quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

 

Figura 1: Ilustração Jornal Rio de Flores

Minha história tem por base uma entrevista que assisti no Youtube. O entrevistado era um eminente psiquiatra forense.  Ele fez-me lembrar de um episódio que vivenciei, junto com meus alunos faz tempo. No “causo” que vou narrar, eu agi, inconscientemente, aplicando o princípio “Lobo não come lobo”, que na época eu desconhecia! Mais adiante comentarei sobre a entrevista do médico.

Nesse meu caso, ao que eu quero fazer referência, é simples; passou-se numa sala de aula, curso noturno, para programadores de sistemas, no qual eu ministrava a disciplina de Organização e Métodos (O&M). Éramos no máximo 30 pessoas. A porta da sala ficava ao fundo, de forma que eu, o professor, de frente para os alunos, tinha total controle sobre pessoas que entravam e saiam durante a aula. Turma assídua, mas naquele dia, faltavam três alunos; mesmo assim, dei início à aula programada. Decorridos no máximo vinte minutos, já estávamos cumprindo o programa previsto à matéria. Naquele momento, decorria a apresentação dos trabalhos de grupo. Minha função era organizar o tempo de cada equipe e avaliar o desempenho e o conteúdo. Valia nota de aprovação!

De pé, à minha frente, uma aluna dedicada fazia sua explanação detalhada, segurando sobre o braço esquerdo um calhamaço de papel, de onde ela buscava as informações que o seu grupo havia pesquisado. Segura de si, ela não tremia a voz! Todos estavam atentos ao que ela falava! Tudo parecia muito normal! Eu, sentado, tinha pequena mesa de professor como anteparo; ouvia com admiração aquela aluna, e com atenção, também, observava a reação dos demais alunos. Comportamento altamente responsável de todos, como é natural a uma turma de adultos. Eram alunos com muita maturidade, provenientes do Banco do Brasil, instituição que havia contratado o curso.

Em certo momento, percebi que alguma coisa fora do combinado poderia acontecer na sala. Pelas atitudes e movimentação, ao fundo da sala, vi que dois assaltantes haviam entrado no recinto. Para não propagar o pânico, já que os alunos ainda não haviam percebido o perigo, interrompi abruptamente a apresentação da aluna e, com voz segura e sonora, fiz a declaração da situação emergencial que iriamos passar.

Algo assim: - “Por favor senhoras e senhores, vou interromper a apresentação. Peço desculpas! Estamos numa emergência. Mantenham-se sentados e calmos. Não reajam, nem entrem em pânico! Temos ao fundo da sala dois assaltantes armados!”

Portanto, informei a cena que eu estava presenciando em detalhes. Foram momentos muito desagradáveis, alertando para que os alunos mantivessem calma. Enquanto isso, os dois bandidos, já tendo sacado as armas, recolhiam valores e bens, conforme cada pessoa entregava a força. Um dos alunos ainda tentou esconder um cordão de ouro valioso, no que foi prontamente ameaçado de morte, de forma violenta. Cheguei a ver o momento em que o assaltante, friamente, armou o gatilho, para disparar em direção do aluno. Iria atirar, certamente! Num rompante, falei diretamente ao aluno; pedi que, imediatamente, entregasse o cordão e a medalha. Fui ríspido com o assaltante! Gritei firmemente algumas palavras, num jargão tipo ordem unida, para que ele abaixasse a arma.  Na época não havia celulares, como os de hoje; relógios de pulso, sim, eram a febre de ostentação de consumo na época. Arrancavam à força joias diversas, sem esquecerem das alianças. Dinheiro vivo era o alvo principal; não queriam saber de talão de cheques, tampouco de cartão de crédito. Algumas das mulheres começaram a esboçar crises emocionais, o que tornou os meliantes mais agressivos e grosseiros, usando linguajar de baixo calão. Sem me intimidar, falando sempre com todos, dei uma bronca nas mulheres, alertando para o perigo da situação. Usei de toda a minha autoridade de professor naquele momento, mandando-as se calar! Dos homens notei atitudes de confrontamento, alguns pareciam ensaiar um ataque físico direto. Eu até pensei “vou me levantar da mesa”, mas fui prudente e permaneci sentado, afinal de contas, um dos bandidos, me apontava um revólver, calibre 38, bem pertinho da cabeça, enquanto o outro fazia a limpa nas bolsas. Além do cano, eu via nitidamente as balas.!

Eu temia que houvesse pânico; continuei a “comandar” as atitudes dos alunos e assaltantes. O meu nervosismo estava misturado à responsabilidade de professor! Qual último herói a fugir do naufrágio, fui recomendando a todos serem conscientes da gravidade! Impus uma certa coragem, para entregarem mais rápido seus pertences, facilitando daquela forma a ação dos assaltantes. Acreditava eu, naquele momento, que, se fossemos mais rápidos, poderíamos nos livrar daquela aterradora situação. Foi meu melhor teste de inteligência emocional! Juro que, naquela altura dos acontecimentos, se eu levantasse as pernas não me sustentariam. Tremiam muito!

No início do assalto, eu escutava a repreensão dos bandidos, no sentido de calar a minha boca, caso contrário, iriam encher-me de chumbo etc. Junto com suas ameaças, eles caprichavam “elogios” à minha santa mamãe! Fazer o que?  Não parei de falar! Inclusive passei a me dirigir também aos dois criminosos, com palavras firmes de orientação, visando melhorar a organização e método no assalto. Afinal, eu estava ali pago para ensinar Organização & Métodos, não é verdade? Foi assim que eu os convenci a irem embora, quando nada mais havia a roubar. Lembro que até, ridiculamente, recomendei que eles ocultassem as armas ao saírem na rua. Já tinham tido muita sorte.

De fato, foram saindo! Mas..., nem bem a turma recobrava a respiração, após aqueles momentos angustiantes, ei-los a retornar, trazendo sob mira das armas os três alunos que estavam atrasados e haviam se escondido no corredor, pensando livrarem-se da primeira fase do assalto. Um dos alunos retardatários, por estar nervoso, talvez, ao cruzar com os bandidos, deixou escapar um comentário do gênero “Chiiii! Olha, eles estão armados!” Pronto! Foi o bastante para despertar nos assaltantes os sentimentos de psicopatas ferozes!

Naquele momento, felizmente, já me sobrava “experiência”, em matéria de lidar com assaltantes, sempre conferindo máxima eficiência e eficácia na organização da ação. Nem pensei duas vezes! Com voz de autoridade e “rosnando” ordens, tomei na marra a liderança do segundo assalto, naturalmente visando o bem de todos. Na segunda etapa do evento, os assaltantes já não mais me ordenavam calar a boca, nem lembravam mais daquelas “virtudes” de mamãe; simplesmente, pediam, “Por favor! Fala baixo, que é melhor!”.  Em poucos e míseros minutos a coisa terminou bem; nenhum tiro disparado, ninguém ferido! Uma moça, dentre as mais jovens chegou a desmaiar, mas logo depois se recuperou. O final da história, como poderão imaginar, foi longo, não fugindo ao tradicional BO na delegacia etc. Mas isso não vem ao caso narrar. Eu perdi um belíssimo relógio de marca que, a duras penas, eu ainda estava pagando prestações. Todos haviam de certa forma perdido alguma coisa para os bandidos, menos aquela impávida figura, da aluna que estava o tempo todo de pé, como estátua de jardim, e que tinha paralisado literalmente sua apresentação, justamente na hora que o assalto teve início. Por incrível que possa parecer, ao final, ela festejava feliz, sacudindo o braço esquerdo, ostentando nos dedos da mão, além da aliança, belos anéis com pedras preciosas e, no pulso, algumas pulseiras e o belo relógio de ouro, que tinham ficado cobertos, pelas folhas do trabalho de grupo. Foi a única que nada perdeu! O bom espírito brasileiro dos zombadores, também compareceu ao final. Os alunos faziam troça comigo, em razão da minha atuação de liderança durante a ação dos bandidos, dando-me destaque como sendo um possível membro da quadrilha, pela forma proativa como eu atuei, comandando as ações durante o evento.

A título de curiosidade, devo citar que, na delegacia, ficamos sabendo que aquela dupla era de altíssima periculosidade; havia assassinado um advogado à tarde, no seu escritório, no mesmo prédio, um pouco antes de assaltarem nossa sala. Ao mandarem o advogado abrir um armário, atiraram na cabeça dele, quando perceberam que havia uma arma dentro do cofre.

Foi assim que, como se costuma dizer, “a ficha caiu”; e pudemos perceber a gravidade real daqueles momentos que tínhamos passado!  

Figura 2: Quadro: “Evolução e Relatividade”, por Rocha Maia- 2006

Violência de Psicopata! O que fazer quando a vítima é você? Essa pergunta é pertinente, quando alguma violência, inusitada, acontece com você! Lembrei-me da questão, após ter assistido a tal entrevista daquele psiquiatra forense. Nela, o médico abordava psicopatias e como identificar uma personalidade antissocial. Muito interessante e didático na sua impecável apresentação. Em determinado ponto, ele fazia referência ao comportamento de confrontamento típico dos psicopatas, quando citou resumidamente a frase “Lobo não come lobo!”.

Muitas vezes, por falta de preparo psicológico, sofremos com a violência gratuita! Somos humilhados, magoados, diante de situações indesejadas, mas reais, quando nos deparamos com pessoas portadoras de transtornos de personalidade antissocial, chamados psicopatas. Não são loucos, apenas são pessoas cujas personalidades estão padecendo de algum tipo de distúrbio psicológico sério e grave. São pessoas que estão numa zona limítrofe. Estão entre o comportamento normal e a loucura, expondo assim algum distúrbio psíquico. Uma pessoa normal também pode, sob determinadas condições emocionais, perder a paciência, se irritar de forma a ficar excessivamente nervosa, demonstrando contrariedade de maneira grosseira e até violenta; porém, por ser normal, é capaz de recobrar o controle da situação; e refazer o mal-entendido ou apagar alguma contrariedade que, socialmente, possa ter sido criada, em determinado instante do desequilíbrio emocional.

Dizem que há casos de pessoas que se tornaram, afetivamente, simpáticas a seus sequestradores ou violentadores. Isso pode ocorrer após algum sério desentendimento, quando as partes envolvidas descobrem e reconhecem pontos de equivocado julgamento de questões banais; e, após um simples pedido de desculpas, conseguem ver qualidades humanas no agressor. Contudo, isso não ocorre com personalidades patologicamente doentes, do tipo “aparência-normal”.  São capazes de agir com crueldade e fúria desmedidas, ao ponto de cometerem crimes abomináveis, em série, de forma “prazerosa” para egos doentios. Em instantes, essas pessoas, se tornam verdadeiramente criminosos psicopatas, na forma “serial killer”, buscando tornarem-se célebres; não sentem qualquer tipo de arrependimento ou culpa. Egos doentes tendem a sentir inveja e são extremamente egoístas! Se puder, evite-os sempre.

Não quero adentrar minha abordagem nessa vertente patológica, apenas pretendi descrever a experiência que tive, frente a uma situação inusitada, na qual fui obrigado a lidar com a violência no gênero do terrorismo iminente. Naquela ocasião, sem perceber, eu usei exatamente a postura que o psiquiatra expunha na citada entrevista, na qual citava “Lobo não come lobo!”. Os longos anos de experiência, como psiquiatra forense, legou o médico a ter vivência única com pessoas, acusadas de crimes de muita violência, sobre as quais, os juízes e os jurados, necessitavam de um diagnóstico seguro, sobre a real situação do estado psicopatológico do criminoso, em alguns casos confessos. Notava o psiquiatra, dentre as características de portadores de psicopatologias, que além de mentirem com inteligência, criando narrativas fantasiosas, eles eram capazes de enfrentar promotores, testemunhas e policiais, num confronto direto, cara-a-cara, mantendo atitude de oposição às autoridades. Ele próprio, o psiquiatra, após passar por algumas situações complicadas de violenta oposição, durante consultas, visando diagnóstico de réus famosos, percebeu que teria de valer-se de algum comportamento diferente daquele que, simplesmente, se punha fazendo perguntas educadamente, esperando obter respostas civilizadas, francas e pacíficas. Foi quando ele lembrou e aplicou o princípio lógico do provérbio “Lobo não come lobo!”.

O psiquiatra percebeu que, ao perguntar educadamente ao criminoso algumas peculiaridades a respeito do crime, a resposta do meliante vinha na forma de grave ameaça verbal e intimidatória à sua pessoa. Notou também, que não poderia continuar a tentar obter um diagnóstico positivo da consulta, apenas falando num tom de voz educado, talvez apaziguador. Notou ainda que não poderia nunca demonstrar algum temor, por menor que fosse. Mudou o tom, e na mesma forma de palavreado grosseiro e rude, usado pelo criminoso, passou a proferir as demais perguntas. A simples modificação de sua atitude verbal, no enfrentamento ao “paciente”, foi suficiente para estabelecer a comunicação como ele necessitava, para obter os dados a serem usados no laudo pericial forense. Ele concluiu que as pessoas que, durante um relacionamento, estabelecem algum padrão comum de comunicação, tendem a evitar confrontos prejudiciais e desnecessários. Portanto, constatou o médico que, até oponentes, reconhecem o valor da cooperação, e respeitam a coragem adversária, preferindo ceder e abrandar o diálogo, em lugar de confrontar e desafiar a valentia do opositor.

Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, 

em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de 

Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro;

e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de 

artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em 

salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos 

acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des 

Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes 

também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França,

 Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em 

Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 

2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista 

digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas 

artes. 


Edição e Direção Geral
Renato Galvão


Luiz 

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