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| Ilustração Jornal Rio de Flores - Tela: Rocha Maia |
“Vai viajar? Quer conhecer um Portugal diferente? Vá ao Norte!”. Era assim que Sérgio Amaral falava. Recomendava sempre: “Conheça algum monumento megalítico! Os Dolmens ou Antas!” Se alguém perguntasse: “Por quê?”; então ele argumentava: “Queres saber de que vos servirá ver um amontoado de pedras enormes, aparentemente colocadas, sem sentido, num local ermo? Servirá como inspiração reverenciosa, à memória de povos de raízes mais antigas que os lusitanos! Talvez, aquelas pedras, tenham sido colocadas em honra da memória de algum grande líder tribal, no longínquo passado pré-histórico ibérico!” Finalmente ele dizia: “Creio que servirá para que possas melhor entender, como era a vida nas terras ibéricas, muito antes da Idade Média. Depois, vá conhecer o castelo berço de Portugal em Guimarães”.
Segui o conselho do amigo! Assim, tive
a oportunidade de visitar a Anta da Cunha Baixa! Monumento bem preservado, localizado
perto de Mangualde/Viseu. Remonta 2.500a.C.; portanto, bem anterior à primeira
invasão romana, que aconteceu no ano de 194 a.C.!
Após conhecer a megalítica Anta da Cunha Baixa, os Castelos Medievais já não me pareciam tão antigos. Aparentavam pertencer mais ao nosso tempo atual. Por diversas ocasiões, visitei o Norte, com fantásticos registros do esplendor medieval, em terras que deram origem a Portugal. Há, contudo, um caso que destaco e quero lhes contar! Uma estranha experiência, com ares de sobrenatural!
Durante as viagens, tudo sugeria
normalidade, até o dia que visitei o Castelo de Santa Maria da Feira, distante
aproximadamente 40 km da cidade do Porto. Uma edificação milenar, notavelmente
conservada, representativa do grande patrimônio histórico do passado ibérico,
em estilo de arquitetura militar medieval, atualmente classificado como
Monumento Nacional! Sempre que estive naquele local, e foram algumas vezes,
percebi um fenômeno estranho, revelado quando eu me aproximava da velha muralha.
No Brasil, ao vermos uma igreja ou
casarão muito velho, com 300 ou mais anos, já achamos ser uma coisa muito
antiga, não é verdade? Considerando a questão por parâmetros da nossa história,
com pouco mais de 500 anos, torna-se bastante complicado entender os
emaranhados antropológicos, documentados, nos mais de três mil anos a.C. da
história europeia, disponíveis para visitação em Portugal.
Visitei diversos dos castelos
medievais. Entretanto, apenas no de Santa Maria da Feira senti uma emoção tão
profunda, à qual denominei, respeitosamente, de “A COISA!”. Todas as vezes que
pisei nos terrenos da referida arquitetura medieval, sem que me fosse possível entender,
por qual motivo, fui levado a chorar de emoção.
Notei ser um sentimento muito forte;
que brotava espontâneo! Não necessitava de estímulos ou apelos sentimentais. Bastava-me
a visualização física daquelas muralhas colossais. No peito, uma sensação de angústia,
misturada com estanho peso sobre os ombros. Percebi ruídos, vozes e sombras
fantasmagóricas no local. Não me pareceu ser um fenômeno paranormal. Apenas uma
emoção descomunal, misto de saudade e de amor, com pitadas de arrepios
sobrenaturais. Igualmente, causava-me espanto, ao me afastar do Castelo, quando
já indo embora, na curva da estrada, todas aquelas sensações estranhas
terminavam. Era como se houvesse um descanso instantâneo; ao me afastar do
local, a “coisa” cessava.
Buscando entender aquele tipo de
manifestação, firmei a hipótese, para minha própria convicção, de que, tudo era
fruto de alguma forma de saudade. Teria origem, talvez, em aspectos genéticos?
Com tal definição, tudo se resumia numa fórmula: era uma espécie de saudade genética!
De que outra forma eu poderia entender “a coisa”? Fenômeno comum não era!
Impossível! Queria poder descrever tudo aquilo, com imparcialidade e calma! Gostaria
que Jorge Miguel, o meu cicerone, pudesse entender a razão dos meus olhos
lacrimejantes, após os acontecimentos e experiências, que eu percebia naquele
local, mas, infelizmente, quando ia narrar me faltavam palavras.
Tentei muitas vezes me controlar,
fingir que nada sentia, mas a força daquele fenômeno sempre foi muito maior! Olhando
os detalhes daquela construção, com milhares de anos, observando as formas de
encaixes das pedras, milimetricamente posicionadas, vinha a vontade de saber
mais sobre as pessoas que lá habitaram! Como viveram naquelas cercanias? Como
seria a vida deles, o cotidiano de trabalho e lazer? Impossível saber!
Percorrendo áreas internas do
castelo, pude conhecer detalhes curiosos da arquitetura. Descendo por
escadarias frias, atravessando cômodos gelados, escuros e pouco arejados, torna-se
normal sentir um pouco de pânico, alguma agonia claustrofóbica. Iluminação
precária, ventilação fraca, circulação interna limitada e as péssimas condições
sanitárias, forçosamente, devem ter estimulado os habitantes do castelo a
passar o máximo de tempo fora das muralhas. Certamente, deveriam amar estar ao
ar livre, sentir o sol durante cavalgadas pelos campos. As festas do solstício
de verão, até os dias de hoje festejadas no local, seriam como verdadeiros
shows de convivência social, montados nas clareiras, ou espaços amplos, nas
praças dos vilarejos próximos.

Castelo de Santa Maria da Feira/ Portugal. Fotografias Rocha Maia – 2010
Um detalhe bastante curioso que
encontrei, foi um grande buraco, numa laje encrustada na muralha, de maneira
relativamente discreta, na parte mais alta da torre. Perguntei o que era,
responderam-me: “Trata-se de uma sanita!” O detalhe da fotografia, completa a
informação, sobre a utilidade daquele “equipamento-de-guerra”! Disparei a rir
ao pensar, como, em pleno combate, as forças de defesa talvez tivessem, naquela
sanita, um bom recurso de “artilharia”, contra os invasores. (a sanita na
muralha - 2013.)
Diversas outras partes, dentro
Castelo, que pude visitar livremente, reforçaram a minha crença sobre o que eu
sentia. “A coisa”, era a tal saudade genética! Notei que aqueles ambientes não
me causavam desconforto ou fobia. Pareciam áreas que, de alguma forma, eram
conhecidas na minha intimidade de vida. As escadarias escuras, as ameias e as
seteiras nas muralhas, por exemplo, me sugeriam algo conhecido e comum. Despertavam-me
orgulho e sentimentos de combate e vitória! Entretanto, não consegui perceber
como aqueles blocos de granito, pesando muitas toneladas, foram empilhados, sem
a ajuda de guindastes, apenas com a força de braços humanos ou de parelhas de
cavalos. Numa das últimas visitas, além das minhas lágrimas, percebi no calabouço
forte calor no ar, o que me fez sentir desconforto para respirar. O ar pesado
tornara-se sufocante, desconfortável, quando eu tentei imaginar como teriam
sido realizados combates entre os antigos guerreiros. Afastei-me rapidamente do
local! (As imagens do Castelo por dentro.)
As sensações, por mim percebidas, reforçaram a versão hipotética da saudade genética. Tenho certeza de que há algo que me sensibiliza e motiva, profundamente, naquele cenário medieval, capaz de despertar, na minha imaginação, formas cotidianas de vidas passadas. Tenho a esperança de poder lá retornar, e conseguir entender o que é aquela “coisa”, que tanto me emociona. O que há naquele local? Seria algo relativo a encarnações anteriores? Um rancor não resolvido? Um ciúme escondido, esquecido? Ou seria um amor dedicado; algo que escrevi, em cartas que nunca mandei? Sei lá! Um dia descobrirei o meu fado!

Quadro “Castelo de Santa Maria da Feira”, por Rocha Maia
Luiz Roberto da Rocha Maia nasceu no
Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das
Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas entidades
culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de
Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes –
ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos
Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal,
França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de
artes plásticas.
Citado em catálogos e sites,
possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos
do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do
Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França.
Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e
coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha,
Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi selecionado
para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em
Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”,
Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela
editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital
Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais
como tema nas belas artes.

Edição e Direção Geral
Renato Galvão





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