De Literatura e outras Artes
Colunista: Prof. Dra. Elaine dos Santos
Navegar é preciso! Desistir não é necessário.
De imediato, esclareço que este texto não se pretende nem ser de cunho religioso, nem apontar tendências político-ideológicas. É apenas uma reflexão feita por uma professora aposentada, solteira, sem filhos, que fez alguns anos de psicoterapia com o propósito único de se entender (e que, por tabela, aprendeu, muitas vezes, na dor da carne, a tentar entender as neuroses da vida).
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| Santiago - Chile |
Em uma viagem ao Chile, em 2012, depois do
norte tórrido, das belezas da região central – meu sonho de infância era
conhecer a capital, Santiago, fomos ao sul, nem tão frio como seria o extremo
sul – ainda assim, frio!
O Chile, sobretudo, do centro para o sul, foi domínio dos índios mapuches (ne), antes da chegada dos espanhóis. Eles têm uma cultura milenar. Estivemos nas cidades de Puerto Montt e Puerto Veras e, dali, numa belíssima tarde de sol, fomos conhecer o vulcão inativo Osorno. Aqui, eu chego ao ponto da minha reflexão: o guia turístico que nos acompanhou era descendente dos mapuche, mas falava fluentemente a língua espanhola. Ele contou-nos sobre as crenças do seu povo.
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| Cidade Puerto Montt |
Conforme a crença mapuche, somos todos filhos de uma mesma mãe, a Terra. O que, “por supuesto”, nos faz irmãos – em qualquer parte do planeta. Guardadas as proporções, a ideia apresentada por ele lembra um pouco a mitologia grega e Gaia (a Terra), mãe de Zeus, Poseidon e Hades, senhores do céu, dos mares e das profundezas da terra.
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| Puerto Veras com vulcão Osorno ao fundo. |
No entanto, o que mais me chamou a atenção
foi a analogia que ele fez com o Cristianismo: os mapuches (e, segundo o nosso
guia, a maioria das tribos sul-americanas) comemoravam a vitória da
vida sobre
as trevas entre 21 e 24 de junho – como se sabe, em geral, o solstício de
inverno no Hemisfério Sul, ocorre em torno do dia 21 de junho e – aqui, o
Cristianismo: São João Batista é festejado em 24 de junho. João Batista é o
anunciador do Cristo.
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| Vulcão Osorno |
Entre as tribos indígenas da América do Sul, entre os dias 22 e 25 de dezembro, havia também festas que marcavam o solstício de verão, a exuberância da vida. Desnecessário dizer que, por analogia, 24 de dezembro, a noite em que o Deus menino nasceu em Belém, na crença daquele homem que nos falava em território chileno, era a vitória da luz sobre as trevas.
Sempre gostei de fazer essa referência:
1. Somos todos irmãos e somos todos corresponsáveis por esse lar que habitamos. Cabe a todos nós preservá-lo e tentar manter a harmonia necessária entre todos os elementos aqui existentes. Não se faz isso apenas no Natal, mas nos acontecimentos diários. Indo além, quem me acompanhou pelo Facebook sabe que repercuto a morte de pessoas da minha comunidade ou, pelo menos, aquelas mais conhecidas. A vida – frase chavão – é um sopro: assim como estamos aqui, não estamos mais. A vida é hoje, o amor é hoje, o reconhecimento é hoje, o abraço é hoje. Depois...depois, não há gestos, nem palavras. Talvez, sobre arrependimento. Amor é todo dia.
2. Por mais trevosos que sejam os dias, haverá um resquício de luz no horizonte. A morte daqueles que amamos é talvez – não tive filhos e não sei como é sobreviver à morte deles – a mais cruel prova a que somos submetidos. É preciso coragem para existir. É preciso coragem para resistir. Haverá sempre um novo sol, haverá sempre uma nova primavera (e eu detesto o perfume das flores, tenho rinite); haverá sempre uma nova colheita: de feijão (agora, em dezembro); de arroz (a partir de março) e outras tantas culturas – uso o sul para definir esses tempos de colheita do feijão e do arroz.
Navegar é preciso, escreveu Fernando Pessoa, quando nos faz recordar que a grandeza de Portugal foi também resultado das mães, das noivas e das filhas que choraram a partida dos seus amados. E eu acrescentaria: das dores, das tristezas, das amarguras daqueles que foram escravizados, mas que fincaram sua cultura entre nós.
Que haja paz no seu Natal e na passagem de Ano Novo, onde quer que você esteja.
Elaine dos Santos é natural de Restinga Seca/RS, cognominada “Terra de Iberê Camargo”. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos, ambos falecidos. Mestre e doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação para professores de língua espanhola pela Universidad de La Republica de Montevidéu, Uruguai. Atuou como professora de Literatura no ensino médio e no ensino superior. Atualmente, é revisora de textos acadêmicos (artigos, projetos, dissertações, teses). Cronista, com participação em diversas antologias. Membro atuante em sete academias literárias.
(ne) Nota do Editor:
Os mapuches são um povo indígena da região centro-sul do Chile e do sudoeste da Argentina. São conhecidos também como araucanos (nome que os espanhóis lhes deram, mas que eles não reconhecem como próprio e percebido como pejorativo) ou eram também chamados reches antes do século XVIII. Os grupos localizados entre os rios Biobío e o Toltén (atual Chile) conseguiram resistir com êxito aos conquistadores espanhóis na chamada Guerra de Arauco, uma série de batalhas que durou 300 anos, com longos períodos de trégua. A coroa de Espanha reconheceu a autonomia destes territórios em 1641, por meio do Tratado de Quilín. Após a independência de Chile e Argentina, estes territórios foram invadidos por destacamentos militares republicanos, sendo a população Mapuche confinada em "reduções" no Chile e reservas indígenas na Argentina. Por conta deste processo de despojo territorial, mais que a metade da população indígena Mapuche vive hoje em dia em zonas urbanas, muitas mantendo, entretanto, vínculos com suas comunidades de origem.
Texto: Elaine dos Santos
Ilustrações e Pesquisas: Jornal Rio de Flores
Fonte e Fotos: Wikipédia







Que texto incrível!
ResponderExcluirAmei ler, uma linda reflexão, como todos os textos da Elaine.
Parabéns!👏👏👏👏
"Navegar é preciso!"
A graduação em Letras oferece um leque incrível para que se possa compreender o mundo. Quando chegamos ao vulcão, o pessoal quis subir até uma determinada altura para fazer "esquibunda", descer a montanha em um apoio, sentado, escorregando na neve. Eu não quis. O guia me disse que caminhasse por uma trilha ao lado do vulcão e que, ao chegar a um determinado ponto, sentasse e me deixasse ficar por uns 20 minutos. Fiquei. Depois, eu deveria olhar para trás e ver o vulcão - ele apareceu gigante, enoooorme às minhas costas. A orientação era, depois, olhar para a frente, destampava-se o vale, longe...e, na sua outra extremidade, outro vulcão. A lição foi: "olha só como a gente é pequeno!" Nas Letras, estudamos a mitologia grega, a mitologia romana, a mitologia celta e alguma coisa, no caso do espanhol, da mitologia asteca...todos os povos, em algum momento, voltam-se para a grandeza que a natureza nos oferta e para a necessidade de bem-estar com ela. Somos nada, somos passagem. Se a narrativa bíblica tem "verdades" é exatamente isso, Deus fez o seu filho tornar-se homem para mostrar que nós, seres humanos, somos incapazes até mesmo de enxergar Deus. Somos nada.
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