Ao me olhar no espelho, vi tantas
rugas, a pele murcha caindo na direção do chão. Realmente nesse momento descobri minha idade
externa. O tempo foi rigoroso comigo, resolveu mostrar tudo de uma vez. As
bochechas de buldogue, que no cãozinho são charme, para nós mulheres é um
incômodo.
As rugas ou linhas de expressão, não suavizam
o desespero. Dizem ser marcas da maturidade. Mas para mim, são marcas de
trabalhos exaustivos, noites sem dormir, por estar sempre cuidando do outro.
Sendo familiar, filhos
principalmente, nos transformam em uma máquina que lava, passa, cozinha, limpa,
trabalha fora para ajudar nas despesas.
Deixa de ir ao salão, faz em casa mesmo, para não deixar os filhos
sozinhos.
Mãe é babá em tempo integral.
Além, de ser economista nas horas vagas, depois do trabalho. É médica,
enfermeira, conselheira, faz previsão do tempo, do destino das crianças,
pessoas e coisas. Mas, não de si mesma.
Esquece, deixa de se priorizar. E quando me vi
velha, enrugada, com tristeza no olhar eu percebi. Vivi a vida dos outros,
acumulei trabalho e coisas. Hoje em dia a casa está grande demais, os dias de
faxina, foram deixados de lado. Olho para tudo com vontade de me desfazer de
tantas coisas acumuladas. Para que tudo isso? Camas demais, e ninguém para
dormir. Pratos e panelas grandes demais, quando a família vem se puder, só no
fim de ano ou datas especiais.
Roupas demais que já não me servem, não se
ajustam ao corpo, agora mais roliço, com sobras nas laterais não caem bem. Até
o corpo mudou, pareço estar ainda mais baixinha. Aumentou a bainha, apesar do
número ainda continuar o mesmo. Uma roupa mais justa denuncia as imperfeições,
causando angústia.
Guarda-roupas cheio sem ter o que vestir;
saias, vestidos, agora todos soltos tentando esconder as tais marcas do tempo.
Não quero ser acumuladora,
continuar guardando o não utilizável. Quero ter meu cantinho "clean".
Limpo arejado. Menos quartos, menos pratos, menos tudo. Só aquilo que me
couber. Limpeza de alma, corpo e espaço.
Tudo livre de grandes recordações, livre dos pensamentos ruins, dos
fatos imutáveis. Quero ser a borboleta não a lagarta. Quero ter um cantinho do meu gosto. Um espaço
para meus cães, livros e outras coisinhas, que não ocupem meu espaço físico,
nem me deixem cheia de memórias já vividas.
Hoje mesmo feia e cheia de rugas,
eu senti que quero a liberdade. A liberdade de ir e vir já foi conquistada.
Quero me libertar de coisas físicas, nem ter preocupação e obrigação de limpar,
arrumar, só a obrigação de estar sempre ocupada comigo mesma.
Quero deixar o legado de
obrigações aos que viverão mais do que eu. Agora quero ser livre, de
preocupações, de incômodos, de gente que nada fez ou faz por mim.
Tomei as rédeas de minha própria
vida e consciência de que guardar objetos, coisas, até mesmo determinados acontecimentos,
causam um desgaste físico e mental. O jeito é ser despreocupadamente
minimalista. O que passou não volta, reconhecendo que até museus que vivem de
relíquias do passado distante, também são esquecidos, acumulando poeira, em
seus dias e memórias.
Ilustração: Jornal Rio de Flores
Ivete Rosa de Souza (Rosa dos Ventos), nasceu em
Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança,
apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados
do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros
publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como
digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma
libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet.
![]() |
| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


Mais um excelente texto. Embora descrevendo a questão pela visão feminina, me reconheci em muitas das situações. Parabéns Ivete!
ResponderExcluir