Jornal e Livraria Rio de Flores

De Literatura e outras Artes Colunista:

Prof. Dra. Elaine dos Santos

Antares, um incidente muito atual

Para driblar as ferrenhas, mas nem sempre inteligentes, censuras impostas pelas ditaduras que “brotaram” na América do Sul ao longo dos anos 60 e 70, inúmeros prosadores adotaram o chamado “realismo mágico” ou “realismo maravilhoso” – acontecimentos quase impossíveis (quando não impossíveis) de acontecerem numa realidade fática.

O caso paradigmático é “Cem anos de solidão”, de Gabriel García Marquez.

Érico Veríssimo manteve-se à margem do combate à ditadura militar no Brasil – e há forte desconfiança que se beneficiou disso. No entanto, talvez o seu melhor romance seja justamente uma crítica à ditadura, à falta de liberdade de expressão e essas coisas que a opressão impõe.

Nesses tempos em que o ódio e a falta de diálogo impõem-se em nossa sociedade, eu tenho rido bastante – porque, ao fim e ao cabo, estamos diante de uma hipocrisia generalizada.

Em “Incidente em Antares”, romance publicado em 1971, mortos insepultos, em razão de uma greve de coveiros, e que foram deixados à frente do cemitério, levantam-se de seus caixões e vão até a cidade exigir providências.

Uma das cenas mais icônicas é dona Quitéria Campolargo, rica fazendeira, adentrando em sua casa, convicta que sua família ainda estaria em choque, chorosa pela sua morte e encontrando todos a dividir os seus bens: terras, móveis, joias.

Depois que todos visitam os seus familiares, os mortos reúnem-se no coreto da praça e, tendo Cícero Branco, o advogado que teve um AVC quando encontrou a esposa acompanhada por um amigo em atos nada recomendáveis na cama do casal, como porta-voz, passam a fazer a sua principal exigência: um enterro digno. Antes, porém...

Erotilde, a prostituta, que morrera de tuberculose, conta um pouco sobre o péssimo serviço de saúde do município e a negligência com que foi tratada.

João Paz mostra os efeitos da tortura sobre seu corpo débil, imposta pelos militares para que ele confessasse fazer parte do suposto Grupo dos Onze – uma lendária (e nunca confirmada) organização sob a tutela de Leonel Brizola para resistir à investida ditatorial, que lhe levou à morte, embora o seu atestado de óbito ignorasse.

E, assim... a pacata, decente, justa, honesta sociedade de Antares vai desmoronando... Toda a hipocrisia reinante é desfeita. Não há cidadão de bem que não tenha uma mancha no seu currículo para desfazer a aura de perfeição.

Os mortos são, claro, enterrados. Vence a hipocrisia!

Érico Veríssimo (1905-1975) foi um escritor brasileiro. "Olhai os Lírio do Campo", é sua obra-prima. Foi um dos melhores romancistas brasileiros. Fez parte do Segundo Tempo Modernista. Recebeu o "Prêmio Machado de Assis" pelo conjunto da obra e o "Prêmio Graça Aranha" com "Caminhos Cruzados".

Saiba mais em: https://www.ebiografia.com/erico_verissimo/

Gabriel García Márquez (1927-2014) foi um escritor colombiano. Autor do livro “Cem Anos de Solidão” publicado em 1967, “A Terceira Resignação” e “A Revoada” (O Enterro do Diabo).. Recebeu o Prêmio Nobel de Literatura, em 1982, pelo conjunto da obra.

Saiba mais em:https://www.ebiografia.com/gabriel_marquez/

Elaine dos Santos. Natural de Restinga Seca/RS, cognominada Terra de Iberê Camargo. Filha de Mario Cardoso dos Santos e Vilda Kilian dos Santos, ambos falecidos. Mestre e doutora em Estudos Literários, pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Possui formação em língua espanhola pela Universidad de La Republica, Montevidéu (Uruguai). Estudiosa de literatura gaúcha, circo, teatro e melodrama. Atuou como professora de Literatura no ensino médio e no ensino superior. É revisora de textos acadêmicos. Cronista, com publicações em jornais e em diversas antologias. Participa das Academias: ALPAS 21, ALAAG, AILB, AISLA e Academia Internacional da União Cultural de Taubaté.

Fontes:

Texto: Elaine dos Santos

Pesquisas e Ilustrações: Jornal Rio de Flores