terça-feira, 16 de abril de 2024

 

Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores

    Certo dia, ele queria escrever um artigo sobre arte, mas não encontrava um título! Como iniciar o texto sem ter um assunto definido? Parou de escrever! Num outro momento a coisa ocorreu de forma contrária. Numa espécie de perseguição, por vários dias, veio à sua mente um título, que parecia ser destinado ao artigo desejado. Com aquela designação, ele ocupou bom tempo das suas tardes e noites, pondo-se a escrever lentamente. Não sabia quando iria terminar. Não tinha afobação!  Digitou aquele título, a princípio estranho, no lugar apropriado, logo acima, no início da página. Ficou esperando pelos “fluídos” do texto, vindos do astral, porém nada acontecia. Quais seriam os tipos dos personagens, quais ideias eles trariam, como surgiriam? Até parecia aquele negócio de psicografia! Será que surgiria um texto injuntivo? Não acreditava que fosse algo tal como um manual de usuário ou propaganda; tampouco uma receita ou bula. Não lhe agradava escrever de forma imperativa, ditando padrões de obrigatoriedade de conduta. Então poderia ser algo expositivo ou dissertativo? Melhor ainda, pensava ele, se puder ser um texto descritivo! No fundo ele torcia por ser algo narrativo! Resolveu que seria melhor aguardar mais um pouco, para ver o que apareceria na caixola! O tempo chuvoso e abafado, naquele último fim de semana, parecia conspirar contra o surgimento das palavras de uma forma natural e gostosa. Não sabia o porquê, mas algo cutucava seus miolos com presságios apocalípticos! Na mídia, falavam muito sobre um eclipse total do sol, capaz de cobrir de costa a costa, todos os Estados da América do Norte. Queria esperar pelo evento solar, pra ver o que aconteceria. Aparentemente, nada aconteceu!

    Passaram-se dias; mas, naquela tarde, ele se sentia motivado; queria tentar escrever alguma coisa sobre arte. Dizia para si mesmo: “Vamos lá! Coragem! Veja o que vai sair!”

    De início lhe vieram alguns questionamentos interessantes.  Um primeiro perguntava assim: Como é possível uma mesma pessoa viver “muitas vidas”, numa só encarnação? Um segundo ponto lhe perturbou a consciência: Teria, a pergunta inicial, naqueles termos de “muitas vidas”, dado o sentido de “diversas experiências”; ou seria algo diferente, relacionado ao campo da espiritualidade?

    Não pretendia passar dos limites das suas próprias experiências! Respeitaria aquela linha de fronteira entre a sabedoria e a santa ignorância, coisa que todos os humanos têm. Afinal, aquele título era interessante: “Sim! Eu estive lá, para Amar no Mar!”.

    Então..., parou; e pensou: “Quem ousaria questionar sobre as múltiplas experiências de minha vida?” Resolveu aguardar mais um pouco! Decidiu revisar comentários, algumas lembranças publicadas no seu Facebook. Nem sempre conseguia ler todos os comentários publicados. Quem sabe? Talvez, poderia encontrar alguma coisa interessante? Foi o que fez!

    De fato! Encontrou um comentário bem antigo, o qual chamou a atenção, apesar de ser breve. Dizia sobre determinada pintura, realizada há alguns anos, com o título “Maramar Quadrado”. Pensou assim: “Compensa destacar esse caso!”. Afinal, alguém havia escrito: “Mare Amore Quadrato - Opera della COLLEZIONE - FONDAZIONE MINO SORVILLO - ITÁLIA!" (Anteriormente, o quadro estivera exposto do Salão Internacional de Pintura Naïf do Casino Estoril – Portugal, no ano 2014. O colecionador, um empresário italiano, senhor Cosimo Sorvillo, adquirira a obra quando exposta em Lisboa).

    Só agora, aquele comentário, podia ser bem avaliado, considerando a importância das palavras vindas de um colecionador internacional de arte naïf. O artista ficou orgulhoso e envaidecido, muito agradecido ao senhor Cosimo, pela valiosa informação. Prometeu a si mesmo: “Um dia irei à Itália, para visitar a bela coleção de arte naïf, sustentada por tão importante mecenas italiano!”.

    A pintura representa uma alegoria do espaço histórico conhecido como Quadrado, no distrito de Trancoso, Porto Seguro, Sul da Bahia. Os personagens foram inspirados nos diversos tipos humanos exóticos, por vezes eróticos, encontrados naquela localidade, interagindo com a paisagem rústica e a natureza bem preservada. Originalmente, o Quadrado era uma aldeia jesuíta de nome São João Batista dos Índios, fundada em 1586.  Preservado integralmente, até 1970, Troncoso ganhou fama entre praticantes de vida naturalista e preservacionista. Eles divulgaram, no Brasil e no exterior, as belezas do local. Dessa maneira, foram abertos caminhos para fluxos de viajantes e investidores, muitos deles vindos da Europa, provocando um “bum” de crescimento do turismo, o que colocou em risco o patrimônio cultural e histórico local. 

    Deixando de lado as divergências entre naturalistas, preservacionistas e turistas, sobre o que se deveria fazer, para melhor manter Trancoso livre de ameaças de um inevitável e fatídico tombamento, o artista, autor do quadro “Maramar Quadrado”, fez sua parte! Contou, com pinceladas ingênuas, aquilo que na época era visível, a história daquele pequeno arraial, escrevendo com os pincéis, sobre coisas que via: o mar; o amor; e o Quadrado, em Trancoso. Com aquela tela, ele queria dizer a todos: “Sim, e eu estive lá!” 

    Interessante lembrar que, aquele litoral todo, denominado Museu Aberto do Descobrimento do Brasil - MADE, é uma região permanentemente submetida ao tombamento histórico nacional, sob tutela do HIPHAN, desde 1996.

    De forma singelamente destacada na paisagem, em Trancoso, a antiga capela de São João Batista, tornou-se um dos principais pontos de atração turística no Quadrado, estando sempre lotada a sua agenda, para casamentos de famosos. É uma das mais requisitadas igrejas na Bahia. Depois de 1970, transformou-se em ponto de referência para grupos de hippies, passando a atrair todo tipo de gente do mundo todo. O cenário representa essa diversidade de culturas, com seus naturais encontros e desencontros. Óbvio que foi o formato retangular do local que deu origem ao nome Quadrado, cercado por algumas casinhas rústicas dos habitantes primitivos. Posteriormente, nelas se instalaram lojas de artesanato e restaurantes típicos da culinária baiana. O centro é ocupado por terreno plano coberto de grama natural, onde a espontaneidade popular propicia a prática de esportes coletivos. Lá é um campo certo, ideal para brincadeiras ao calor do sol, refrescado pela generosa brisa, que circula entre o mar e a terra. À noitinha, casais apaixonados se deitam na relva para namorar! Os gemidos de prazer são abafados, porque se misturam aos sons das ondas do mar, lembrando versos de Caymmi! O mar, quando quebra na praia! É bonito, é bonito!  Região de oceano aberto, com águas quentes, por lá é fácil avistar baleias que procuram o litoral da Bahia, para também amar e procriar. 

    Finalmente, depois de alguns dias escrevendo sofregamente, o título estava justificado: “Sim! Eu estive lá, para Amar no Mar!”.


Figura 2: Quadro “Mar Amar Quadrado”, ano 2008, autoria de Rocha Maia.


Texto e Tela (Figura 2): Rocha Maia
Ilustração (Fugura 1): Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.
Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.

 
Edição e Direção Geral
Renato Galvão


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