terça-feira, 9 de janeiro de 2024

 


O termo “medalhão” não é estranho àquela parte da população brasileira que já passou dos 60 ou 70 anos. Trata-se, em sentido figurado, de uma pessoa de destaque, um figurão, que, no entanto, recebe esse destaque sem merecer ou sem possuir qualidades para tal.

Em “Teoria do medalhão”, o genial Machado de Assis tematiza essa questão: o idiota que ascende social e politicamente com um discurso tosco, com vocabulário paupérrimo, sem conhecer legislação ou etiqueta social, valendo-se de piadas infames. É, enfim, alguém que deseja parecer o que não é.

Lembro que, anos atrás, tentando qualificar um indivíduo dessa estirpe, uma amiga saiu-se com: “Ele é um sujeito ‘exótico’, não sabe sequer portar-se à mesa”. De fato, dependendo do ambiente, o sujeito passa vergonha se não se recolher à sua condição de idiota.

No conto machadiano, o jovem completou 21 anos, encerrou-se a festa e o pai chama-o para uma conversa “de homens adultos”, ensinando como ser um “medalhão”. De antemão, deve-se dizer que o pai é um sujeito socialmente frustrado que deseja realizar-se no futuro do filho, o que começa por um emprego público estável e bons rendimentos mensais.

A sempre estupenda ironia de Machado de Assis acha-se presente (aliás, ironia que se tornou proibitiva nos dias atuais, as pessoas não entendem uma ironia e acreditam que se trata de deboche raso): o pai aconselha o filho a abrir mão de ideias próprias, portanto, ele não deve manifestar a sua opinião, apenas concordar com o interlocutor; deve mudar os seus hábitos adolescentes, alterar os seus gostos, os seus costumes etc. com vistas a agradar a sociedade.

O pai afirma que o filho deve ter um vocabulário bastante limitado, ter pouco conhecimento para não se intrometer em discussões que possam melindrar pessoas influentes (detentoras de poder político/econômico), deve valer-se de piadas simples, que não exijam raciocínio. Contudo, é importante que conheça algumas frases feitas, aquelas usadas pelo senso comum e que possam ser introduzidas em momentos oportunos para causar impacto entre os ouvintes, “pérolas da sabedoria popular”.

O candidato a medalhão deve desprezar qualquer originalidade – tudo que for novo deve ser rechaçado, afinal, as pessoas, de uma forma geral, são muito apegadas aos seus hábitos, aos seus costumes, querem a permanência do seu modo de vida, da sua estabilidade. Elas têm medo da mudança! É conveniente mantê-las com esse medo e acomodadas em seu conservadorismo. Jamais provocar indagações, fazer questionamentos: ninguém gosta de pensar, é cansativo!

Há um trecho bem interessante: não explique sobre criação de carneiros, mate alguns carneiros e ofereça-os como jantar aos seus amigos/conhecidos. É importante nessa ação – o jantar – fazer a sua divulgação: notas em jornais, por exemplo. Aliás, todo acontecimento envolvendo um medalhão deve ser notícia. As pessoas precisam/devem lembrar-se dele. Se a ação teve algum mérito, pouco importa; o importante é aparecer.

Os conselhos não param por aí: é fundamental frequentar lugares conhecidos (“da moda”) e ser fotografado ao lado de pessoas famosas, personalidades conhecidas não importando o setor a que pertençam (trata-se do nosso tradicional “papagaio de pirata”).

Por fim, se tiver a oportunidade de discursar, o medalhão deve comover o público, fazê-lo emocionar-se, reafirmando, claro, o seu compromisso com os mais necessitados, com a paz e...”cê sabe, né”?!

O pai encerra a conversa, convida o filho para recolherem-se e admite certa semelhança entre a sua fala e as palavras de Nicolau Maquiavel, em “O Príncipe” (que, claro, um medalhão nunca terá lido).

Texto: Profa. Dra. Elaine dos Santos
Ilustrações: Jornal Rio de Flores

Profa. Dra. Elaine dos Santos. Natural de Restinga Seca/RS. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. Autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em mais seis livros nas áreas do Direito, História e Literatura. Atuou como professora no ensino médio, na graduação e na pós-graduação. É revisora de textos acadêmicos. Cronista com participação em mais de 80 antologias. Antologista, com três antologias já organizadas. Participa de várias academias literárias gaúchas e nacionais. É detentora da Comenda “Cícero Pedro de Melo”, concedida pela Câmara Literária de Pomerode”, de Pomerode/SC; da Comenda “Maria Firmina dos Reis, concedida pelo Instituto Internacional Cultura em Movimento, Mundo Cultural World e Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares; e da Comenda Barão de Mauá, honraria concedida pela Academia de Letras e Artes de Arroio Grande – ALAAG, de Arroio Grande/RS.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão





Um comentário:

  1. É maravilhoso tê-la nesse blog e uma honra lê a sua coluna, querida. Sempre com abordagens exclarecedoras e temáticas interessantes para todo aquele que deseja se deleitar com uma boa leitura.
    Parabéns pelo seu talento!
    Sucesso.

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