quinta-feira, 27 de julho de 2023


É difícil saber, com certeza, qual a razão do fenômeno que vou abordar. Não é novidade, para ninguém, mas é bom lembrar que, desde sempre, nossa terra teve grandes e profundas ligações culturais e afetivas com os portugueses. Basta ver os sobrenomes das famílias, para entendermos os laços históricos e culturais existentes.

Logo após o início da colonização portuguesa, no ano de 1530, embora o descobrimento tenha acontecido antes, em 1500, tivemos um crescimento de migrações, nas formas espontâneas ou forçadas. Somente a partir de 1808, quando da famosa abertura dos portos às nações amigas, por meio da primeira Carta Régia, assinada por D. João VI, houve uma explosão de diferentes migrações. Começou a chegar gente de todos os cantos do mundo! Acredita-se que, os primeiros viajantes, espalharam, mundo afora, as boas notícias, sobre as maravilhas da nossa natureza, o clima ameno e a abundância de alimentos. Porém, cabe a indagação: -Seria essa a única razão dos fluxos migratórios?  

Acredito que única, não! Mas, o movimento de migrações foi viabilizado e permitido, trazendo europeus e asiáticos aos nossos portos. Entretanto, nada se compara à vinda dos portugueses, como degredados ou a trabalho no serviço de interesses da Corte. O Brasil passou a ser povoado, com forte sotaque lusitano! Atualmente, nosso idioma, bastante machucado, com estrangeirismos, é conhecido como o “português-do-Brasil”.

Contam historiadores que, naqueles tempos coloniais, o idioma mais falado era o tupi-guarani. Naturalmente, recebia algumas formas de influência de línguas africanas e do castelhano, esse mais ao sul. Entretanto, o que interessa lembrar, são aquelas migrações que ocorreram, algumas muito fortes, outras mais fracas, nos Séculos XIX e XX. Destacam-se nesses casos, migrações planejadas, como a chegada de portugueses, italianos, alemães, galegos, russos, árabes e japonês, destinados ao trabalho na agricultura. Além disso, importante destacar, também, a chegada de africanos, que vieram de forma diferente daqueles trazidos nos tempos da escravidão. Essas novas levas, formadas por refugiados mais recentes, eram de vítimas de guerras civis, como o caso de angolanos, moçambicanos etc. Junto com esses novos refugiados, surgem sul-americanos que buscam trabalho urbano nas manufaturas brasileiras. 

Não se pode afirmar, entretanto, acredita-se que o caldeamento, dessas culturas, tenha sido capaz de tornar o brasileiro esse povo hospitaleiro, simpático e aberto a intimidades, com bastante facilidade, tal como fomos reconhecidos pelos estrangeiros. Uma das características é o nosso bom-humor, principalmente quando ocorrem situações complicadas ou aflitivas. Por volta de 1950, as anedotas sobre portugueses faziam muito sucesso no rádio brasileiro. Havia uma espécie de preferência nacional, pelos temas humorísticos que destacassem textos anedóticos, sobre personagens lusitanos. Certamente, naquela época, já rolavam algumas piadas de argentinos, italianos, judeus e japoneses, porém, como sucesso nacional, as preferidas eram aquelas ouvidas na rua, repetindo, com amigos, as mais engraçadas, transmitidas no programa PRK30, pela Rádio Nacional.

Como foi possível aquilo, num país que, descoberto (1500), colonizado (1530), unido (1815) e libertado (1822), vivia sob total influência de leis, burocracias e cultura política, com nítida influência lusitana?

Lembro-me disso, quando ainda criança! Era comum ouvir histórias jocosas, faladas com a imitação do sotaque português, abrasileirado, contadas pelo meu avô!  Para tornar mais engraçado o esquete do rádio, na época, a sutileza era usar e abusar, simplesmente, do artifício de enfatizar, em cada personagem, questões negativas, relativas ao comportamento no cotidiano, principalmente quando contendo críticas à inteligência. Naqueles tempos, nada de encher o texto de palavrões ou maledicências! A sutileza ficava por conta de algumas palavras ingênuas ou maliciosas.

Não tinha esse negócio de “politicamente-correto”! A Rádio Nacional transmitia, para todo o Brasil, uma programação humorística, muito popular. Era o programa PRK30, com Lauro Barbosa e Castro Barbosa (o “português”), cuja transmissão, diária, fazia os ouvintes rirem muito. Havia, também, o programa de nome sugestivo “Balança, mas não cai”. Uma programação engraçada do carioca Max Nunes, onde os personagens dialogavam, em torno de questões cotidianas e bastante populares na época. Imitavam ser moradores de um prédio de apartamentos, numa paródia ao primeiro “arranha-céu” no Rio de Janeiro. Anos depois, na TV, com igual sucesso, foi reeditado o quadro do “Primo Pobre Primo Rico”, numa atuação magistral dos artistas comediantes Afrânio Rodrigues, Brandão Filho e Paulo Gracindo.

 

Quadro “Balança, mas não cai” – Por Rocha Maia -145cm x 90cm

Os personagens, nos programas de rádio e TV, faziam lembrar migrantes que aqui viviam apegados ao sotaque e tradições da Santa Terrinha, das freguesias e aldeias do Norte de Portugal. Existia também gente oriunda de diferentes partes do mundo, deslocados para o Brasil, por força de guerras ou pobreza extrema. Movidos a contragosto, abandonando suas origens, muita gente optou por ter como destino o Brasil. Todos embalavam um sonho: implantar, nas Américas, nova vida, com a esperança de liberdade e de muito trabalho, criar família e possibilidade de enriquecer.

Anteriormente, ainda durante o Brasil Império, muitas migrações estrangeiras foram incentivadas, nos próprios países de origem. Aqueles que vieram, olhavam o Brasil, como um porto de oportunidades. Recebiam aqui acolhimento preferencial, em razão da mobilidade social, provocada nas guerras, afastando-os para longe da terra natal.

A partir do ano de 1808, houve maior movimentação de migrações. Naquele tempo, não havia organismo internacional, para suprir demandas de povos deslocados, como atualmente há, na ONU, o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados. O ACNUR visa assegurar e proteger direitos de pessoas, em situação de refúgio, seja por epidemias, guerras, terrorismo ou calamidades climáticas. Portanto, os migrantes não eram, no passado, pessoas que necessitassem receber auxílio social ou ajuda humanitária, objetivando o acolhimento. Nada disso! Havia, nas pessoas, vontade pura e verdadeira de buscar, em terras distantes, sonhos de liberdade, realização de projetos de progresso, melhoria e oportunidade de vida futura, além de segurança para filhos e netos, viverem segundo valores e tradições de família, cultura e credos religiosos.

A migração portuguesa foi colossal! Algo impossível de ser quantificado. Estima-se que, atualmente, muito mais de 6 milhões de brasileiros têm, ao menos, um avô ou uma avó de nacionalidade portuguesa. Um número ainda maior, na casa de dezenas de milhões, possui algum tipo de ascendência lusitana direta, mesmo que distante.

Minha família, por exemplo, além de alguns poucos suecos e irlandeses, conhece a origem direta da ligação genealógica lusitana, tão antiga quanto a descoberta do Brasil! Comprovadamente, a mãe de meu pai, tinha o sobrenome de solteira “Correia de Sá e Benevides”. Minha avó tinha ligação genealógica, direta, com Mem de Sá, o terceiro governador-geral do Brasil, de 1558 a 1572; Estácio de Sá, fundador e primeiro governador-geral da capitania do Rio de Janeiro (1565); e Salvador Correia de Sá e Benevides, por duas vezes governador-geral do Rio de Janeiro (1578 e 1598).

Portanto, conjeturando sobre quais razões poderiam ser motivo da grande quantidade de personagens e piadas, ridicularizando portugueses, levanto uma hipótese. Embora não tenha como provar, eu só posso crer ser tal fenômeno fruto das desavenças entre monarquistas e republicanos. Naquela altura, 1950, ainda se afrontavam, mesmo após a Proclamação da República, no distante ano de 1889. Fora essa hipotética forma de entender o fenômeno, uma espécie de picuinha histórica, de cunho político-militar, não encontro outra explicação, para tamanha profusão de piadas. Caso o leitor tenha outra hipótese, por favor, sinta-se à vontade e comente. Para terminar, estou a saber que, em Portugal, a recíproca era feita com anedotas sobre brasileiros!

Anedota -“Cinema 180 graus no Brasil... Lançamento! Muita gente na primeira sessão! Terminada, ninguém saía! Silêncio! O Resgate foi chamado, para ver o que aconteceu. Os brasileiros estavam todos mortos! Recomendação dos socorristas: em próximas sessões, diminuir a temperatura, na sala do cinema, de 180 para 18 graus!” KKKKK 

Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração e Edição: Jornal Rio de Flores 

Luiz Roberto da Rocha Maia – nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.


Edição e Direção Geral
Renato Galvão


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