![]() |
| Figura 1 - Ilustração Jornal Rio de Flores |
A
história que vou narrar é quase verdadeira! Quase? Sim, porque não é contada
nos mínimos detalhes. Se trata, portanto, de simples narrativa criativa, com
pitadas de mentirinhas, com as quais procurei ocultar coisas que não quero
revelar; poderia ferir suscetibilidades de aspectos reservados da intimidade de
quem contratou a aquisição do quadro.

Figura 2 - Quadro: "Em Algum Lugar do Brasil - Por Rocha Maia
Esse artigo servirá como “guia de visitação”, capaz de esclarecer como a minha “caminhada” criativa resultou na referida imagem pintada! Tentarei ser conciso e simples, na contextualização da obra, pedindo aos leitores que interpretem a imagem, focando o olhar nas “meias-palavras” que foram pinceladas. Isso levará a um esforço de bons entendedores, para poderem traduzir informações metaforizadas na pintura, presentes nas entrelinhas deste artigo.
A historinha do quadro se inicia numa casual troca de mensagens, por meios de redes sociais. Fiquei surpreso e feliz, ao mesmo tempo, posto que o referido contato repetia, pela terceira vez, a encomenda de um quadro meu, pelo mesmo cliente, ao longo de alguns anos. Fui procurado por uma representante da empresa interessada. Na função de executiva da contratante, ela havia encontrado meu e-mail no Linkedin. Estabelecido o novo contato, esclarecidos os motivos, bem como objetivos dos serviços demandados, em poucos dias, eu já estava em ação. O profissionalismo da senhora que me procurou, no melhor padrão gerencial, facilitou tudo! Recebi o briefing e, em dois dias, realizei a apresentação do plano de criação da obra. Vencida a etapa inicial, onde a concepção foi discutida, só restava executar a pintura. O tempo restante, relativamente curto, não permitia descuidos para a execução. O cronograma do cliente se mostrava muito exíguo.
Autorizado o serviço, quase não consegui dormir; eu precisava realizar a segunda etapa imediatamente. Foram poucos dias! Dias de atividades no ateliê, com muitas horas de trabalho, executados de forma quase frenética. Fiquei bastante estafado! Muito bom trabalhar, mas a idade atual do artista, atrapalha o rendimento, o que é de certa forma natural, embora a atividade tenha sido feita de forma muito prazerosa! Fiquei feliz, por conseguir atender a encomenda.
Tão logo possível, novo contato, dei notícias! Foi um breve relato, dizendo da evolução do trabalho: - “Senhora ..., tenho trabalhado muito, noite e dia, no projeto. Usei diversos recursos pictóricos, para tentar contemplar, com aspectos de comunicação visual, alternativas que possam sugerir, ao homenageado e à sua família, boas recordações do Brasil. Tentei colocar o máximo de elementos de informação rememorativa, dentro dos aspectos citados no briefing, além daqueles contidos nas tratativas iniciais!”
Completei o relatório, acrescentando: - “Lamento não ter, atualmente, com meus 76 anos de idade, a mesma vitalidade física, como anteriormente. Estou ofertando ao presente projeto meu máximo esforço! Adaptei o espaço da tela ao volume de informações, na melhor forma possível, dentro das dimensões aprovadas. São centenas de detalhes, pesquisas históricas e alguns aspectos de coerência temática, para organizar e equilibrar, dentro dos parcos noventa e dois centímetros de largura por sessenta e cinco centímetros de altura!”.
Em seguida, antes de entrar numa descrição mais ampla da composição do quadro, como era solicitada, informei, à representante da empresa contratante, que não pude encontrar soluções, para minimamente referenciar literalmente, na pintura, por exemplo, detalhes sobre “produção de cacau”. Em outros casos, felizmente, consegui incorporar ao quadro a informação requerida, como no detalhe do “Campo de Golf”, por meio de um ardil, sutil, que os leitores poderão notar, mediante olhar mais atento da imagem!
Usando a máxima que diz “para um bom entendedor meia palavra basta”, fiz uso de semânticas pictóricas, para construir as mensagens necessárias.
Foram muitas horas de árduo trabalho sobre a tela, onde os pincéis e as tintas, por vezes, se negavam a seguir meus comandos. Além disto, a artrite reumatoide, ao me infelicitar as mãos, dificulta a perfeição. Felizmente, a espontaneidade do traço naïf é uma das mais deliciosas formas de criação! Como qualquer artista, eu entendo que tenha de aceitar e respeitar, em alguns momentos da pintura, que haja certa liberdade de participação dos próprios elementos da composição, juntamente com os recursos pictóricos, no ato de conquistar o espaço da tela. Pincéis e tintas por vezes têm alma!
Continuando! Depois de alguns dias, finalmente, a boa notícia! O trabalho já se encontrava em processo de secagem, etapa essa que necessitava aguardar mais tempo, antes de passar à embalagem, para posterior envio pela transportadora. Considerando o exíguo tempo ainda disponível, não haveria folga para a pintura entrar em retoques e nova secagem. Assim sendo, na hipótese de que a obra não merecesse aprovação, constatei que o processo não teria tempo para ajustes nem modificações.
Até aqui, descrevi etapas da composição do quadro! Seguimos então a proposta planejada, ficando, contudo, a colocação de moldura, a encargo da contratante.
A obra, fotografada, como agora poderá ser apreciada pelos leitores, teve elaboração muito rica de detalhes; dei ênfase numa paisagem sonhada, totalmente criada pela imaginação, resultando desse fato o nome do quadro “Em algum lugar do Brasil – ...”.
Lá está, um céu do entardecer, despejando tonalidades de amarelo sobre o horizonte distante! Um sol de despedida, cálido e gostoso! Representa o final de mais um dia glorioso de labor! Muitas nuvens, aquecidas, dão suporte aos bandos de pássaros, em revoada, retornando ao abrigo de seus ninhos.
Essa foi a grande solução, para referenciar discretamente a presença de uma forte logomarca, como aquela dos produtos de tradição, que a empresa contratante oferta em todo o Brasil. Dessa forma, pude encontrar a solução iconográfica, capaz de simbolizar o ninho, o lar, onde os filhotes aguardam pelos alimentos, colhidos na natureza, na forma pura, pelos pássaros.
Nesse mesmo cenário, as nuvens, ao serem observadas, por pessoas de espírito doce e infantil, permitem iniciar um exercício lúdico, por meio de diálogos da imaginação com as diversas figuras no céu.
Logo abaixo, no horizonte da imagem, surgem formações de montanhas escarpadas, num plano mais distante, sugerindo, por exemplo, a Serra do Mar, local onde, possivelmente, diversas formações escarpadas existentes, teriam inspirado os versos do Hino Nacional, que fazem referência ao “Gigante pela própria natureza”, “Deitado eternamente em berço esplêndido”. Procurei, com tais montanhas, dar a ideia da imensidão do território continental do Brasil.
Num próximo plano, meia distância, podemos ver pastos de gado leiteiro; ao centro, uma palhada de roça de milho já colhida. Nascendo dentro da mata, vemos uma cascatinha que forma cristalino riacho, dividindo o cenário em duas partes. Seguindo esse “tour”, mais abaixo, podemos ver uma estreita estrada asfaltada, tão comum no interior do país, por onde trafegam alguns veículos. Sobre essas vias, estreitas, o escoamento da nossa produção agrícola tem sido garantido, para que chegue às cidades, às indústrias e aos portos do nosso imenso litoral. É o poder do agronegócio brasileiro.
Destaca-se, nesse ponto, a figura de um moderno caminhão amarelo, especializado no transporte de leite. Na beira da estrada, há uma placa que, simbolicamente, aponta para a direção onde estaria, dentro dos próximos 15 Km, um campo de golfe; imagina-se então que o carro, um lendário Fusca, que por ali trafega, possa pertencer a algum aficionado pelo sofisticado esporte.
Podríamos preguntarnos: ¿Quién sería este personaje? ¡No importa! ¡Adelante!
Atravessando a estrada, vemos, uma outra placa, que sinaliza a proximidade de uma pequena vila. O nome é Santa Maria, muito comum; existem várias vilas e cidades com essa denominação, em todos os países cristãos. A zona urbana da vila, logo à frente, à beira da estrada, forma um diminuto aglomerado de casinhas, com pequenas chaminés fumegantes. São fogões a lenha, anunciando delícias da culinária interiorana, que já estão sendo preparadas, para o jantar. Para quem sabe sonhar, a tela agora é ofertada para excitar a imaginação. Pensa num cuscuz, num arroz carreteiro, ou num feijão tropeiro; um frango com pequi, mugunzá, e tantas outras coisas típicas da comida do interior! A noite se aproxima; e o nome Santa Maria indica que, na simples capela, status menor na hierarquia clerical, o padre põe o badalar sinos nas torres, para anunciar a hora da oração Ave Maria.
As margens do riacho estão cheias de primaveris lírios brancos, conhecidos popularmente como Copos-de-Leite, espontaneamente ali floridos. Próximo à vila, há um pequeno circo, muito simples, que leva o sugestivo nome de “Circo Moça Fiesta”. Desde 1990, há registros da existência do circo, que, durante muitos anos, percorreu cidades do interior, ganhando destaque; fazia parte de campanha publicitária, sucesso na programação das televisões da época.
Os postes de sustentação e o embandeiramento, com enfeites, na entrada do circo, têm cores que remetem às origens dos criadores dos melhores espetáculos de picadeiros no Brasil. Muitos vieram da Europa; especialmente, da Andaluzia, Espanha, migraram alguns dos mais importantes gestores de empresas de muitos ramos, para atuar na contribuição do progresso do Brasil.
Do outro lado do riacho, vemos um típico campo de futebol de várzea; onde se defrontam dois times locais, bem-organizados. As cores dos uniformes denunciam as paixões e preferências esportivas. Reparem, os jogadores estão bem uniformizados! Certamente, o resultado desse jogo, a depender dos torcedores, sempre será o empate!
Finalmente, vamos ao final da história?
Terminada a secagem da tela, bem embalada, foi remetida ao destino, tendo demorado ainda seis dias, até, finalmente, chegar ao endereço de entrega. Depois de emoldurada e devidamente embrulhada, durante uma comemoração carinhosamente preparada, segundo me contaram, a obra pode, com requintes e toques de uma emocionante despedida, tempestivamente, cumprir a missão precípua de presentear, condignamente, o importante homenageado. Seu nome? Um dia se saberá! A festa foi realizada “Em Algum Lugar do Brasil, ...”!
Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu
no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio
das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas entidades
culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de
Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes –
ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos
Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba,
Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em
salões de artes plásticas.
Citado em catálogos e sites, possui
obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do
Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do
Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França.
Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e
coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha,
Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado para
a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em
Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”,
Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela
editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital
Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais
como tema nas belas artes.


Nenhum comentário:
Postar um comentário