Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores |
Certo dia, ele queria escrever um
artigo sobre arte, mas não encontrava um título! Como iniciar o texto sem ter
um assunto definido? Parou de escrever! Num outro momento a coisa ocorreu de
forma contrária. Numa espécie de perseguição, por vários dias, veio à sua mente
um título, que parecia ser destinado ao artigo desejado. Com aquela designação,
ele ocupou bom tempo das suas tardes e noites, pondo-se a escrever lentamente.
Não sabia quando iria terminar. Não tinha afobação! Digitou aquele título, a princípio estranho,
no lugar apropriado, logo acima, no início da página. Ficou esperando pelos “fluídos”
do texto, vindos do astral, porém nada acontecia. Quais seriam os tipos dos personagens,
quais ideias eles trariam, como surgiriam? Até parecia aquele negócio de
psicografia! Será que surgiria um texto injuntivo? Não acreditava que fosse
algo tal como um manual de usuário ou propaganda; tampouco uma receita ou bula.
Não lhe agradava escrever de forma imperativa, ditando padrões de obrigatoriedade
de conduta. Então poderia ser algo expositivo ou dissertativo? Melhor ainda,
pensava ele, se puder ser um texto descritivo! No fundo ele torcia por ser algo
narrativo! Resolveu que seria melhor aguardar mais um pouco, para ver o que apareceria
na caixola! O tempo chuvoso e abafado, naquele último fim de semana, parecia
conspirar contra o surgimento das palavras de uma forma natural e gostosa. Não
sabia o porquê, mas algo cutucava seus miolos com presságios apocalípticos! Na
mídia, falavam muito sobre um eclipse total do sol, capaz de cobrir de costa a
costa, todos os Estados da América do Norte. Queria esperar pelo evento solar,
pra ver o que aconteceria. Aparentemente, nada aconteceu!
Passaram-se dias;
mas, naquela tarde, ele se sentia motivado; queria tentar escrever alguma coisa
sobre arte. Dizia para si mesmo: “Vamos lá! Coragem! Veja o que vai sair!”
De
início lhe vieram alguns questionamentos interessantes. Um primeiro perguntava assim: Como é possível
uma mesma pessoa viver “muitas vidas”, numa só encarnação? Um segundo ponto lhe
perturbou a consciência: Teria, a pergunta inicial, naqueles termos de “muitas
vidas”, dado o sentido de “diversas experiências”; ou seria algo diferente,
relacionado ao campo da espiritualidade?
Não
pretendia passar dos limites das suas próprias experiências! Respeitaria aquela
linha de fronteira entre a sabedoria e a santa ignorância, coisa que todos os
humanos têm. Afinal, aquele título era interessante: “Sim! Eu estive lá, para
Amar no Mar!”.
Então...,
parou; e pensou: “Quem ousaria questionar sobre as múltiplas experiências de minha
vida?” Resolveu aguardar mais um pouco! Decidiu revisar comentários, algumas
lembranças publicadas no seu Facebook. Nem sempre
conseguia ler todos os comentários publicados. Quem sabe? Talvez, poderia
encontrar alguma coisa interessante? Foi o que fez!
De fato! Encontrou um comentário bem antigo, o qual chamou a atenção,
apesar de ser breve. Dizia sobre determinada pintura, realizada há alguns anos,
com o título “Maramar Quadrado”. Pensou assim: “Compensa destacar esse caso!”. Afinal,
alguém havia escrito: “Mare Amore Quadrato - Opera della COLLEZIONE -
FONDAZIONE MINO SORVILLO - ITÁLIA!" (Anteriormente, o quadro estivera
exposto do Salão Internacional de Pintura Naïf do Casino Estoril – Portugal, no
ano 2014. O colecionador, um empresário italiano, senhor Cosimo Sorvillo, adquirira a obra quando exposta em Lisboa).
Só agora, aquele comentário, podia ser bem avaliado, considerando a
importância das palavras vindas de um colecionador internacional de arte naïf. O
artista ficou orgulhoso e envaidecido, muito agradecido ao senhor Cosimo, pela
valiosa informação. Prometeu a si mesmo: “Um dia irei à Itália, para visitar a
bela coleção de arte naïf, sustentada por tão importante mecenas italiano!”.
A pintura representa uma alegoria do espaço histórico conhecido como Quadrado, no distrito de Trancoso, Porto Seguro, Sul da Bahia. Os personagens foram inspirados nos diversos tipos humanos exóticos, por vezes eróticos, encontrados naquela localidade, interagindo com a paisagem rústica e a natureza bem preservada. Originalmente, o Quadrado era uma aldeia jesuíta de nome São João Batista dos Índios, fundada em 1586. Preservado integralmente, até 1970, Troncoso ganhou fama entre praticantes de vida naturalista e preservacionista. Eles divulgaram, no Brasil e no exterior, as belezas do local. Dessa maneira, foram abertos caminhos para fluxos de viajantes e investidores, muitos deles vindos da Europa, provocando um “bum” de crescimento do turismo, o que colocou em risco o patrimônio cultural e histórico local.
Deixando de lado as divergências entre naturalistas, preservacionistas e turistas, sobre o que se deveria fazer, para melhor manter Trancoso livre de ameaças de um inevitável e fatídico tombamento, o artista, autor do quadro “Maramar Quadrado”, fez sua parte! Contou, com pinceladas ingênuas, aquilo que na época era visível, a história daquele pequeno arraial, escrevendo com os pincéis, sobre coisas que via: o mar; o amor; e o Quadrado, em Trancoso. Com aquela tela, ele queria dizer a todos: “Sim, e eu estive lá!”
Interessante lembrar que, aquele
litoral todo, denominado Museu Aberto do Descobrimento do Brasil - MADE, é uma
região permanentemente submetida ao tombamento histórico nacional, sob tutela
do HIPHAN, desde 1996.
De forma singelamente destacada na paisagem, em Trancoso, a antiga capela de São João Batista, tornou-se um dos principais pontos de atração turística no Quadrado, estando sempre lotada a sua agenda, para casamentos de famosos. É uma das mais requisitadas igrejas na Bahia. Depois de 1970, transformou-se em ponto de referência para grupos de hippies, passando a atrair todo tipo de gente do mundo todo. O cenário representa essa diversidade de culturas, com seus naturais encontros e desencontros. Óbvio que foi o formato retangular do local que deu origem ao nome Quadrado, cercado por algumas casinhas rústicas dos habitantes primitivos. Posteriormente, nelas se instalaram lojas de artesanato e restaurantes típicos da culinária baiana. O centro é ocupado por terreno plano coberto de grama natural, onde a espontaneidade popular propicia a prática de esportes coletivos. Lá é um campo certo, ideal para brincadeiras ao calor do sol, refrescado pela generosa brisa, que circula entre o mar e a terra. À noitinha, casais apaixonados se deitam na relva para namorar! Os gemidos de prazer são abafados, porque se misturam aos sons das ondas do mar, lembrando versos de Caymmi! O mar, quando quebra na praia! É bonito, é bonito! Região de oceano aberto, com águas quentes, por lá é fácil avistar baleias que procuram o litoral da Bahia, para também amar e procriar.
Finalmente, depois de alguns
dias escrevendo sofregamente, o título estava justificado: “Sim! Eu estive lá, para Amar no Mar!”.
Figura 2: Quadro “Mar Amar
Quadrado”, ano 2008, autoria de Rocha Maia. |
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