quarta-feira, 17 de maio de 2023

 

Figura 01 - Ilustração - Tela Título "Forrobodó" - Rocha Maia

Recentemente, tive a felicidade de participar da Antologia “Velhice, vida ou morte?”, Editora Rio de Flores, sob a “batuta” editorial do artista plástico e escritor/poeta Renato Galvão. Indagado se o tema havia sido assustador, capaz de afastar algum escritor menos afoito nesse tipo de tema, prometi que daria minha opinião, tão logo pudesse ter lido todos os poemas e artigos reunidos na obra.

Antes de chegar ao ponto de resposta, quero aproveitar para ressaltar a excelência do profissionalismo da Editora Rio de Flores, agradecendo a acolhida e o destaque que me foi oferecido, desde o primeiro momento, até a atual posição dos meus contatos com a Empresa. Li todos os artigos e poemas da publicação. Todos estão de parabéns!

Vamos agora respostar! Darei primeiro minha opinião pessoal.

Em razão da idade, quase 76 anos, serei sincero. Não tive problemas frente ao tema proposto no Edital; não me senti em nada constrangido; pelo contrário, foi uma bela oportunidade para nortear minha opinião, no pequeno texto que produzi sob o título “Um dia tem início o declínio!”, páginas 84/85 da Antologia, onde considerei exatamente minha visão e experiência.

Talvez, por saber da dificuldade que algumas outras pessoas têm, quando estão frente ao termo “Morte”, eu usei o subterfúgio de figuras de linguagem, como eufemismo ou metáfora. Pessoalmente, sou fã de Émile Coué! Acredito no poder da autossugestão, contido no mantra “Todos os dias, sob todos os pontos de vista, eu vou cada vez melhor”! É dele também o pensamento – “Não são os anos que nos fazem envelhecer, mas, sim, a ideia de ficarmos velhos. Há homens que são moços aos oitenta anos, e outros que são velhos aos quarenta.” Portanto, tento evitar o uso de frase e de palavras negativas, embora, atualmente, isso esteja ficando muito complicado de praticar!

Ao escrever sobre o tema “Velhice, vida ou morte?”, procurei ser menos contundente ao abordar aquilo que denominei “o destino inevitável de todos nós”. E por qual motivo não falei diretamente o nome desse “destino”? Seria por medo ou paúra?

Figura 2 - Tela Título “Forrobodó!” por Rocha Maia

Vou lhes contar agora!

Quando menino, me contaram uma história. Parece brincadeira, mas é pura verdade. Minha tia-avó, Elsie, padecia de um tipo de fobia que não chega a ser raro. Tanatofobia! Dizendo assim, até que a morte parece mais “palatável”! No fundo, a verdade é que a palavra fica só parecendo, porque se tivesse “sabor”, como sabemos, seria amargo tal qual jiló!

Só de ouvir a palavra “morte”, tia Elsie entrava em crise de pânico! A síndrome era tão forte que, acionava de forma incontrolável o “gatilho”. Bastava apenas a possibilidade de ouvir alguma palavra iniciada por M, O, R, T...! Nas compras de supermercado, tinha um item que se tonava problemático. Para ela pedir mortadela. Morta...dela? Nunca! Jamais! Ela tremia convulsivamente e desmaiava! A coisa virava um verdadeiro forrobodó!

Contavam que um carteiro, certo dia, durante entrega de correspondências, no tradicional bairro de Laranjeiras, Rio de Janeiro, comeu um delicioso sanduiche de Mortadela, oferecido por alguma moradora. Tendo já caminhado bastante, começou a ter cólicas intestinais, muito fortes. Estava fazendo o percurso a pé, quando percebeu aquele momento trágico: não daria tempo de procurar lugar onde aliviar a situação.  Como a coisa estava periclitante, o servidor público, carregando aquela mochila enorme nas costas, bateu desesperado no primeiro portão que encontrou. Atendeu a empregada doméstica, a quem ele, implorando misericórdia, sem praticamente pedir licença, revelou sua desesperadora situação. A mulher correu na frente, para indicar onde era a porta do banheiro. Com dificuldade, passos miudinhos e apertados, o homem entrou na área de serviço da casa. Ele largou do lado de fora, de qualquer maneira a mochila, repleta de cartas, e trancou-se rapidamente no sanitário! Foi quando ocorreu fortíssimo estrondo, como uma explosão talvez. O barulho foi percebido com horror pela empregada; imaginou ter acontecido alguma coisa muito séria no sanitário!

Preocupada, ela batendo na porta, chamou pelo carteiro, com voz enérgica, várias vezes, querendo saber se ele estava bem. Chamou, gritou, bateu muito na porta! Como resposta só percebeu aquele forte odor de esgoto, e um silêncio sepulcral. Naquela altura dos acontecimentos, a dona da casa, minha tia Elsie, veio da sala querendo saber o que estava acontecendo. Ao chegar na área de serviço, já encontrou a doméstica trepada numa escadinha velha, olhando pela bandeira da porta do banheiro. Antigamente, era comum as portas terem a parte de cima móvel. Como o pé-direito das casas era muito alto, obrigava que as portas tivessem uma espécie de janelinha móvel, que se abria para ventilar, independentemente de que a porta estivesse aberta ou não. Era a bandeira da porta!

Olhando por cima, a empregada teve perfeita visão da trágica posição que se encontrava o carteiro. Desmaiado? Certamente que sim! Sentado com as calças arriadas, o tronco emborcado numa espécie de cócoras invertida, tinha a cabeça tombada para a frente, na direção do chão. Um horror! O cheiro era insuportável! Sem poder abrir a porta por fora, a pobre mulher gritava lá da bandeira da porta, na tentativa de que o homem atendesse seus chamados. Gritava tanto que atraiu moradores de casas vizinhas.

Nesse ínterim, tia Elsie resolveu intervir; perguntou o que estava acontecendo. Do alto da escadinha, a moça respondeu: - “Dona Elsie, acuda “nois” Deus! Acho que o carteiro morreu!” Pronto!  Foi o bastante para despertar o pânico da tia; em segundos, tremendo como vara verde, espumando pela boca, a Dona Elsie caiu como um saco de batatas! Pabuffti!  Foi o barulho da velha no chão desmaiada! Tanatofobia! Sim, é esse o nome do treco!  

Encurtando a história! Enquanto a Dona Elsie estava tendo a crise, parecendo até forrobodó, o pobre coitado do carteiro, muito discretamente, após recobrar consciência, tomou fôlego, recolheu a mochila e as cartas; foi saindo bem de mansinho... à francesa; sumiu na rua Farani, onde nunca mais foi visto.

Conclusão! Cuidado para não criar um forrobodó à-toa! Primeiro: nunca ofereça aos carteiros sanduiches de Mortadela. Segundo: se oferecer, lembre-se de que pode ter por perto alguém que sofra de TANATOFOBIA, isto é, PAÚRA de morte! Nesse caso, o sindrômico não participaria, nunca, de uma Antologia, como essa, lançada pela Editora Rio de Flores com grande sucesso!

 Texto e Tela: Rocha Maia
Ilustração: Jornal Rio de Flores
Saiba mais sobre Rocha Maia em:

Luiz Roberto da Rocha Maia – nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural.

Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.

Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal.

Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Videu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes. 


Edição e Direção Geral:
Renato Galvão




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