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| Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores |
Nem sei se havia,
anteriormente, algum outro cabaré naquela Vila! Se existia, me perdoem as
caftinas mais antigas, eu não tenho como informar! Portanto, sem querer ferir
sentimentos, conto aqui essa história, na forma como me foi passada.
Não importa quem
me contou, nem quando, tampouco como me contou. Era pessoa boa de proza, desses
contadores de histórias que nos fascinam, desde as primeiras palavras. Fiquei
ouvindo; e fui perguntando, para saber o final!
Assim a história foi
contada: O nome da rapariga, entre amigos, era Fatinha, forma carinhosa que a
tratavam os mais chegados nas intimidades do local, o Cabaré. Um dia, ela
deixou escapar o nome de batismo, Maria de Fátima! Nome de santidade! Baixinha,
corpo redondinho, pele morena, cabelos negros. Não era feia, mas ficava longe
de ser considerada como moça bonita. Aliais, moça mesmo ela nunca chegou a ser;
passou de garota precoce a mulher, numa trepada só! Fingiu que não gostou; no
fundo mesmo, adorou! Não possuía atributos de valor atrativo para a profissão,
mas é fato, ela conhecia bem do métier! Numa corruptela típica da linguagem do povão, alguém ouviu
a forma afrancesada e facilitou a tradução! Logo, todos repetiam: “Ela conhece
bem, de “metê”!”
Do seu pai ela
nunca soube o paradeiro; ele bebia tudo, na cachaça se enterrou!
Da mãe se lembrava
pouco, mas acreditava ser parecida! Certo dia, sua mãe largou os filhos, cansou
de tanto sofrimento, e sumiu! Fatinha, estudou pouco, caiu cedo na vida!

Figura 2: Quadro: “Com barata é mais barato!”, por Rocha Maia
Fatinha, por ignorância ou gosto pela coisa, não sabendo evitar, acabou pegando a primeira gravidez; um nenê a crescer na barriguinha de uma “criança”. Depois do primeiro filho, vieram mais dois. Daquele jeito, virou presa fácil da caftinagem, precisava trabalhar mesmo. Procurou emprego como doméstica, infelizmente acabou naquele mesmo estabelecimento, onde havia deitado com um homem pela primeira vez. Lá, foi acolhida e conheceu outras “moças”. Trabalhavam e “TRABALHAVAM”, sem descanso! Ao menos, tinha segurança, um quarto, com colchão de crina, para dormir com as suas crianças; comida; e água-de-cheiro para disfarçar um pouco a murrinha do corpo.
Por força dos bons costumes, como se exigia na época, todo
estabelecimento de tolerância, era obrigado, durante o dia, a ter aparência
comum, bem discreta e simples, se possível com ares de casa de família. O local
disfarçava bem os serviços prestados à noite, quando passava a ser cabaré de
zona! Na verdade, todos sabiam o que funcionava ali, o interesse político
impedia que as autoridades proibissem. Assim o povo comentava!

Figura 3: Quadro: “O Primeiro Cabaré...”, por Rocha Maia
Fatinha, durante o dia, cuidava dos serviços do pequeno restaurante popular. Comida bem barata! Os próprios clientes costumavam fazer piada, dizendo que ali, com tanta barata, os preços tinham de ser mesmo mais baratos! Temperada à moda mineira, com muita pimenta do reino, bastante cebola, alho, e de vez em quando um pouco de torresmo. O Cardápio? Esquece! Lá não tinha essa frescura, porque todos os dias era, praticamente, a mesma coisa para servir!
À noitinha, o que rolava no salão, embalado pelo som da viola,
zabumba e sanfona, era muito arrasta-pé e bebida forte. Acontecia então a
“mutação” do ambiente no Cabaré. Quem não gostasse de sentir cheiro de sovaco e
perfume barato, era só ficar do lado de fora. Depois das dez horas da noite, as
“meninas” eram liberadas para começar o “segundo-tempo” do “jogo”. O primeiro
tempo era gasto com estímulos, para os homens beberem bastante, além do consumo
de tira-gostos, podendo então os fanfarrões contar potocas! Tinha gente com
“desempenho” sexual muito maior do que o registrado no livro de recordes, mas
não era permitido se embriagar. O pessoal da casa já sabia que, bebida em
excesso, não dava lucro! Sempre acabava em brigas e quebra-quebra!
Fatinha, pelo bom exemplo no salão, logo foi guindada à
posição de “rapariga-modelo”! Com ela, o faturamento da casa andava sempre
alto, os abusos de clientes eram mínimos e a satisfação da caftina era total. Pelo
pouco tempo de escola, Fatinha trazia nadica de conhecimento letrado, porém
tinha boa inteligência e logo aprendia a fazer novidades, na cama, para o
prazer dos clientes! Mas, como sempre pode acontecer, um dia, Fatinha se
enrabichou por um daqueles clientes mais assíduos. Ela não podia renunciar ao
faturamento, mas aconteceu a paixão! Fazer o quê? Com aquele homem, ela nem
queria cobrar, mas era proibido! A Caftina não abria mão de cobrar pelos
“serviços”!
Ninguém ousava dizer nomes de clientes. Questão ética! Por
comentários de outros, diziam eles que a rapariga fazia tudo rapidinho, até
fingia gozar. Entretanto, só com o preferido, Fatinha demorava mais que o
normal, sorria mais que o natural; e até sorria mordiscando o lábio inferior no
canto da boca, de tanto que gostava de estar na cama com ele. Aquele tique era o
sinal inequívoco de que a mulher estava completamente satisfeita; como se
costuma dizer, sentia tesão! Um dia, ela desapareceu do Cabaré, com filhos e
tralha completa. Os dias foram se passando; ninguém sabia por onde andava a
baixinha Maria de Fátima! Fatinha, para os amigos, não deixou rastro, nem
sombra! Só ficou muita saudade!
Para não dizer que a história terminou sem um final feliz,
vou lhes contar o que sei! Andaram perguntando, anos depois, se alguém lembrava
da sumida rapariga. Foi quando, com coragem, uma das “meninas” falou sobre o
que havia acontecido. Contou o final da história, da saudosa baixinha e dos
filhos. Jurou, de pés juntos, que era verdade! Dizia que, alguns meses depois
do desaparecimento, chegou um papel dos Correios trazendo notícias. Nem
assinatura havia, mas o assunto denunciava quem era remetente!
Dizia a cartinha: -“Minha saudadi é muinta, mais quero tranquiliza ocês. Sei bem qui errei,
ao disparecer sem da razão. Me perdoim! Mais eu tinha que tumar a decisão rapidinho.
Tive medo di fala com ocês antis di parti. Eu nam queria nem pensar desisti,
caso alguma de ocês tentasse muda eu na decisão de fugi. Eu, meus fio e, agora
posso contá, meu homi, estamo muito bem! Graça a Deus, aqui sô tratada acomo dona
da casa, esposa do fazendero. Moro numa casa confortávi, tenho de um tudo; e
ele não deicha fartá nada. Foi pachão que brotou no quarto dos fundu du Cabaré!
Ocês conheci lá! Virô amô verdaderio, e assim dicidimu ajunta. Ele é rico,
viuvo e não tevi fio. Nu iníci fiquei cum medu, mais ele foi bão cumigo. Me
trata cum dignidadi, inté respetio. A viage foi compricada, promoi que os meu minino
não istava apreparadu pra mudá. Filizmenti, agora, já tão mais alegri. Não porometo
ir visita ocês; ispero qui ocês saiba perdoa. Reza por eu! Eu rezo pur ocês! Crediti,
ocês tenhão mutia fé, pormoi qui a felicidadi ezisti sim! Eu incontrei a minha.
Sejão abençoadas por Deus! Recebe meu bejim. Fim!”
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente,
em Rio das Ostras. Em 2023,
completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de
Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro;
e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de
artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em
salões de
artes plásticas.
Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos
acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des
Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes
também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França,
Itália, Espanha,
Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em
Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010;
o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista
digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas
artes.


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