segunda-feira, 9 de outubro de 2023

 


Este texto é mera reflexão sobre um boato disseminado em redes sociais e programas de fofocas. Pareceu-me importante refletir sobre a questão porque recupera um romance de Leon Tolstói , um autor que raramente aparece nas discussões populares e traz à cena um tema caro à Literatura (e não somente à Literatura): epifania.

Dois esclarecimentos iniciais são necessários. O primeiro deles é que a autora deste texto é fiel seguidora de Brás Cubas, o personagem de Machado de Assis, que afirma: “Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado da miséria humana”. Declaro, com isso, que não me casei, não fui arrebatada por nenhum grande amor (nem mesmo por um amor “a contos de réis”), não tive filhos e sou, como todo professor de Literatura, bastante céptica a essa história de “ser feliz para sempre”.

O segundo ponto a ser esclarecido é o termo epifania (em tese, todos deveriam saber que, no romance “A hora da estrela”, de Clarice Lispector, a protagonista tem uma epifania e o assunto estaria liquidado, mas...). De modo geral, epifania é a aparição ou a manifestação de algo associado ao divino, ao transcendente. A epifania ainda pode ser entendida como um pensamento iluminado, uma espécie de inspiração divinal, que surge em um momento de impasse, complexo e que, finalmente, soluciona uma dúvida, uma frustração, uma angústia profunda.

Ponderações feitas, retomemos o assunto que enseja o presente texto. Cresceu surpreendentemente a venda do livro "A morte de Ivan Ilitch" , de Leon Tolstói, um dos grandes nomes da literatura universal, que foi publicado em 1886.

Sabe por quê? Lucas Lima costuma recomendar leituras de livros consagrados em seu perfil no Instagram, descobriram que ele andou sugerindo a leitura do livro de Tolstói e usou a seguinte legenda: "Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas". Pois é, Lucas Lima e Sandy anunciaram a separação, contrariando o bordão do Romantismo: "Casaram-se e foram felizes para sempre".

O romance de Tolstói começa pelo fim: A morte de Ilitch é anunciada.

Funcionário público, meia idade, aparentemente bem-sucedido, ele foi vítima de uma doença grave e terminal (pelas características descritas, segundo os estudiosos da obra de Tolstói, seria um câncer de intestino).

Homem de classe média, obcecado pelo sucesso social, pelo status, pela segurança financeira, pelo trabalho, a progressão da doença e a aproximação da morte fazem com que Ilitch comece a questionar:

a)      o sentido da vida;

b)       o valor dos prazeres mundanos (riqueza, poder e tudo que o dinheiro possa comprar);

c)      a ausência de reflexão sobre as questões mais pessoais/espirituais.

Eis que a epifania acontece. Ilitch entende que a verdadeira felicidade e o significado da vida não podem ser encontrados nas conquistas materiais ou no prestígio social. Ele demonstra-se arrependido de não ter vivido aquilo que considera uma vida autêntica, que fosse baseada no amor, na compaixão e na busca de um propósito mais elevado.

Qualquer professor de Literatura (e, provavelmente, Filosofia, Teologia, entre outras áreas do conhecimento) conhece essa epifania, essa descoberta - é aquilo que eu sempre refiro como "cartas trocadas com o passado", o nosso aprendizado que é feito com prosadores, poetas, historiadores que deixaram os seus escritos: ao fim e ao cabo, a existência humana só tem sentido: no amor (ao todo, à humanidade); na compaixão; em um propósito mais elevado (colocar a vida a serviço despretensioso em favor do próximo mais vulnerável, como crianças, idosos, pessoas enfermas, por exemplo).

Sim, e Lucas Lima? A sua postagem traz a frase: "Baita reflexão sobre a vida, sobre escolhas e os porquês destas". É possível entender/depreender pela leitura e interpretação do trecho que “escolhas” é a base da sua escrita, na palavra escolha, propriamente dita, e em “destas”, que remete a escolhas. Talvez (e isso é mera elucubração das redes sociais e dos canais de fofoca), Lucas Lima tenha tido uma epifania sobre as escolhas que tem feito. Talvez!


Texto: Prof.ª Dr.ª Elaine dos Santos
Ilustrações: Jornal Rio de Flores

Elaine dos Santos. Natural de Restinga Seca/RS. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos (in memoriam). Doutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. Autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação de sua tese de doutorado, e coautora em mais seis livros nas áreas do Direito, História e Literatura. Atuou como professora no ensino médio, na graduação e na pós-graduação. É revisora de textos acadêmicos. Cronista com participação em mais de 80 antologias. Antologista, com três antologias já organizadas. Participa de várias academias literárias gaúchas e nacionais. É detentora da Comenda “Cícero Pedro de Melo”, concedida pela Câmara Literária de Pomerode”, de Pomerode/SC; da Comenda “Maria Firmina dos Reis, concedida pelo Instituto Internacional Cultura em Movimento, Mundo Cultural World e Academia Maranhense de Ciências, Letras e Artes Militares; e da Comenda Barão de Mauá, honraria concedida pela Academia de Letras e Artes de Arroio Grande – ALAAG, de Arroio Grande/RS.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão



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