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| Figura 1 - Ilustração Rio de Flores - Tela Rocha Maia |
Quando vejo pequenos prodígios infantis,
nos vídeos da Internet, apresentando talentos musicais, na frente de plateias
repletas de experts ou, algumas vezes, em logradouros públicos, parecendo
experientes profissionais, fico admirado! Com que facilidade e domínio, aquelas
criaturinhas desempenham suas performances. Parecem mini gênios! Fazem
acontecer verdadeiros shows, têm a naturalidade própria de “calejados” artistas.
Sinto-me orgulhoso de ter nascido na
espécie homo sapiens sapiens! Fico muito feliz de ver que, entre os ditos
“humanos”, há aqueles que, ainda novinhos, superam os limites dos padrões da
normalidade. Excedem níveis medianos de inteligência. Basta observar a maneira
incomum como se apresentam. Com tão pouca idade, cantam, dançam, desenham,
pintam, tocam instrumentos musicais, com grande intimidade. Impressionam, igualmente,
alguns pequeninos atletas, excelentes na capacidade física apresentada; praticam
ginástica com tamanha facilidade que poderiam participar de olimpíadas.
Tornam-se afamados, igualmente, os
jovens que, acima da média da sua faixa etária, já dominam idiomas complexos,
ou revelam extraordinários conhecimentos na matemática e outras áreas das
ciências. Há inclusive uma pedagogia apropriada, para esses prodígios serem
atendidos, com processos educacionais especializados e competentes. Esses casos
são conhecidos e estudados, por serem característicos de crianças com
inteligência acima da média. São considerados e observados pelo conceito de
superdotados.
Não pretendo entrar nessa
conceituação dos superdotados, porque, além de ser polêmica, está muito acima
da minha capacidade e conhecimento. O que eu quero abordar é a questão cultural
da nossa sociedade, em relação à maneira como pouco valorizamos, entre nós, algum
tipo de talento superior juvenil que, na falta de uma melhor definição, vou
denominar como “visão-de-negócios” ou, se preferirem, capacidade de gerar
riquezas e ganhar dinheiro, com grande produtividade, ainda na adolescência.
Ficarei na simplória pergunta: por que
não buscamos, logo cedo, entre nossos jovens, os mais talentosos para a criação
de negócios? Negócios simples, que eles sejam capazes de empreender, com
sucesso, tanto nas atividades comerciais como também de produção, desde
pequeninos. Poucos, por exemplo, recebem noções básicas de economia doméstica!
Não pretendo levantar a discussão
no sentido do trabalho infantil. Não é isso! Enveredar por esse rumo, leva o
assunto para o campo da exploração da criança, como simples mão-de-obra. Também
não quero fazer abordagem sociológica do trabalho injusto da criança, coisa que
nada tem com o desenvolvimento de talento nato e inteligência privilegiada. Destaco
apenas essa questão, no mesmo patamar, como são colocados jovens talentos, nas
artes, nas ciências e demais áreas dos esportes, hoje tão demandadas pelas
próprias políticas de valorização da capacidade intelectual e física das
crianças.
Por que nos preocupamos tanto, querendo
oferecer boas oportunidades de experiências diversas aos nossos filhos? Por que
estimulamos nossas crianças a experimentar momentos variados, nos estudos e
práticas de conhecimentos, principalmente nas artes e nos esportes? Oferecemos,
quando possível, cursos de idiomas, robótica ou informática! Seria apenas para
despertar talentos ou denotar capacidades, físicas e intelectuais, acima da
média humana? Não creio que seja somente por isso!
Fico deveras impressionado, por
exemplo, com a profusão de escolinhas de futebol, academias de dança e cursinhos
de idiomas, com especialização para público “kids”, espalhadas pelos bairros! Fico
boquiaberto, também, com o poder do marketing digital, destinado à divulgação, por
oportunistas, dos chamados influenciadores digitais; inundam as mídias sociais,
infelizmente, dando ênfase para a maior diversidade de falsos talentos,
besteirol infanto-juvenil, como jamais o mundo conheceu.
Fui durante alguns anos instrutor
do SEBRAE, em Brasília. Colaborei muito, ministrando cursos destinados ao
treinamento de microempreendedores e novos gestores de pequenas empresas. Posso
afirmar que, as turmas de adultos, eram formadas por um público diferente, com
grande diversidade de perfis humanos! Aparecia todo tipo de gente! Eu costumava
dizer que era curso “sopa-de-letrinhas”! Naquela época, aprendi a me comunicar usando
três ou quatro tipos diferentes de linguagem, para poder explicar a mesma coisa
a todos os alunos presentes nas salas de aula. Começava com gente simples, pouca
escolaridade, parco conhecimento de vocabulário, e chegava até o pessoal
pós-graduados, com domínio de dois ou mais idiomas; encontrei todas essas
pessoas, sentadas “lado-a-lado”, nas salas de treinamento do SEBRAE.
Dentre aqueles que frequentavam,
havia sempre um grupo que se sobressaia; era formado por pessoas com altíssimo
grau de interesse e comprometimento. Existia também um grupo, felizmente
pequeno, constituído por alunos que eu classificava como do gênero “Ets”;
estavam ali somente para cumprir a obrigação de frequentar e receber
certificado de conclusão. O grupo que se destacava, pra valer, era formado por
empreendedores, por gestores e por pessoas que buscavam ensinamentos factíveis,
algum tipo de conhecimento mínimo, porém prático e eficaz, obviamente
necessário ao sucesso de suas empresas. Não se importavam com certificados ou o
saber livresco!
Outra característica daquele grupo:
estava longe de ser formado por fracassados! Nada disso! Eram pessoas de
sucesso, que haviam percebido ter a necessidade de obter conhecimento, capaz de
manter o sucesso já conquistado! Necessitavam de mais conhecimentos práticos,
de fácil aplicação, especialmente sobre gestão de negócios! Conheci casos
deveras emocionantes, de grande valor, verdadeiros exemplos de força de vontade
e alto poder de persistência, frente aos obstáculos na lida diária dos empreendimentos.
Sou capaz de apostar que, nenhum daqueles alunos, jamais pensou em entrar numa
fila, de algum programa social, para receber, mensalmente, valores de bolsas “auxílio-isso-ou-aquilo”.
Um detalhe, porém, sempre me
despertou a curiosidade. Praticamente, todos eles eram pessoas que, desde a
infância, haviam convivido com ambientes de pequenos ou médios negócios.
Traziam de berço a cultura do trabalho familiar. Alguns haviam trilhado, com
brilhantismo, carreiras técnicas ou de profissionais liberais. Alguns haviam
ingressado, por concurso, no serviço público, mas jamais deixaram de sonhar em
empreender por conta própria. Na primeira oportunidade de participar de algum
programa de demissão voluntária, não pensaram duas vezes, pularam fora, e iniciaram
atividades de risco, empreendendo com capital próprio.
Foi dessa forma, por esse detalhe,
que eu percebi, a questão da importância de se oferecer aos nossos filhos,
oportunidades, para experimentarem suas potencialidades como futuros
empreendedores. Igualmente, no grupo de alunos do SEBRAE, eu notei que, para
ser um bom empresário, a maturidade do indivíduo pode ser um requisito
interessante, mas não obrigatório. Existem outras qualidades necessárias de serem
estimuladas, além do talento e características próprias do indivíduo, que nasce
com capacidade empreendedora.
Justamente, na época das aulas no
SEBRAE, eu lembrei do caso do Juca, um menino a quem eu conheci pessoalmente.
Era um rapazito comum, como tantos outros que existem no campo, afeitos ao
trabalho duro desde cedo, para ajudar na renda familiar. Muitas vezes, usei aquele personagem, que eu
conheci na roça, para exemplificar os modelos teóricos preconizados pelo SEBRAE,
no tocante às características de um bom empreendedor.
Em 1970, quando trabalhei como
gerente de uma granja, muitas pessoas da região procuravam-me, para pedir
emprego temporário. Uns pretendiam, simplesmente, ganhar apenas alguns trocados,
para engordar a graninha da cerveja ou da pinga no final de semana. Certo dia,
apareceu um menino magrinho, fracote mesmo, candidatando-se a uma vaga de
servente de pedreiro. Notei que o tipo de trabalho não combinava com o biotipo
do garoto. Olhei de banda o tipinho; e pensei: - “Não vai servir! Deve ter 10
anos de idade.” Perguntei pelo seu nome, ele respondeu firme: - “Juca!” Quando
perguntei pela idade, tomei um susto; ele respondeu: - “15 anos”!
Inacreditável! Conferi os documentos do moleque e, não é que o danadinho estava
com a razão, tinha mesmo a idade declarada?
A seguir, passei ao teste de
aptidão física. Fomos ao barraco da obra, onde estavam os sacos de cimento! Eu
não acreditei novamente, quando o garoto ergueu um daqueles sacos de cimento, com
50 Kg, e conseguiu colocar no ombro direito. O próximo teste achei
desnecessário fazer, mas Juca fazia questão de mostrar que poderia encher o
carrinho-de-mão com areia peneirada, andar cinco metros e colocar a areia na
betoneira. Fiquei com dó do garoto! Foi aprovado e contratado. Força de vontade
e persistência!

Figura 2 - Quadro: “Arranca-toco x Cata-cavaco” – Por Rocha Maia
Entretanto, surpresa maior estava guardada. Foi num domingo, no campo improvisado do pasto onde, como a gente falava, “nóis sirreunia” para um jogo de bola, estilo “Arranca-toco” contra “Cata-cavaco”. Com sorte, sempre aparecia a quantidade de jogadores suficiente para os dois times. Quando não, jogávamos com quem estivesse lá. No começo era fácil de organizar. Os “sem-camisa” contra os “de-camisa”.
O tempo foi passando; eu notei, o
Juca nunca era escalado! Ficava na beira do campo, como gandula oficial! No
final de alguns meses, resolveram dar um nome para o time local, homenagem ao
lugarejo e marca de força e raça: Cruzeiro Futebol, cor azul celeste! Fui
convidado a ser o padrinho do time. Adivinhem por quê? Eu era o único que podia
patrocinar as camisas, chuteiras e a bola para os jogos. Fiz mais! Me autointitulei
preparador-físico! Sendo assim, eu tinha poderes para nomear os titulares e os
reservas, bem como, sem perder tempo, indiquei e aprovei o Juca, como meu
auxiliar.
Com o tempo, observei que o Juca
era um tremendo empreendedor. Ele conseguia conciliar as atividades de auxiliar;
gandula oficial; e guardador do material esportivo, com as atividades de sua
própria iniciativa: a venda de pipocas, balinhas, salgadinhos, refrigerantes e
mais algumas coisinhas, que ele oferecia; primeiro era dentro de sacolas e depois
num carrinho de ambulante. Nunca tive tempo de verificar o que era tudo aquilo
que ele vendia, mas pelo tipo do público, percebi que devia ser alguma coisa de
interesse também para mulheres. Na parte comercial que o Juca explorava, eu
nunca me meti, porém, certa ocasião, vi que ele conseguia as mercadorias e os
equipamentos, com o dono da vendinha local, o respeitado e conhecido Manuel Salomão.
Não era uma sociedade! O dono da
vendinha não se expunha a nenhum problema na comercialização, apenas abria
crédito, para o Juca assumir o risco. No final do dia, se Juca vendia alguma
coisa, pagava ao Salomão, se não vendia, devolvia a mercadoria, desde que
estivesse em bom estado, com a embalagem perfeita. Portanto, em termos
práticos, o Juca era um empreendedor perfeito e completo.
O tempo foi passando! Juca deixou
as atividades de auxiliar de preparador físico; e transformou-se numa espécie
de fornecedor oficial da torcida, nos jogos de futebol do Cruzeiro. No início,
ele acompanhava o time no caminhão fretado pelo Cruzeiro, pegando carona com a
tralha de seu comércio. Tão logo ele pode, tirou carteira de motorista e
comprou a camionete Rural Willys, um calhambeque, verde alface, ganhando então
total autonomia de transporte que necessitava. Inclusive, passou a cobrar pelo
transporte de algumas das meninas, já conhecidas na época como
“Marias-chuteiras”. Elas só queriam acompanhar os namorados, nos jogos
realizados mais distantes. Para os padrões locais, Juca já era um empresário de
sucesso! Quando não havia jogo, ele fazia fretes, mais baratos, para
passageiros da roça, desejosos de ir fazer compras na cidade. Sem saber, ele
foi pioneiro no serviço de “Uber” rural! Precoce nos negócios, logo juntou
dinheiro e, logicamente, casou-se antes de fazer 19 anos, com uma moreninha
fogosa, um pouco mais velha que ele!
Anos mais tarde, relembrando dos
meus tempos de vida na agricultura, pintei alguns quadros que destacavam temas,
relativos ao assunto que estou a lhes narrar neste momento. Os campos de
futebol na roça, pintados por mim, sempre tiveram, em algum cantinho da tela,
personagens que rememoravam o jovem empreendedor Juca!
Que o Bom Deus tenha iluminado e abençoado os caminhos daquele menino! Juca, um prodígio na arte de empreender com sucesso e gerar riquezas para o nosso povo!
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| Figura 3 - Quadro: “As Andorinhas Voltaram” por Rocha Maia |
Luiz Roberto da Rocha Maia nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas. Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |



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