quarta-feira, 13 de março de 2024

 


Cartas! Não pretendo falar sobre aquelas cartas de baralho, tarô ou adivinhações ciganas. Refiro-me, sim, às tradicionais missivas. Ao longo da história humana, foram sendo criados e aperfeiçoados diversos meios de comunicação! Pinturas em cavernas são um bom exemplo, como registros em formas gráficas, de mensagens que se destinavam a preservar importantes lições de conhecimentos, destinados à caça ou às práticas culturais e religiosas dos povos primitivos. Olhando aqueles desenhos rupestres, fica a sensação de que, os seres que rabiscavam aquelas formas, tinham o intuito de informar, com critérios de máxima veracidade possível, notícias cotidianas, vitais para a sobrevivência dos grupos, caso se deparassem com situações semelhantes àquelas diagramadas nas paredes de pedra. Não podemos crer que existisse, naqueles tempos, algum imbecil que usasse daqueles desenhos, para divulgar mentiras, “Fake News”, a serviço de interesses mesquinhos ou de correntes ideológicas de esquerda, centro ou direita, como são usadas nos nossos dias.

Não cremos, pura e simplesmente, porque aqueles que “desenhavam” aquelas notícias, para informar suas tribos, eram os mesmos que, no dia seguinte, iriam a campo caçar, conquistar novos territórios ou, simplesmente, defender a boca da caverna contra predadores. Cremos, sim, que isso deve ter acontecido, em algum momento mais ao futuro, já distante daqueles tempos! Talvez tenham acontecido falsas informações, quando surgiram interesses políticos, de domínios e poder dos grandes impérios, que fizeram nascer disputas entre tribos; contendas que indicavam caminhos e direções divergentes, a serem assumidas pelos subgrupos tribais. Coisas que tornaram possível fazer surgir o fratricídio, descrito por exemplo na passagem bíblica, quando narrado o episódio Caim e Abel.

Mas, vamos seguindo os meandros da história humana, para podermos encontrar e entender melhor o fenômeno ao qual quero fazer referência: cartas nunca mais!

Das cavernas aos papiros, passando pelas formas de diversos grafismos, gravuras e ideogramas, encontrados nos relevos de paredes graníticas de templos, tumbas etc., veremos as escritas cuneiformes evoluírem, das tabuletas de barro até a prensa de Guttemberg, e chegarem às formas de impressão modernas, com seus fantásticos recursos destinados à produção de textos, com fotografias, digitalizados e transmitidos, em tempo real, via mídia eletrônica.

A história também identifica, pelos estudos de missivas, a importância do hábito de manuscrever, simples bilhetes ou extensas mensagens. Tais estudos foram capazes de influir nos destinos de muitas civilizações. Em determinados casos, a falta de um envio tempestivo de alguma mensagem, ou o simples atraso na chegada ao destinatário, foi suficiente para desviar o curso da história. Alguns desses casos dramáticos já serviram como enredo, para emocionantes relatos de vidas, que foram transformados, para o bem ou para o mal, no caso de uma correspondência ter sido extraviada ou interrompida, em meio ao fluxo, entre o emissor e o destinatário. As possibilidades dramáticas são muito ricas, para se explorar os imbróglios provenientes de tão pequeno fenômeno, capaz de causar transtornos inimagináveis, como o é de fato a não chegada tempestiva de uma resposta, ardorosamente aguardada. Fico imaginando, como seria a nossa história atual, caso D.  Pedro I não tivesse sido encontrado, às margens do Ipiranga? Como seria o nosso Brasil, se o mensageiro real, que portava a célebre carta, enviada pela Imperatriz Da. Leopoldina, não tivesse chegado a São Paulo? Como, quando e onde teria então sido bradado o histórico Grito da Independência?  

Perdemos a noção do que se passava nos ânimos das pessoas que, por uma simples e pequena travessura do destino, deixavam de saber, por exemplo, qual seria a resposta a uma cartinha, na qual, após algumas mal traçadas linhas, cheias de súplicas e declarações, alguém findasse por indagar assim, num português cheio de erros: _” ..., meu amor! Ocê qué casá cumigo?”

Culturalmente, o hábito de enviar ou receber cartas era tão forte que se tornou comum existirem “escribas” populares, sentados em caixotes e mesas improvisadas, nas estações de comboios e rodoviárias, dedicados a prestar serviço remunerado, para a redação de cartas que, os menos letrados, faziam questão de enviar aos parentes no interior, dando notícias da Capital. 

Infelizmente, com a evolução tecnológica, aqueles pequenos gestos, estão em extinção! Não se vê mais alguém, cheio de coragem, pegar uma caneta tinteiro, uma folha de papel em branco, caprichando nas letras, com máximo rigor estético na caligrafia, apenas para declara seu amor! Foi-se o tempo que alguém se punha a deitar, nas linhas e entrelinhas, algumas vezes com respingos de saudosas lágrimas, aquelas palavras e frases que, com muita emoção, o momento permitia, solenemente escrever nas cartinhas apaixonadas, de compromissos, apenas para dizer, ao final _” ... meu amor! Você quer casar comigo?”

Os tempos agora são outros! Ouvimos falar de e-mail, ouvimos também dizer sobre mídia social, face book, Instagram etc., mas nada se compara ao velho e antigo hábito de escrever uma cartinha. No passado, as missivas eram instrumentos poderosos de comunicação em vários assuntos. No campo da política e da religião, famosos missivistas legaram grandes acervos de arquivos secretos, de incalculável valor estratégico e tático, na formulação de pensamentos, para doutrinação e sacralidade. No meio empresarial, as cartas eram instrumentos de reconhecido e imenso valor comercial, para sucesso ou fracasso, nos empreendimentos, na medida em que os textos se tornavam capazes de estimular o consumo dos clientes. Não vou, tampouco, tratar aqui da importância das cartas, como instrumentos declaratórios, ou de contratação e acordos de guerras e celebração da paz! Não pretendo destacar a importância inconteste de instituições profissionais dedicadas ao fluxo postal, especialmente enaltecendo a imagem dos carteiros! Certamente, todos sabem disso! Mas, para finalizar essa pequena ementa, vou fazer referência ao derradeiro marco da existência dessas formas antigas de comunicação civilizada. Ao escolher o título para meu texto, pretendia que fosse alguma coisa bastante significativa do final de uma era, embora triste! Por isso: “Cartas nunca mais!”.

A inteligência dos robôs, tão em moda, certamente irá suprir o mundo com belos textos, porém serão artificiais; frios, em nada capazes de emocionar corações, como se emocionaram aqueles dos antigos missivistas apaixonados. Por certo, muitas lagrimas foram vertidas naqueles tempos! Lágrimas de alegria ou de tristeza, de sofrimento ou de louvor, mas eram lágrimas humanas!  Numa sociedade em que certas palavras chaves perderam o sentido, escrever ou ler, menos ainda responder, cartinhas de amor, poderá emocionar seres nada entusiasmados! O entusiasmo, originalmente, tinha o significado de inspiração profunda da entidade divina, a presença de Deus em nós. Como emocionar pessoas de hoje, ditas apenas como “ficantes”? Esses tipos de gente que, simplesmente, aventuram-se em relações pecaminosas, não consentidas, com penetrações, beijos e carícias estupradoras, que pouco ou nada garantem a existências de proles desejadas? Escrever uma carta..., por quê? Para quem? Quando? Só Deus poderá saber!  


Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores

 
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.
 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão

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