segunda-feira, 27 de maio de 2024

 


Na praça principal da pequena cidade praiana, os turistas não sabem exatamente o significado da pequena e tosca cobertura de telhas, facilmente avistada no calçadão local. São quatro águas, com telhas de cerâmica, bem antigas, sobre um poço de pedras. Por baixo, enfeitam três esculturas de bronze, em tamanho real. A velhinha, a menina e o simpático vira-lata decoram aquele local.

A composição do cenário é simples e direta, não há o que cogitar para, com profundidade filosofal, entender o diálogo mudo que existe entre as esculturas. Exceto pelas perguntas recorrentes, feitas pelos visitantes: - “Quem são os personagens?”. Com um balde, a idosa parece tirar água no poço. Me contaram que uma antiga moradora, de nome Aurélia de Souza, serviu como modelo. Portanto, a velhinha representa os habitantes pioneiros da cidade, que se revezavam na tarefa cotidiana do abastecimento d’água. Ali está registrado um momento simples, segundo relato contado pelos mais antigos. Um costume da outrora pequena vila de pescadores, onde aportavam variadas embarcações de cabotagem, na acolhedora Baía Formosa, para, dentre outras coisas, servirem-se da água doce do velho Poço de Pedras.

Jamais alguém poderia supor que a vila iria prosperar e se tornar uma bela cidade! Contudo, o progresso modificou a pacata vida praiana, tirou-lhe aquele clima descontraído e gostoso, jeito antigo e marcante do povo local demonstrar hospitalidade.  Bem pertinho do Poço de Pedras, há uma árvore centenária. Uma figueira retorcida pelos ventos do mar, com idade incerta e histórica presença. Contam que, sob sua sombra, D. Pedro II passou momentos de descanso, durante viagem até Campos dos Goytacazes, lá pelos anos de 1850. Sobre esse conto, cada um que ouve..., ao repetir, acrescenta um ponto! 

Da velha igreja, nada mais resta! Dez anos após ruir o velho campanário do prédio paroquial (1950), no mesmo local da capela erguida pelos Jesuítas (1750), foi construída a atual, consagrada à Nossa Senhora da Conceição, padroeira da cidade.

Partindo do Poço de Pedras, andando mais, seguindo a calçada da praia do centro, o turista irá passar por uma das mais velhas edificações da cidade, local onde atualmente funciona a Casa da Cultura Bento Costa Júnior. Antigamente, lá funcionava o trapiche do pequeno porto. Nos fundos da velha casa, em meio ao quintal, podemos visitar o museu Sambaqui do Tarioba, aberto ao público após excelente trabalho de arqueologia. Aproveitando a brisa do mar, continuando a caminhada, chega-se ao antigo cemitério. Não é um local atrativo, mas não deixa de ter aquele ar solene e grave, com pequenas tumbas caiadas, despidas de vaidades e ostentações. Contam que, nas imediações, havia o ancoradouro; teria ele servido ao tráfico de escravos, como também para o embarque de mercadorias provenientes da agricultura regional, enviadas, por mar, com destino a Niterói e ao Rio de Janeiro.

A caminhada turística segue por mais alguns passos, chegando-se às praias do Cemitério e da Boca da Barra; era ali que, quando as ondas estavam calmas, os barcos se reabasteciam e descansavam a tripulação, antes de voltar ao mar.

De certo, havia na praça da vila atrativos para viajantes, em especial de interesse para os marujos, água potável e aguardente! Canalizada de fontes localizadas mais para o interior, a água chegava até a praia, onde era servida no poço.  Assim, como singelo monumento, o Poço de Pedras faz parte da história da cidade de Rio das Ostras. Centenária na origem, a pequena vila de pescadores, se tornou cidade em 1992.

Dentre os personagens do monumento, em tamanho real, aquele que mais desperta simpatia aos visitantes é o vira-lata! Como sempre foi, ainda existem muitos desses simpáticos caninos soltos pelas ruas da cidade.   

São feitas de metal resistente, e podem ser tocadas diretamente pelo público; embora isso não devesse ser permitido. Infelizmente, por falta de bom senso, alguns danos já foram causados ao conjunto artístico.  Dizem que as esculturas só não estão depredadas, porque o local é protegido por um guardião, feroz e “vigilante” ..., o vira-lata! Sempre pronto a encenar uma boa rosnada, para afugentar vândalos e porcalhões.

Como todos os bons animais dessa “nobre estirpe”, os Street dogs”, inteligentes, fiéis e rústicos, além de terem malandragem natural, são capazes de impor respeito, mesmo quando feitos de simples placas de bronze. Capazes de conquistar facilmente os humanos, desde aqueles de corações moles aos mais duros, infantis ou adultos, todos os turistas gostam do cachorrinho de rua. Foi nesse simplório cenário, propício aos sonhos bem sonhados, adequado às inspirações de artistas, que foi erigido o singelo conjunto de esculturas, cuja denominação popular é “O Poço de Pedras”, importante obra dos escultores, Clara Arthaud e Roberto Sá, renomados artistas plásticos brasileiros.

Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes. 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão


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