É difícil saber, com certeza, qual a razão do fenômeno que vou abordar. Não é novidade, para ninguém, mas é bom lembrar que, desde sempre, nossa terra teve grandes e profundas ligações culturais e afetivas com os portugueses. Basta ver os sobrenomes das famílias, para entendermos os laços históricos e culturais existentes.
Logo
após o início da colonização portuguesa, no ano de 1530, embora o descobrimento
tenha acontecido antes, em 1500, tivemos um crescimento de migrações, nas formas
espontâneas ou forçadas. Somente a partir de 1808, quando da famosa abertura
dos portos às nações amigas, por meio da primeira Carta Régia, assinada por D.
João VI, houve uma explosão de diferentes migrações. Começou a chegar gente de
todos os cantos do mundo! Acredita-se que, os primeiros viajantes, espalharam,
mundo afora, as boas notícias, sobre as maravilhas da nossa natureza, o clima
ameno e a abundância de alimentos. Porém, cabe a indagação: -Seria essa a única
razão dos fluxos migratórios?
Acredito
que única, não! Mas, o movimento de migrações foi viabilizado e permitido,
trazendo europeus e asiáticos aos nossos portos. Entretanto, nada se compara à
vinda dos portugueses, como degredados ou a trabalho no serviço de interesses
da Corte. O Brasil passou a ser povoado, com forte sotaque lusitano! Atualmente,
nosso idioma, bastante machucado, com estrangeirismos, é conhecido como o “português-do-Brasil”.
Contam
historiadores que, naqueles tempos coloniais, o idioma mais falado era o
tupi-guarani. Naturalmente, recebia algumas formas de influência de línguas
africanas e do castelhano, esse mais ao sul. Entretanto, o que interessa lembrar,
são aquelas migrações que ocorreram, algumas muito fortes, outras mais fracas,
nos Séculos XIX e XX. Destacam-se nesses casos, migrações planejadas, como a
chegada de portugueses, italianos, alemães, galegos, russos, árabes e japonês,
destinados ao trabalho na agricultura. Além disso, importante destacar, também,
a chegada de africanos, que vieram de forma diferente daqueles trazidos nos tempos
da escravidão. Essas novas levas, formadas por refugiados mais recentes, eram
de vítimas de guerras civis, como o caso de angolanos, moçambicanos etc. Junto
com esses novos refugiados, surgem sul-americanos que buscam trabalho urbano
nas manufaturas brasileiras.
Não
se pode afirmar, entretanto, acredita-se que o caldeamento, dessas culturas, tenha
sido capaz de tornar o brasileiro esse povo hospitaleiro, simpático e aberto a
intimidades, com bastante facilidade, tal como fomos reconhecidos pelos
estrangeiros. Uma das características é o nosso bom-humor, principalmente
quando ocorrem situações complicadas ou aflitivas. Por volta de 1950, as anedotas
sobre portugueses faziam muito sucesso no rádio brasileiro. Havia uma espécie
de preferência nacional, pelos temas humorísticos que destacassem textos
anedóticos, sobre personagens lusitanos. Certamente, naquela época, já rolavam algumas
piadas de argentinos, italianos, judeus e japoneses, porém, como sucesso
nacional, as preferidas eram aquelas ouvidas na rua, repetindo, com amigos, as
mais engraçadas, transmitidas no programa PRK30, pela Rádio Nacional.
Como
foi possível aquilo, num país que, descoberto (1500), colonizado (1530), unido
(1815) e libertado (1822), vivia sob total influência de leis, burocracias e
cultura política, com nítida influência lusitana?
Lembro-me
disso, quando ainda criança! Era comum ouvir histórias jocosas, faladas com a
imitação do sotaque português, abrasileirado, contadas pelo meu avô! Para tornar mais engraçado o esquete do rádio,
na época, a sutileza era usar e abusar, simplesmente, do artifício de enfatizar,
em cada personagem, questões negativas, relativas ao comportamento no cotidiano,
principalmente quando contendo críticas à inteligência. Naqueles tempos, nada
de encher o texto de palavrões ou maledicências! A sutileza ficava por conta de
algumas palavras ingênuas ou maliciosas.
Não
tinha esse negócio de “politicamente-correto”! A Rádio Nacional transmitia, para
todo o Brasil, uma programação humorística, muito popular. Era o programa
PRK30, com Lauro Barbosa e Castro Barbosa (o “português”), cuja transmissão,
diária, fazia os ouvintes rirem muito. Havia, também, o programa de nome
sugestivo “Balança, mas não cai”. Uma programação engraçada do carioca Max
Nunes, onde os personagens dialogavam, em torno de questões cotidianas e
bastante populares na época. Imitavam ser moradores de um prédio de
apartamentos, numa paródia ao primeiro “arranha-céu” no Rio de Janeiro. Anos
depois, na TV, com igual sucesso, foi reeditado o quadro do “Primo Pobre Primo Rico”, numa atuação magistral dos artistas
comediantes Afrânio Rodrigues, Brandão Filho
e Paulo Gracindo.

Quadro “Balança, mas não cai” – Por Rocha Maia -145cm x 90cm
Os personagens, nos programas de rádio e TV, faziam lembrar migrantes que aqui viviam apegados ao sotaque e tradições da Santa Terrinha, das freguesias e aldeias do Norte de Portugal. Existia também gente oriunda de diferentes partes do mundo, deslocados para o Brasil, por força de guerras ou pobreza extrema. Movidos a contragosto, abandonando suas origens, muita gente optou por ter como destino o Brasil. Todos embalavam um sonho: implantar, nas Américas, nova vida, com a esperança de liberdade e de muito trabalho, criar família e possibilidade de enriquecer.
Anteriormente,
ainda durante o Brasil Império, muitas migrações estrangeiras foram
incentivadas, nos próprios países de origem. Aqueles que vieram, olhavam o
Brasil, como um porto de oportunidades. Recebiam aqui acolhimento preferencial,
em razão da mobilidade social, provocada nas guerras, afastando-os para longe
da terra natal.
A
partir do ano de 1808, houve maior movimentação de migrações. Naquele tempo, não
havia organismo internacional, para suprir demandas de povos deslocados, como
atualmente há, na ONU, o Alto-comissariado das Nações Unidas para os Refugiados.
O ACNUR visa assegurar e proteger direitos de pessoas, em situação de refúgio,
seja por epidemias, guerras, terrorismo ou calamidades climáticas. Portanto, os
migrantes não eram, no passado, pessoas que necessitassem receber auxílio social
ou ajuda humanitária, objetivando o acolhimento. Nada disso! Havia, nas pessoas,
vontade pura e verdadeira de buscar, em terras distantes, sonhos de liberdade,
realização de projetos de progresso, melhoria e oportunidade de vida futura,
além de segurança para filhos e netos, viverem segundo valores e tradições de
família, cultura e credos religiosos.
A
migração portuguesa foi colossal! Algo impossível de ser quantificado.
Estima-se que, atualmente, muito mais de 6 milhões de brasileiros têm, ao menos,
um avô ou uma avó de nacionalidade portuguesa. Um número ainda maior, na casa
de dezenas de milhões, possui algum tipo de ascendência lusitana direta, mesmo
que distante.
Minha
família, por exemplo, além de alguns poucos suecos e irlandeses, conhece a origem
direta da ligação genealógica lusitana, tão antiga quanto a descoberta do
Brasil! Comprovadamente, a mãe de meu pai, tinha o sobrenome de solteira
“Correia de Sá e Benevides”. Minha avó tinha ligação genealógica, direta, com
Mem de Sá, o terceiro governador-geral do Brasil, de 1558 a 1572; Estácio de Sá,
fundador e primeiro governador-geral da capitania do Rio de Janeiro (1565); e
Salvador Correia de Sá e Benevides, por duas vezes governador-geral do Rio de
Janeiro (1578 e 1598).
Portanto,
conjeturando sobre quais razões poderiam ser motivo da grande quantidade de
personagens e piadas, ridicularizando portugueses, levanto uma hipótese. Embora
não tenha como provar, eu só posso crer ser tal fenômeno fruto das desavenças
entre monarquistas e republicanos. Naquela altura, 1950, ainda se afrontavam,
mesmo após a Proclamação da República, no distante ano de 1889. Fora essa
hipotética forma de entender o fenômeno, uma espécie de picuinha histórica, de
cunho político-militar, não encontro outra explicação, para tamanha profusão de
piadas. Caso o leitor tenha outra hipótese, por favor, sinta-se à vontade e
comente. Para terminar, estou a saber que, em Portugal, a recíproca era feita
com anedotas sobre brasileiros!
Anedota -“Cinema 180 graus no Brasil... Lançamento! Muita gente na primeira sessão! Terminada, ninguém saía! Silêncio! O Resgate foi chamado, para ver o que aconteceu. Os brasileiros estavam todos mortos! Recomendação dos socorristas: em próximas sessões, diminuir a temperatura, na sala do cinema, de 180 para 18 graus!” KKKKK
Ilustração e Edição: Jornal Rio de Flores
Luiz Roberto da Rocha Maia – nasceu no Rio de
Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras.
Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.
Membro de diversas
entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga
de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas
Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região
dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba,
Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em
salões de artes plásticas.
Citado em
catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior;
bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP,
na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq,
na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas
entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França,
Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.
Por três vezes foi
selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição
2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade
Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili
Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da
revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a
presença de animais como tema nas belas artes.
![]() |
| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


Nenhum comentário:
Postar um comentário