terça-feira, 5 de setembro de 2023

 

Ilustração Jornal Rio de Flores - Tela: Rocha Maia

“Vai viajar? Quer conhecer um Portugal diferente? Vá ao Norte!”. Era assim que Sérgio Amaral falava. Recomendava sempre: “Conheça algum monumento megalítico! Os Dolmens ou Antas!” Se alguém perguntasse: “Por quê?”; então ele argumentava: “Queres saber de que vos servirá ver um amontoado de pedras enormes, aparentemente colocadas, sem sentido, num local ermo? Servirá como inspiração reverenciosa, à memória de povos de raízes mais antigas que os lusitanos! Talvez, aquelas pedras, tenham sido colocadas em honra da memória de algum grande líder tribal, no longínquo passado pré-histórico ibérico!”  Finalmente ele dizia: “Creio que servirá para que possas melhor entender, como era a vida nas terras ibéricas, muito antes da Idade Média. Depois, vá conhecer o castelo berço de Portugal em Guimarães”.

Segui o conselho do amigo! Assim, tive a oportunidade de visitar a Anta da Cunha Baixa! Monumento bem preservado, localizado perto de Mangualde/Viseu. Remonta 2.500a.C.; portanto, bem anterior à primeira invasão romana, que aconteceu no ano de 194 a.C.!


Após conhecer a megalítica Anta da Cunha Baixa, os Castelos Medievais já não me pareciam tão antigos. Aparentavam pertencer mais ao nosso tempo atual. Por diversas ocasiões, visitei o Norte, com fantásticos registros do esplendor medieval, em terras que deram origem a Portugal.  Há, contudo, um caso que destaco e quero lhes contar! Uma estranha experiência, com ares de sobrenatural!

Durante as viagens, tudo sugeria normalidade, até o dia que visitei o Castelo de Santa Maria da Feira, distante aproximadamente 40 km da cidade do Porto. Uma edificação milenar, notavelmente conservada, representativa do grande patrimônio histórico do passado ibérico, em estilo de arquitetura militar medieval, atualmente classificado como Monumento Nacional! Sempre que estive naquele local, e foram algumas vezes, percebi um fenômeno estranho, revelado quando eu me aproximava da velha muralha.

No Brasil, ao vermos uma igreja ou casarão muito velho, com 300 ou mais anos, já achamos ser uma coisa muito antiga, não é verdade? Considerando a questão por parâmetros da nossa história, com pouco mais de 500 anos, torna-se bastante complicado entender os emaranhados antropológicos, documentados, nos mais de três mil anos a.C. da história europeia, disponíveis para visitação em Portugal.

Visitei diversos dos castelos medievais. Entretanto, apenas no de Santa Maria da Feira senti uma emoção tão profunda, à qual denominei, respeitosamente, de “A COISA!”. Todas as vezes que pisei nos terrenos da referida arquitetura medieval, sem que me fosse possível entender, por qual motivo, fui levado a chorar de emoção.

Notei ser um sentimento muito forte; que brotava espontâneo! Não necessitava de estímulos ou apelos sentimentais. Bastava-me a visualização física daquelas muralhas colossais. No peito, uma sensação de angústia, misturada com estanho peso sobre os ombros. Percebi ruídos, vozes e sombras fantasmagóricas no local. Não me pareceu ser um fenômeno paranormal. Apenas uma emoção descomunal, misto de saudade e de amor, com pitadas de arrepios sobrenaturais. Igualmente, causava-me espanto, ao me afastar do Castelo, quando já indo embora, na curva da estrada, todas aquelas sensações estranhas terminavam. Era como se houvesse um descanso instantâneo; ao me afastar do local, a “coisa” cessava.

Buscando entender aquele tipo de manifestação, firmei a hipótese, para minha própria convicção, de que, tudo era fruto de alguma forma de saudade. Teria origem, talvez, em aspectos genéticos? Com tal definição, tudo se resumia numa fórmula: era uma espécie de saudade genética! De que outra forma eu poderia entender “a coisa”? Fenômeno comum não era! Impossível! Queria poder descrever tudo aquilo, com imparcialidade e calma! Gostaria que Jorge Miguel, o meu cicerone, pudesse entender a razão dos meus olhos lacrimejantes, após os acontecimentos e experiências, que eu percebia naquele local, mas, infelizmente, quando ia narrar me faltavam palavras.

Tentei muitas vezes me controlar, fingir que nada sentia, mas a força daquele fenômeno sempre foi muito maior! Olhando os detalhes daquela construção, com milhares de anos, observando as formas de encaixes das pedras, milimetricamente posicionadas, vinha a vontade de saber mais sobre as pessoas que lá habitaram! Como viveram naquelas cercanias? Como seria a vida deles, o cotidiano de trabalho e lazer? Impossível saber!

Percorrendo áreas internas do castelo, pude conhecer detalhes curiosos da arquitetura. Descendo por escadarias frias, atravessando cômodos gelados, escuros e pouco arejados, torna-se normal sentir um pouco de pânico, alguma agonia claustrofóbica. Iluminação precária, ventilação fraca, circulação interna limitada e as péssimas condições sanitárias, forçosamente, devem ter estimulado os habitantes do castelo a passar o máximo de tempo fora das muralhas. Certamente, deveriam amar estar ao ar livre, sentir o sol durante cavalgadas pelos campos. As festas do solstício de verão, até os dias de hoje festejadas no local, seriam como verdadeiros shows de convivência social, montados nas clareiras, ou espaços amplos, nas praças dos vilarejos próximos. 

 

Castelo de Santa Maria da Feira/ Portugal. Fotografias Rocha Maia – 2010

Um detalhe bastante curioso que encontrei, foi um grande buraco, numa laje encrustada na muralha, de maneira relativamente discreta, na parte mais alta da torre. Perguntei o que era, responderam-me: “Trata-se de uma sanita!” O detalhe da fotografia, completa a informação, sobre a utilidade daquele “equipamento-de-guerra”! Disparei a rir ao pensar, como, em pleno combate, as forças de defesa talvez tivessem, naquela sanita, um bom recurso de “artilharia”, contra os invasores. (a sanita na muralha - 2013.)

 

Diversas outras partes, dentro Castelo, que pude visitar livremente, reforçaram a minha crença sobre o que eu sentia. “A coisa”, era a tal saudade genética! Notei que aqueles ambientes não me causavam desconforto ou fobia. Pareciam áreas que, de alguma forma, eram conhecidas na minha intimidade de vida. As escadarias escuras, as ameias e as seteiras nas muralhas, por exemplo, me sugeriam algo conhecido e comum. Despertavam-me orgulho e sentimentos de combate e vitória! Entretanto, não consegui perceber como aqueles blocos de granito, pesando muitas toneladas, foram empilhados, sem a ajuda de guindastes, apenas com a força de braços humanos ou de parelhas de cavalos. Numa das últimas visitas, além das minhas lágrimas, percebi no calabouço forte calor no ar, o que me fez sentir desconforto para respirar. O ar pesado tornara-se sufocante, desconfortável, quando eu tentei imaginar como teriam sido realizados combates entre os antigos guerreiros. Afastei-me rapidamente do local!  (As imagens do Castelo por dentro.)

 

As sensações, por mim percebidas, reforçaram a versão hipotética da saudade genética. Tenho certeza de que há algo que me sensibiliza e motiva, profundamente, naquele cenário medieval, capaz de despertar, na minha imaginação, formas cotidianas de vidas passadas. Tenho a esperança de poder lá retornar, e conseguir entender o que é aquela “coisa”, que tanto me emociona. O que há naquele local? Seria algo relativo a encarnações anteriores? Um rancor não resolvido? Um ciúme escondido, esquecido? Ou seria um amor dedicado; algo que escrevi, em cartas que nunca mandei? Sei lá! Um dia descobrirei o meu fado!  

Quadro “Castelo de Santa Maria da Feira”, por Rocha Maia

Fotografia, telas e texto: Rocha Maia
Ilustração e Edição: Jornal Rio de Flores

Luiz Roberto da Rocha Maia nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.

 

Edição e Direção Geral
Renato Galvão



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