simplesmente (objetivamente) o que está lá. Ela é uma potencialidade.
A realidade que conhecemos é sempre uma realidade percebida. Nós a descobrimos,
nomeamos e a tornamos acessível. Assim, podemos declarar que sempre vemos o que
sabemos ou entendemos com relação ao mundo exterior. A realidade é isto: o potencial
do mundo exterior como o conhecemos, da forma que o conhecemos. O interessante
é que o pintor pinta o que se vê, mas como ele vê o que conhece, podemos dizer
também que ele pinta o que conhece. Na pintura, na comunicação visual, podemos
ver o que um artista, como membro da raça humana, posicionado em certo ponto da
história, conhecia e entendia a realidade. Porém, nossa visão da realidade não
é apenas conhecimento, no sentido de conhecer o que existe. É também criação,
já que as pessoas querem ter a sua própria percepção da mesma realidade. A
qualidade dessa visão é importante. Ela pode ser edificante, esclarecedora,
positiva, bela e boa; ou pode ser negativa, destrutiva, feia e pobre.
Geralmente, ela é uma mistura desses dois extremos. A realidade é o presente e
também engloba o passado. (ROOKMAAKER, 2010, p. 50).
O
mundo da vida é o que leva os artistas plásticos, escritores, músicos, atores e
atrizes, artesãos, bailarinos… a fazeremos uma apreensão da realidade que se vê
por si, doando ao espectador – aquele que recebe a figura, a imagem, a
representação da palavra escrita, do objeto, da melodia, das expressões faciais
ou do movimento corporal – uma “fração” daquilo que se conhece, “capta” e
interpreta, além de expor propriamente a sua (re)criação. O teólogo Leonardo
Boff escreve, em sua obra intitulada A Águia e a galinha: uma metáfora da
condição humana, sobre o processo de leitura e interpretação, que, a meu
ver, é pertinente com a dimensão da arte enquanto produção e criação:
ler significa reler e compreender, interpretar. Cada um lê com os olhos
que tem. E interpreta a partir de onde os pés pisam. Todo ponto de vista é a
vista de um ponto. Para entender como alguém lê é necessário saber como são
seus olhos e qual é a visão de mundo. Isso faz da leitura sempre uma releitura.
A cabeça pensa a partir de onde os pés pisam. Para compreender é essencial
conhecer o lugar social de quem olha. […] Isso faz da compreensão sempre uma
interpretação. […] Cada leitor é coautor. Porque cada um lê e relê com os olhos
que tem. Porque compreende e interpreta a partir do mundo que habita. (BOFF,
2012, p.15).
Tanto
aquele que “faz arte” como o que a recebe pelo olhar, criam renovações em sua
realidade e em sua vida. E é exatamente isto, que propunha com a categoria de
“arte e cultura” no blog Tecendo os fios da existência. Livros, filmes,
pinturas, ideias ou reflexões filósoficas, leitura bíblica… tudo constituem o
mundo artístico e cultural do ser humano. Contudo, há uma problemática: uma
aplicação restrita e dualista com as artes e o mundo da erudição.
De
lado, existem forças poderosas da ciência e da tecnologia, em que a população
não a vê como cultura, mas como realidade. Por outro, se acha a erudição e as
belas artes constituídas pela música, poesia, pintura e até a religião. Nessa
acepção, a cultura se transforma em um mero enfeite e não, em uma necessidade
humana correspondente ao sentido e ao propósito da vida. Talvez, aqui pode se
perceber uma iminente crise em nossa cultura e arte mundial, incluindo o nosso
país. Porém, a crise nas artes é genuinamente de natureza existencial e
espiritual, afetando todos os âmbitos da sociedade – a economia, a tecnologia,
a ciência, a educação, a moral e a ética. A vida (pós?) moderna pode ser
sintetizada com os termos: a alienação, idolatria, desespero, solidão,
exploração e principalmente… desumanização! O historiador cristão
Rookmaaker afirma que a crise iminente em nossa arte e cultura estão
relacionadas “[…] ao fato de que desde a Idade da Razão nossa cultura tem
visto o relacionamento da humanidade com a natureza apenas como forma de
dominar a realidade e utilizá-la em nosso favor.” (ROOKMAAKER, 2010, p.20).
Portanto, caro leitor e querida leitora, convido-os a embarcar nessa aventura literária a respeito da arte e da cultura. Pois, através da vida de mulheres, das obras artísticas de pintores, das produções cinematográficas e literárias ou das reflexões que partem da crítica a realidade humana… percebemos que tudo que fazemos, independente de se pintar um quadro ou escrever um soneto, é um ato de criação e produção em nosso mundo da vida. Saiba que a arte é muito mais do que um mero objeto de expressão. Ela é a vida em suas entrelinhas como uma renovação ou revolução, podendo até ser uma destruição...
BOFF, Leonardo. A Águia e a galinha: uma metáfora da condição humana. Petrópolis: Vozes, 2012.
CHAUI, Marilena. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2012.
MAY, Rollo. A Coragem de criar. Rio de Janeiro: Nova fronteira,
1982.
NUNES, Benedito. Introdução à Filosofia da Arte. São Paulo:
Edições Loyola, 2016.
ROOKMAAKER, H. R. O Dom criativo. Brasília: Monergismo, 2018.
______. A arte não precisa de
justificativa. Viçosa: Ultimato, 2010.”.
Você pode adquirir "Tecendo os fios da existência" nos sites:
https://www.estantevirtual.com.br/busca?nsCat=Natural&q=Fl%C3%A1via%20alvim&searchField=titulo-autor






Muito obrigada, amigo, pela atenção, disposição e pelo carinho. É um serviço a todos autores/leitores e a todas autoras/leitoras expor os meus conhecimentos sobre a arte e a cultura, sob a ótica filosófica e teológica. Seu prefácio é uma inspiração para muitos artistas, que encontram-se ou talvez, podem identificar-se com a mesma situação escrita (pelo senhor) por você. Deus te abençoe!
ResponderExcluirAbraços,
Flávia Alvim.
Gratidão amiga. Divulgar artes/artistas é um grande prazer que mantenho sempre em destaque em minhas ações. Vamos seguindo em frente nessa luta... Deus te abençoe. Grande abraço. Renato Galvão.
ExcluirPARABÉNS FLÁVIA
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