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| Figura 1: Ilustração Jornal Rio de Flores |
Minha história tem por base uma entrevista que
assisti no Youtube. O entrevistado era um eminente psiquiatra forense. Ele fez-me lembrar de um episódio que
vivenciei, junto com meus alunos faz tempo. No “causo” que vou narrar, eu agi, inconscientemente,
aplicando o princípio “Lobo
não come lobo”, que na época eu desconhecia! Mais adiante comentarei sobre a
entrevista do médico.
Nesse
meu caso, ao que eu quero fazer referência, é simples; passou-se numa sala de
aula, curso noturno, para programadores de sistemas, no qual eu ministrava a
disciplina de Organização e Métodos (O&M). Éramos no máximo 30 pessoas. A
porta da sala ficava ao fundo, de forma que eu, o professor, de frente para os
alunos, tinha total controle sobre pessoas que entravam e saiam durante a aula.
Turma assídua, mas naquele dia, faltavam três alunos; mesmo assim, dei início à
aula programada. Decorridos no máximo vinte minutos, já estávamos cumprindo o
programa previsto à matéria. Naquele momento, decorria a apresentação dos
trabalhos de grupo. Minha função era organizar o tempo de cada equipe e avaliar
o desempenho e o conteúdo. Valia nota de aprovação!
De
pé, à minha frente, uma aluna dedicada fazia sua explanação detalhada,
segurando sobre o braço esquerdo um calhamaço de papel, de onde ela buscava as
informações que o seu grupo havia pesquisado. Segura de si, ela não tremia a
voz! Todos estavam atentos ao que ela falava! Tudo parecia muito normal! Eu,
sentado, tinha pequena mesa de professor como anteparo; ouvia com admiração
aquela aluna, e com atenção, também, observava a reação dos demais alunos. Comportamento
altamente responsável de todos, como é natural a uma turma de adultos. Eram
alunos com muita maturidade, provenientes do Banco do Brasil, instituição que
havia contratado o curso.
Em
certo momento, percebi que alguma coisa fora do combinado poderia acontecer na
sala. Pelas atitudes e movimentação, ao fundo da sala, vi que dois assaltantes
haviam entrado no recinto. Para não propagar o pânico, já que os alunos ainda
não haviam percebido o perigo, interrompi abruptamente a apresentação da aluna
e, com voz segura e sonora, fiz a declaração da situação emergencial que
iriamos passar.
Algo
assim: - “Por favor senhoras e senhores, vou interromper a apresentação. Peço
desculpas! Estamos numa emergência. Mantenham-se sentados e calmos. Não reajam,
nem entrem em pânico! Temos ao fundo da sala dois assaltantes armados!”
Portanto,
informei a cena que eu estava presenciando em detalhes. Foram momentos muito
desagradáveis, alertando para que os alunos mantivessem calma. Enquanto isso,
os dois bandidos, já tendo sacado as armas, recolhiam valores e bens, conforme
cada pessoa entregava a força. Um dos alunos ainda tentou esconder um cordão de
ouro valioso, no que foi prontamente ameaçado de morte, de forma violenta.
Cheguei a ver o momento em que o assaltante, friamente, armou o gatilho, para
disparar em direção do aluno. Iria atirar, certamente! Num rompante, falei
diretamente ao aluno; pedi que, imediatamente, entregasse o cordão e a medalha.
Fui ríspido com o assaltante! Gritei firmemente algumas palavras, num jargão tipo
ordem unida, para que ele abaixasse a arma. Na época não havia celulares, como os de hoje;
relógios de pulso, sim, eram a febre de ostentação de consumo na época. Arrancavam
à força joias diversas, sem esquecerem das alianças. Dinheiro vivo era o alvo
principal; não queriam saber de talão de cheques, tampouco de cartão de
crédito. Algumas das mulheres começaram a esboçar crises emocionais, o que
tornou os meliantes mais agressivos e grosseiros, usando linguajar de baixo
calão. Sem me intimidar, falando sempre com todos, dei uma bronca nas mulheres,
alertando para o perigo da situação. Usei de toda a minha autoridade de
professor naquele momento, mandando-as se calar! Dos homens notei atitudes de confrontamento,
alguns pareciam ensaiar um ataque físico direto. Eu até pensei “vou me levantar
da mesa”, mas fui prudente e permaneci sentado, afinal de contas, um dos
bandidos, me apontava um revólver, calibre 38, bem pertinho da cabeça, enquanto
o outro fazia a limpa nas bolsas. Além do cano, eu via nitidamente as balas.!
Eu
temia que houvesse pânico; continuei a “comandar” as atitudes dos alunos e
assaltantes. O meu nervosismo estava misturado à responsabilidade de professor!
Qual último herói a fugir do naufrágio, fui recomendando a todos serem
conscientes da gravidade! Impus uma certa coragem, para entregarem mais rápido
seus pertences, facilitando daquela forma a ação dos assaltantes. Acreditava eu,
naquele momento, que, se fossemos mais rápidos, poderíamos nos livrar daquela
aterradora situação. Foi meu melhor teste de inteligência emocional! Juro que, naquela
altura dos acontecimentos, se eu levantasse as pernas não me sustentariam.
Tremiam muito!
No
início do assalto, eu escutava a repreensão dos bandidos, no sentido de calar a
minha boca, caso contrário, iriam encher-me de chumbo etc. Junto com suas ameaças,
eles caprichavam “elogios” à minha santa mamãe! Fazer o que? Não parei de falar! Inclusive passei a me
dirigir também aos dois criminosos, com palavras firmes de orientação, visando
melhorar a organização e método no assalto. Afinal, eu estava ali pago para
ensinar Organização & Métodos, não é verdade? Foi assim que eu os convenci
a irem embora, quando nada mais havia a roubar. Lembro que até, ridiculamente,
recomendei que eles ocultassem as armas ao saírem na rua. Já tinham tido muita
sorte.
De
fato, foram saindo! Mas..., nem bem a turma recobrava a respiração, após
aqueles momentos angustiantes, ei-los a retornar, trazendo sob mira das armas
os três alunos que estavam atrasados e haviam se escondido no corredor,
pensando livrarem-se da primeira fase do assalto. Um dos alunos retardatários,
por estar nervoso, talvez, ao cruzar com os bandidos, deixou escapar um
comentário do gênero “Chiiii! Olha, eles estão armados!” Pronto! Foi o bastante
para despertar nos assaltantes os sentimentos de psicopatas ferozes!
Naquele
momento, felizmente, já me sobrava “experiência”, em matéria de lidar com
assaltantes, sempre conferindo máxima eficiência e eficácia na organização da
ação. Nem pensei duas vezes! Com voz de autoridade e “rosnando” ordens, tomei
na marra a liderança do segundo assalto, naturalmente visando o bem de todos.
Na segunda etapa do evento, os assaltantes já não mais me ordenavam calar a
boca, nem lembravam mais daquelas “virtudes” de mamãe; simplesmente, pediam,
“Por favor! Fala baixo, que é melhor!”.
Em poucos e míseros minutos a coisa terminou bem; nenhum tiro disparado,
ninguém ferido! Uma moça, dentre as mais jovens chegou a desmaiar, mas logo
depois se recuperou. O final da história, como poderão imaginar, foi longo, não
fugindo ao tradicional BO na delegacia etc. Mas isso não vem ao caso narrar. Eu
perdi um belíssimo relógio de marca que, a duras penas, eu ainda estava pagando
prestações. Todos haviam de certa forma perdido alguma coisa para os bandidos,
menos aquela impávida figura, da aluna que estava o tempo todo de pé, como
estátua de jardim, e que tinha paralisado literalmente sua apresentação,
justamente na hora que o assalto teve início. Por incrível que possa parecer, ao
final, ela festejava feliz, sacudindo o braço esquerdo, ostentando nos dedos da
mão, além da aliança, belos anéis com pedras preciosas e, no pulso, algumas
pulseiras e o belo relógio de ouro, que tinham ficado cobertos, pelas folhas do
trabalho de grupo. Foi a única que nada perdeu! O bom espírito brasileiro dos zombadores,
também compareceu ao final. Os alunos faziam troça comigo, em razão da minha
atuação de liderança durante a ação dos bandidos, dando-me destaque como sendo
um possível membro da quadrilha, pela forma proativa como eu atuei, comandando
as ações durante o evento.
A
título de curiosidade, devo citar que, na delegacia, ficamos sabendo que aquela
dupla era de altíssima periculosidade; havia assassinado um advogado à tarde, no
seu escritório, no mesmo prédio, um pouco antes de assaltarem nossa sala. Ao mandarem
o advogado abrir um armário, atiraram na cabeça dele, quando perceberam que havia
uma arma dentro do cofre.
Foi
assim que, como se costuma dizer, “a ficha caiu”; e pudemos perceber a
gravidade real daqueles momentos que tínhamos passado!
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| Figura 2: Quadro: “Evolução e Relatividade”, por Rocha Maia- 2006 |
Violência de Psicopata! O que fazer quando a vítima é você? Essa pergunta é pertinente, quando alguma violência, inusitada, acontece com você! Lembrei-me da questão, após ter assistido a tal entrevista daquele psiquiatra forense. Nela, o médico abordava psicopatias e como identificar uma personalidade antissocial. Muito interessante e didático na sua impecável apresentação. Em determinado ponto, ele fazia referência ao comportamento de confrontamento típico dos psicopatas, quando citou resumidamente a frase “Lobo não come lobo!”.
Muitas
vezes, por falta de preparo psicológico, sofremos com a violência gratuita! Somos
humilhados, magoados, diante de situações indesejadas, mas reais, quando nos
deparamos com pessoas portadoras de transtornos de personalidade antissocial,
chamados psicopatas. Não são loucos, apenas são pessoas cujas personalidades
estão padecendo de algum tipo de distúrbio psicológico sério e grave. São
pessoas que estão numa zona limítrofe. Estão entre o comportamento normal e a
loucura, expondo assim algum distúrbio psíquico. Uma pessoa normal também pode,
sob determinadas condições emocionais, perder a paciência, se irritar de forma
a ficar excessivamente nervosa, demonstrando contrariedade de maneira grosseira
e até violenta; porém, por ser normal, é capaz de recobrar o controle da
situação; e refazer o mal-entendido ou apagar alguma contrariedade que,
socialmente, possa ter sido criada, em determinado instante do desequilíbrio
emocional.
Dizem
que há casos de pessoas que se tornaram, afetivamente, simpáticas a seus sequestradores
ou violentadores. Isso pode ocorrer após algum sério desentendimento, quando as
partes envolvidas descobrem e reconhecem pontos de equivocado julgamento de
questões banais; e, após um simples pedido de desculpas, conseguem ver
qualidades humanas no agressor. Contudo, isso não ocorre com personalidades patologicamente
doentes, do tipo “aparência-normal”. São
capazes de agir com crueldade e fúria desmedidas, ao ponto de cometerem crimes
abomináveis, em série, de forma “prazerosa” para egos doentios. Em instantes,
essas pessoas, se tornam verdadeiramente criminosos psicopatas, na forma “serial
killer”, buscando tornarem-se célebres; não sentem qualquer tipo de
arrependimento ou culpa. Egos doentes tendem a sentir inveja e são extremamente
egoístas! Se puder, evite-os sempre.
Não
quero adentrar minha abordagem nessa vertente patológica, apenas pretendi descrever
a experiência que tive, frente a uma situação inusitada, na qual fui obrigado a
lidar com a violência no gênero do terrorismo iminente. Naquela ocasião, sem
perceber, eu usei exatamente a postura que o psiquiatra expunha na citada
entrevista, na qual citava “Lobo não come lobo!”. Os longos anos de experiência,
como psiquiatra forense, legou o médico a ter vivência única com pessoas, acusadas
de crimes de muita violência, sobre as quais, os juízes e os jurados,
necessitavam de um diagnóstico seguro, sobre a real situação do estado psicopatológico
do criminoso, em alguns casos confessos. Notava o psiquiatra, dentre as
características de portadores de psicopatologias, que além de mentirem com
inteligência, criando narrativas fantasiosas, eles eram capazes de enfrentar promotores,
testemunhas e policiais, num confronto direto, cara-a-cara, mantendo atitude de
oposição às autoridades. Ele próprio, o psiquiatra, após passar por algumas
situações complicadas de violenta oposição, durante consultas, visando
diagnóstico de réus famosos, percebeu que teria de valer-se de algum comportamento
diferente daquele que, simplesmente, se punha fazendo perguntas educadamente,
esperando obter respostas civilizadas, francas e pacíficas. Foi quando ele
lembrou e aplicou o princípio lógico do provérbio “Lobo não come lobo!”.
O
psiquiatra percebeu que, ao perguntar educadamente ao criminoso algumas
peculiaridades a respeito do crime, a resposta do meliante vinha na forma de grave
ameaça verbal e intimidatória à sua pessoa. Notou também, que não poderia continuar
a tentar obter um diagnóstico positivo da consulta, apenas falando num tom de
voz educado, talvez apaziguador. Notou ainda que não poderia nunca demonstrar
algum temor, por menor que fosse. Mudou o tom, e na mesma forma de palavreado
grosseiro e rude, usado pelo criminoso, passou a proferir as demais perguntas.
A simples modificação de sua atitude verbal, no enfrentamento ao “paciente”,
foi suficiente para estabelecer a comunicação como ele necessitava, para obter
os dados a serem usados no laudo pericial forense. Ele concluiu que as pessoas que, durante um
relacionamento, estabelecem algum padrão comum de comunicação, tendem a evitar confrontos
prejudiciais e desnecessários. Portanto, constatou o médico que, até oponentes,
reconhecem o valor da cooperação, e respeitam a coragem adversária, preferindo
ceder e abrandar o diálogo, em lugar de confrontar e desafiar a valentia do opositor.
Ilustração: Jornal Rio de Flores
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente,
em Rio
das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de
Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro;
e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de
artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em
salões de artes plásticas.
Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos
acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des
Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes
também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França,
Itália, Espanha,
Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em
Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora –
2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista
digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas
artes.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |



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