domingo, 16 de março de 2025

 

Por muitas vezes, nos tempos que trabalhei na Defesa Civil Federal, à época ligada ao Ministério do Interior, tive oportunidade de manter conversação com gente de todas as partes do Brasil. Foi lá que entendi quando alguém usava falar sobre os “brasis”! Assim, brasis, no plural! Que País fenomenal, “gigante pela própria natureza”, tantas vezes exaltado, sem que o povo soubesse o significado!

Trabalhando com gente de todos os cantos do País, acostumei-me a conversar respeitosamente, em variados tipos de “dialetos” verde-amarelos, alguns originários de típicos e simples modismos históricos ou resultantes de migrações, quando não chegando mesmo a serem únicos, exclusivos de determinados estados ou microrregiões. Em alguns casos, já se pode dizer da possibilidade de estar a surgir a versão abrasileirada do idioma português, ou até mesmo quando os acordos ortográficos e tratados lusófonos são esquecidos ou desqualificados. Conjeturando sobre esse fenômeno, para entender melhor questões filológicas, cheguei a crer que a língua portuguesa é mais do que apenas o idioma oficial; acredito que o português se transformou, para os brasileiros, numa forma de cimento fonêmico, adicionado ao “concreto-linguístico” da nossa nacionalidade!  

Sim, é um berço enorme que espelha a nossa grandeza, por meio de um povo multiétnico, habitando terras que apresentam uma das maiores biodiversidades do Planeta! Aos povos originários, vieram juntar-se pessoas de todos os lugares do mundo. A mobilidade social, principalmente nos últimos períodos de pós-guerras mundiais, deu ao brasileiro uma riqueza de misturas, com culturas, sotaques, e sonoridades inigualáveis. No Brasil Colônia falavam a Língua Geral, em nada parecida com o Português. Em 1758, foi proibido o ensino da linguagem geral, sendo então obrigatório o uso da língua do colonizador português. Embora proibida, a Língua Geral, tal como o fenômeno de miscigenação, não foi fácil de controlar; resultando na ilegalidade prática, pela força das chamadas variações linguísticas com o uso popular do idioma. O rápido crescimento da população da Colônia, levou o povo a necessitar de se comunicar! Assim, resultou o surgimento de diferentes sotaques populares do idioma geral, conforme variações do tupi.

Na minha vida, como artista plástico, igualmente, tenho convivido com questões assemelhadas, no tocante às abordagens temáticas naïfs, onde elas remetem à natureza e aos cotidianos variados desses brasis! Gosto dos sotaques que podem ser encontrados, em todos os cantos, alguns engraçados, outros embolados e cheios de “xschiados”! Pessoalmente, tenho uma preferência! Sem desmerecer as demais formas de sotaques, tenho uma simpatia muito grande pelo jeitinho dos mineiros, daqueles que falam o mais genuíno... “Uai, sô!”, bem manso e com aquele sabor de café e pão de queijo, nascido no miolo das tradições, tal como verdadeiro “dialeto”, só encontrado nas Minas Gerais, repleto de mineiridades, sem perder as raízes lusitanas.

O quadro aqui apresentado, surgiu após uma viagem que fiz, para conhecer a encantadora cidade de Tiradentes, cujo nome é uma homenagem ao herói da luta pela independência, Joaquim José da Silva Xavier. A pintura, em estilo naif, usa a imagem simples da histórica Estação Ferroviária, numa composição metafórica, com figuras imaginárias, que dão sentido ao título “Junta os trem muié, que-ê-vem a coisa!”. Trata-se de uma alusão ao jeitinho mineiro de chamar tudo de trem e acabar por denominar a Maria-fumaça de coisa!

Mais do que uma simples alusão à mineiridade, considerei essa pintura como uma maneira carinhosa de homenagear meus queridos amigos mineiros. 

Por conta dessa forma peculiar e gostosa de oralidade no conversar, o povo de Minas Gerais, é alvo “argumas-vêis” de piadas e memes.  Ói só éça!” Outro dia, ouvi o comentário: - “a migração de Valadarenses, para os Estados Unidos da América, foi tão grande que chegaram a cogitar sobre a possível mudança do nome do Estado Americano do Wyoming, para Uai-Hômi!” Falando sério! Esse sotaque é tão simpático e acolhedor, que eu recomendo a quem pensa passar umas boas férias viajando, por Beagá e cidades históricas mineiras, pesquisar na Internet os sites que ensinam o idioma mais falado naquela região, com o sotaque típico do mineirês! Só assim o viajante poderá se comunicar e entender corretamente as perguntas e irá responder de forma gentil, aos simpáticos habitantes de lá, quando perguntarem sobre um “trem” qualquer. Lembre-se de que trem não é apenas o trem, mas que serve para designar qualquer coisa; porém, tenha cuidado, porque “coisa” nem sempre significa a Maria-fumaça do trem, mas “coisa” sempre será um trem qualquer”!  Entonce, fiquesperto..., çôo! Viva, viva, viva! Viva Minas Gerais!  


“Junta os trem muié, que-ê-vem a coisa!” Por Rocha Maia - 2006

Texto e Tela: Rocha Maia
Edição e Ilustração: Jornal e Livraria Rio de Flores
Direção Geral: Renato Galvão

Luiz Roberto da Rocha Maia. Nasceu no Rio de Janeiro/1947. Morou em Teresópolis e Brasília e, atualmente, em Rio das Ostras. Em 2023, completa mais de cinquenta anos de atividade cultural. Membro de diversas entidades culturais, no Brasil e em Portugal, é Fundador da Associação Candanga de Artistas Visuais - Brasília /DF. Membro da Academia Brasileira de Belas Artes – ABBA do Rio de Janeiro; e da Academia de Letras e Artes ALEART, Região dos Lagos/RJ. Participou de mais de duzentos eventos de artes no Brasil, Cuba, Portugal, França e Bulgária. Recebeu mais de setenta premiações e destaques em salões de artes plásticas.Citado em catálogos e sites, possui obras expostas em galerias no Brasil e no exterior; bem como nos acervos do Museu Naïf de São José do Rio Preto/SP; MIAN/Rio/RJ; SESC/SP, na coleção do Château des Réaux; e do Museu Internacional de Arte Naïf de Vicq, na França. Seus quadros estão presentes também em pinacotecas de diversas entidades e coleções de aficionados por arte naïf no Brasil, Cuba, França, Itália, Espanha, Chile, Japão, Bolívia e Portugal. Por três vezes foi selecionado para a Bienal Naïfs do Brasil, tendo recebido o prêmio aquisição 2006, em Piracicaba/SP. Na literatura, publicou o catálogo “Ingenuidade Consciente”, Editora A3 Gráfica e Editora – 2010; o livro “O Diário de Lili Beth”, pela editora Viseu – 2021; e colaborou com a Coluna Arte Animal, da revista digital Animal Business Brasil, escrevendo artigos versando sobre a presença de animais como tema nas belas artes.












2 comentários:

  1. Grande artista nos pincéis e nas letras.
    Que a arte sempre te aco.panhe.
    Belíssimo texto e obra maravilhosa!!!

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  2. Uai, que trem interessante sô!

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