Exatamente uma semana antes de iniciar o isolamento social em 2020, eu estava a caminho do ponto de ônibus com meu filho, o que faço naturalmente a muitos anos, sempre acompanho meus filhos até a parada de ônibus desde a idade escolar até hoje na idade adulta.
Moro em um Conjunto residencial onde
todas as ruas são sem saída. E entre elas há uma área arborizada. Pois bem ao
atravessar a área verde, me deparei com minha vizinha de rua alimentando um
pequenino cão, um filhote que calculei ter dois ou três meses, todo sujo com
uma gravatinha encardida pendurada ao pescoço. Ela então se virou para mim e
falou:
— Minha
neta trouxe para casa, estava na frente da escola que ela estuda. Só que eu não
posso ficar com ele e você quer ficar?
Antes mesmo que eu respondesse,
o pequeno correu para o meu lado e foi dando as patinhas, me olhando com os
olhos mais lindos desse mundo, com uma carinha de bebê tristonho, mas ao mesmo
tempo com jeitinho de criança sapeca.
Meu filho estava a
uns poucos metros, pois não havia parado de andar, parou a uns metros à frente
e falou sorrindo: — É mãe, já sei que você quer o cachorrinho, pode voltar eu já
vou. E eu voltei acompanhada de perto pelo pequeno. Chegando ao portão de casa
achei graça que o filhote se sentou, e esperou que destrancasse o portão,
quando abri ele simplesmente passou por mim, entrou ao quintal e passou pela
porta da sala quando a abri. Com toda propriedade, como se já conhecesse a
casa.
Só que em casa tem
mais três cães, um macho e duas fêmeas. Eu o apresentei com um bebê.:
— Este é o Jack.
As meninas olharam com curiosidade o pequeno intruso, e o macho correu e foi se
esconder. Levaria umas duas semanas para o Luke aceitar o Jack, nome que dei
sem pensar muito, o Jack por sua vez tanto fez que conquistou a todos, humanos
e não humanos.
Minha filha deu um banho no fedido, eu chamei
o veterinário para ver o menino Jack, por sinal bem saudável apesar de ter sido
abandonado, tomou as vacinas, vermífugos e continuou com apetite de um pequeno
leão em crescimento.
Mas o que mais me encanta, é a esperteza que usou para conquistar seu colo,
os irmãos três anos mais velhos, pediam colo, e o Jack olhava, dava a volta no
sofá, subia no encosto, e descia devagarinho, por sobre meu ombro. Os irmãos, protestavam, ele simplesmente
lambia o focinho deles, enquanto se acomodava no colo.
Foi assim que ele conquistou o
direito ao colo, mesmo com concorrência. O Jack chegou, tomou meu coração, se apossou
da nossa casa, conquistou os irmãos gentilmente.
Não sei explicar o amor que eu sinto
por esse menino. Ele possui um jeito de olhar que chega até a alma, é
engraçado, curioso e brincalhão. Perdi uns pares de chinelos todos ruídos ou
picadinhos, mas não fiquei triste, ele não merecia levar bronca. Quando me sento
para escrever todos se afastam porque sabem que estou concentrada, o Jack não.
Ele funga no meu pescoço, pula em meu colo, lambe pés e mãos, só se dá por
satisfeito, se eu largar o que estou fazendo para lhe fazer um carinho.
Em plena quarentena, ele me acorda às
cinco da manhã. Se coloca em pé ao lado da minha cama e chora baixinho, se eu
fingir que estou dormindo, ele pula em cima de mim, me empurra com o focinho.
Eu me levanto contrariada e com sono, mas o bebê quer comer.
Me sinto mãe do Jack. Dou aos quatro
Luke, Leia, Dori e Jack, um pedaço de cenoura enquanto preparo meu café, e os
pratinhos deles. O Jack começou a entender que ele tem de comer a própria ração
de filhotes, porque até duas semanas atrás ele raspava o pratinho dele e tomava
os dos outros, uma verdadeira luta.
Mas esse moleque travesso conquistou,
meus filhos, e todas as pessoas que adentram nossa casa. Ele não tem pudor em
subir no colo de quem está no sofá, nem nas camas. E já acostumou fazer suas
necessidades junto aos irmãos mais velhos, tem uma amizade especial com a Dori
a menorzinha dos três irmãos, toda branquinha com uma única mancha preta sobre
o olho direito. Os dois correm pulam e dormem juntos.
Caminha escolhida e moldada para
cachorrinho para que? Tem a cama da mamãe que agora ficou apertada, o Jack está
quase maior que a Dori, segundo o veterinário conta agora com 8 meses. Fico
imaginando o tamanho que meu eterno bebê vai ficar. As patas são maiores do que
a dos outros, as pernas são mais longas e desproporcionais, tem olhos bem
claros e sinceros, a pelagem longa, suas orelhas são caídas enormes, sei que é
um vira lata com pelos castanhos claros, tem a cara igualzinha ao cão da Dama e
o Vagabundo, preencheu a casa de tal forma que não temos tempo para ver o dia
passar. Está sendo uma verdadeira aventura.
No momento ele está
aqui, bem embaixo das minhas pernas. Eu me sento, e ele fica sob a cadeira. Fica
esperando na porta do banheiro, choraminga se saio ao quintal para fazer alguma
coisa, ou se eu não o levar comigo aonde for.
Ao me deitar ele também vai
estar lá. Pela manhã eu tenho de abrir a janela, para o Jack subir na poltrona
e ficar por alguns minutos olhando para fora, em pé e compenetrado analisando o
quintal, uma graça. É o primeiro a avisar se algum dos irmãos sai da casa para
o quintal. Ou se alguém diferente chega ao portão, está sempre alerta e ao
mesmo tempo não deixa de aprontar, de agir como criança que ele realmente é.
Quarentena para nós aqui em casa, meu filho
em home office, minha filha em aulas online, eu cuidando da casa e de todos. E
o Jack nos enchendo de amor e carinho. Não sei por que ele me escolheu, mas eu
o amo desde o momento que seus olhinhos me pediram asilo, e tenho certeza de
que é um amor para toda vida.
Meu querido Jack, você veio para ficar e
alegrar os nossos dias. Obrigado, a quarentena será inesquecível não pelo fato
de existir um vírus invisível e malicioso, mas por um pequeno animal que veio
nos dar uma lição de amor incondicional, o maior e melhor de todos, me escolheu
como mãe e tutora dele.
Texto: Ivete Rosa de Souza
Ilustrações: Jornal Rio de Flores
IVETE ROSA DE SOUZA (Rosa dos Ventos), nasceu em Santo André, São Paulo no ano de 1955. Assídua leitora desde criança, apaixonada por poesia. Foi policial por mais de vinte anos, viu os dois lados do ser humano, mas não deixou de sentir e escrever poesias. Com dois livros publicados e participação em mais de trinta antologias, tanto físicas como digitais. Escreve contos, crônicas, além de poemas. Acredita que escrever é uma libertação. Colunista do Jornal Rio de Flores e Jornal Rol da Internet.
Edição e Direção
Renato Galvão


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