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| Figura 1: Ilustração Jornal Rio de Flores |
Todas as vezes que você ouve alguém falar que nunca conseguiu desenhar na vida, que não sabe fazer um círculo ou uma reta, que não nasceu com dons ou talento para artes plásticas, pode ficar certo de uma coisa: trata-se de uma declaração de pura fuga. Simples subterfúgio!
De
maneira geral, o ser humano não gosta de se expor, sem maiores razões, para mostrar
as fraquezas, mesmo que por puro complexo de inferioridade. Não gostamos de mostrar
os nossos possíveis pontos fracos. Creio que esse comportamento, negacionista
de dons e de talentos, está presente em diversas outras áreas de aprendizado de
atividades humanas, sejam elas artísticas, esportivas, religiosas, científicas
etc.
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| Figura 2: Quadro: "Ciranda da Rapadura" por Rocha Maia |
Não se sabe exatamente por qual motivo isso acontece; os “autoproclamados-não-portadoras-de-dons-e-de-talentos-natos”, especialmente no caso daqueles presentes nas artes em geral, são useiros e vezeiros em negar, a si mesmos, a simples oportunidade de experimentar o desafio da criatividade. Até naquele tipo de inventividade banal, algo inerente aos processos mais comuns de trabalhos manuais ou artesanato. Nesse ponto, somos duros de roer como rapadura, para aceitar um simples convite para experimentar algumas pinceladas artísticas. Certamente, os estudiosos da psicologia humana saberão melhor informar, sobre razões ou motivos, para essa autonegação de competências. Somos seres muito complexos! Querem ver como somos complicadinhos? Para deixar alguém sem graça e desconfortável? Convide alguém a passar algumas horas num ateliê de artes plásticas, para rabiscar qualquer coisa. Possivelmente, o convidado nem aceite pegar num lápis! É uma espécie de fobia!
Durante
aulas no SEBRAE/DF, só para provar como somos seres complicados, eu sugeria um
exercício muito simples, ao qual dava o nome de Ciranda da Rapadura. Servia
como alusão à transformação das pessoas, quando, durante o diálogo, alguma
coisa “esquenta”. Serve para mostrar como somos doces e macios, como a garapa
da cana de açúcar, antes de começar a endurecer no calor. Não é necessário
partir para a briga; basta esquentar o bate-papo. Experimente testar isso: vá
esticando a conversa mole com alguém; assunto cotidiano, sem gerar atritos. Comece
a olhá-la da cabeça aos pés! Não comente nada, sobre nenhum detalhe,
especialmente caso o interlocutor seja portador de anomalia ou tenha algum
tique! Apenas, por duas a três vezes, exercite esse olhar desafiador, enxerido!
Depois, continue o papo com a pessoa, porém olhe mais atentamente para os pés
dela. Perceba como a pessoa irá demonstrar um certo desconforto e,
possivelmente, irá esfriar e endurecer o relacionamento, podendo até encerrar o
diálogo rapidamente. É o efeito rapadura! Evite ser deselegante, tentando
continuar com olhares desconcertantes; peça desculpas se notar profunda
contrariedade por parte do interlocutor. Não perca amigos por insistir com o
teste!
Tem
um outro teste para esse tipo de desconforto, que, igualmente, demonstra como
somos seres de comportamento averso à livre demonstração de nossas fragilidades
ou intimidades. Numa outra oportunidade, de preferência com outra pessoa,
estabeleça um breve diálogo. Tenha cuidado, para não exagerar na dose desse
teste! Além de determinados limites, esse teste poderá causar algum problema
maior; e a vítima poderá ser você! Para não haver erro na aplicação deste
“jogo”, embora possa parecer brincadeira, recomendo que verifique se o seu
hálito está agradável e o desodorante usado, naquele momento, está dentro do
prazo de validade! Mais uma dica! Não realize o teste com alguma pessoa que
possa se apaixonar por você! Lembre-se de que o papo deve ser o mais informal
possível e leve. Nada de falar de religião, política ou futebol! Por fim, em
tempos de pandemias, se desconfiar que a pessoa esteja gripada, desista!
Vamos
então ao teste? Procure posicionar-se à frente da pessoa, algo em torno de um
metro e meio de distância. Dê início ao diálogo! Lentamente, sem precipitação,
vá avançando aos poucos na direção do interlocutor. Lembre-se, vá avançando,
lentamente, até uma distância que você perceba estar incomodando. Tente manter
diálogo, independente da distância já alcançada. Gesticule normalmente, sem
afetação dos seus movimentos. Avance mais um pouco, mais, mais, até quanto você
puder, e a pessoa aceite sua aproximação física. Caso a pessoa tente se afastar
de você, não a segure ou crie impedimentos, apenas continue a se aproximar
lentamente. Repare que, de pessoa para pessoa, a distância de aproximação
permitida será diferente, mas todos, em determinado instante, vão se recusar a
manter o diálogo com você. Não se trata de algum tipo de fobia, nem de racismo,
gênero etc. Apenas, o que você irá verificar é que existe um limite,
imperceptível a olho nu, uma fronteira, nesse processo de “invasão” da
intimidade do outro. Trata-se de um sentimento muito sutil, próprio de cada um,
para barrar a sua invasão da privacidade. As variáveis são muitas e podem ser
verificadas num estudo mais atento aos detalhes das reações à aproximação
física excessiva.
Portanto,
o que eu quero dizer? De certa forma, temos que “lutar”, para vencer a resistência
individual e conseguir ativar, nas pessoas, o interesse em descobrir os seus
talentos natos, democratizando o acesso de cada um ao estado da arte, naquilo
que resolva fazer de melhor. Nada à força é bom de ser obtido; para suprir o
mundo com seres humanos mais completos e aptos a trabalhar, muitas conquistas
são obtidas com amor e carinho naquilo que fazemos.
Acredita-se
que esses tipos de subterfúgios, negando a existência de competências e
talentos a nós próprios, decorra de fato simples: as pessoas desenvolveram, por
pura transferência cultural, uma herança, talvez mitológica, de civilizações
que cultuavam forte respeito aos denominados deuses, super-heróis, ou mestres,
tanto homens como mulheres, cujos feitos se destacavam especialmente nas
guerras, nas letras e nas artes. Acreditando que só aqueles que fossem “tocados”,
por um dom divino, poderiam merecer o direito de galgar o Olimpo, negavam a si
mesmos a possibilidade de possuírem dons e talentos dos grandes mestres, ditos
imortais.
Acreditamos
que, por sermos simples mortais, comuns como zé-povinho, não podemos ser “premiados”,
facilmente, com tamanha honraria; algo que nos torne imortais, para podermos
expressar sentimentos, por meio das artes. Infelizmente, muitos vivem
amargurados, presos às falsas premissas incapacitantes. Padecem de baixa
autoestima. Fazem as coisas de qualquer maneira, sem esmero ou qualidade. Acreditam,
por exemplo, ser inaptos para criar um pequeno desenho ou ingênua pintura, em
razão de negarem a si mesmos o direito de tentar tal desafio.
As
experiências dos professores de arte, em ateliês ou nas oficinas de criação, atestam
justamente o contrário. Todos, de alguma maneira, podem experimentar e
descobrir talentos. Ocorrem, durante as aulas práticas nos ateliês, aquilo que
chamamos de “Pequenos Milagres”!
Não
quero exagerar, mas deveria haver uma forma de “obrigar” todos a se submeterem,
pelo menos uma vez na vida, a esse tipo de desafio-experimental. Além de
permitir a revelação de valores artísticos, possibilitaria a muitos outros
jovens, adultos ou mesmo idosos, a chance de conhecer o lado do resgate de
talentos individuais, aparentemente perdidos, para a felicidade e a realização
de todos.
Ao
escrever essas coisas, lembro-me do exemplo da grande poetiza, também conhecida
doceira goiana Cora Coralina, cujo incrível trabalho literário, por longos anos,
foi guardado em gavetões antigos, até quando, já com mais de oitenta e cinco
anos, pode ter seu imenso talento literário apresentado ao mundo.
Como
isso não é facilitado a todos, se impõe um desafio! Permita a você mesmo, em
algum ateliê ou oficina de arte, conhecer esse seu desfio! A professora, grande
artista plástica, Joelma Pinheiro, no ateliê Deslumbra’Art, em Rio das Ostras, tem
reunido o testemunho de inúmeros casos de descobertas de talentos. Pessoas
simples e comuns, sem qualquer tipo de tratamento preferencial, revelam
extraordinários dons e talentos, na pintura e desenho artístico, graças à
própria força de vontade. Tudo bem! Entendo! Se você não quer dar a si mesmo
essa oportunidade, não negue a alguém, especialmente a quem você ama, essa
experiência reveladora de riquezas importantes, para a melhoria da vida.
Leve
essa pessoa que você conhece, que se sente deprimida, desesperançada, sem ver
luz no final do túnel, a ter esse contato tão simples, com o poder positivo das
energias da criação artística. Vá a um ateliê de artes, a uma oficina de
criatividade, e ofereça essa oportunidade de renascimento. É verdade que muitas
dessas pessoas, acabrunhadas pelas mazelas da vida, por si mesmas, jamais irão
procurar uma motivação por meio das artes.
As
igrejas estão cheias de pessoas de boa vontade, prontas para ajudar os
necessitados, oferecendo, com grandes benefícios, a caridade de um apoio
espiritual importante; mas isso não é suficiente! As Escrituras Sagradas também
orientam sobre Dons e Talentos.
No
meu caso, lembrando daqueles que passam pela vida, sem a oportunidade de
revelar seus dons e talentos, agradeço a Deus por ter-me dado um avô pintor
amador, e uma avó escritora de receitas; duas pessoas que me permitiram perceber
e sentir a vontade de desenhar, pintar e escrever desde muito criança. Primeiro,
eram os meus bonequinhos de palitos; hoje, eles formam ingênuas telas de arte
naïf. Atualmente, escrevo artigos, para o Jornal Rio de Flores, onde mantenho a
coluna Pinceis e Letras, com o incentivo do amigo artista e Editor Renato Galvão.
Para
atender terceiros, durante alguns anos, em Brasília, fiz a minha parte; consegui
manter o projeto “Avatar”, no meu ateliê Luz Dourada. Foi uma experiência na
qual eu investi recursos próprios; e, contando com a ajuda de parceiros,
consegui, através das artes plásticas, realizar, durante alguns anos, diversos
eventos arte-educativos. Denominei meu Projeto como “Avatar”, processo
metamórfico para a transformação ou mutação, descobrindo talentos nas artes.
Um
importante desdobramento desse projeto foi o Salão Infanto Juvenil Brincando
com Arte, no qual participavam crianças, jovens, bem como alunos especiais da
APAEDF, com o apoio e patrocínio oficial da CODEVASF. Com muito orgulho, até
hoje, consta o meu nome, no texto do site da empresa, dando crédito à minha
participação de liderança nos projetos culturais e artísticos daquela Estatal. “De
1999 a 2003, o Espaço Cultural foi administrado por um grupo de servidores da
Codevasf, liderado pelo então coordenador de Comunicação Social da empresa,
Luiz Roberto da Rocha Maia. Naquela época, os badalados “Salões Brincando com Arte”,
abordavam temáticas sobre o desenvolvimento da região do vale do rio São
Francisco, contando com a participação de milhares de estudantes de
Brasília/DF. Aquele foi um período de intensas atividades, com exposições
periódicas quinzenais, que atraiam o interesse de artistas locais e de outros
estados, como Rio de Janeiro, São Paulo, Goiás e Minas Gerais, bem como do
Nordeste, e a região do vale do São Francisco. Muitos foram os casos narrados,
por pessoas de várias idades, sobre o despertar de talentos adormecidos, que
dessa forma ajudaram a abrir portas de profissionalizações importantes, na vida
pessoal e na felicidade de famílias inteiras.
Ilustração: Jornal Rio de Flores
ROCHA MAIA. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras.
Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de
diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação
Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de
Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART,
Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil,
Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e
destaques em salões de artes plásticas.
Citado em
catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior;
bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ;
SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf
de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de
diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba,
França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três
vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio
aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo
“Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O
Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte
Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando
sobre a presença de animais como tema nas belas artes.



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