segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

 

        
    Nascemos finitos, mas não nascemos sabendo disso. Na infância, somos protegidos pelos nossos familiares, as dores e perdas da vida adulta não nos alcançam e, se alcançam, acabam chegando lentamente, para que em algum momento no futuro saibamos lidar com isso. Hoje em dia, nesse mundo cada vez mais caótico e globalizado, talvez seja mais difícil proteger as crianças da avalanche de informações que chegam até nós e elas. A sociedade mudou bruscamente, tanto que muitos de nós ou passamos por episódios de ansiedade, ou de depressão, principalmente após o período de pandemia.
 
        Lembro em dois episódios da minha infância, tive perdas de pessoas próximas, vizinhos, aos meus 6 anos e aos 13. Lembro que foi numa noite de véspera de Natal que ocorreu a primeira perda. Eu morava numa vila e em uma dessas casas tinha uma família com uma garotinha da minha mesma idade, brincávamos constantemente, de pique, pintávamos papéis em branco com tinta guache após a escola, e por aí vai. No fim do ano, a família fez uma viagem, passou o Natal, o ano novo e não voltaram. Eu perguntava por ela aos meus pais e eles diziam: “foi para o céu, foi fazer uma viagem”. Com aquela idade, eu não entendia o que era isso e saía satisfeito com a resposta, mas com um tempo a certeza viria dolorida.
 
        O segundo caso foi aos 12 anos. Tive uma paixonite pré-adolescente por uma vizinha da minha avó, era alguns anos mais velha que eu, e eu queria conhecê-la. Vivia indo lá e sempre recebendo conselhos da minha avó de que o tempo certo chegaria. Cheguei a escrever uma carta e guardei, infelizmente não deu tempo de entregar. Dessa vez, havia recebido friamente através do meu pai que a menina havia falecido, porque tinha se envolvido com o movimento da região. Fiquei abismado como meu pai me passou a notícia, tanta diferença e indiferença ao mesmo tempo! O que teria mudado?
 
        Cresci, perdi pessoas que não imaginava, passei a entender que um dia chegaria a vez dos mais chegados, mas não sabia se estaria preparado. A verdade é que nunca estamos. A pandemia de 2020 foi uma prova de fogo, onde o medo da finitude acabou por completo. Não tinha medo de perecer, tinha medo de perder os mais próximos e não saber como reagir. Perdi vários amigos, vi amigos sendo enterrados após voltarmos ao novo normal, mas perder alguém é sempre doloroso.
 
        Ao escrever esse texto, sinto a dor de alguém que ainda não partiu, mas que não sei ou não saberia a reação de perder porque, mesmo sendo protegido na infância, talvez não tenha sido advertido da forma mais correta sobre essa dor. Nos últimos meses, tenho distantemente tentado auxiliar e estar presente na vida de alguém que entregou o seu melhor por filhos e netos e viveu por eles, alguém que me auxiliou e aconselhou em parte dessas perdas. Alguém por quem eu já chorei ao longo do ano, pensando sobre toda a caminhada. Nos últimos dias, semanas talvez, não consegui administrar a possibilidade real de perda da minha avó. Já a vi chorando algumas vezes após sair de uma visita, já segurei sua mão para passar um pouco da minha energia, já orei em silêncio e em voz alta, já me questionei sobre referenciais e o futuro…
 
        Hoje, esse texto é uma maneira de dizer que não estamos sozinhos na dor de sermos finitos, nenhum de nós está preparado para lidar com a perda de alguém. Seja como for, não existe uma forma de se preparar, mas existe a certeza de que, mesmo que os mais queridos se vão, permanecerão ao lado daqueles que estão contigo. Ame incondicionalmente, de coração, não deixe que a incerteza do mundo abale as suas certezas sobre as pessoas que estão ao seu redor. Ser finito é doloroso, mas viva o hoje com a certeza de que cada dia pode ser melhor dando as mãos, amando e pedindo perdão e sendo perdoado diariamente.
 
        Tem coisas que não estão no nosso controle, viva o seu momento sem medo de não saber como sentir.

Pedro Garrido é pedagogo, poeta, escritor e palestrante de São Gonçalo - RJ. Participou de diversas antologias e eventos literários nacionais e internacionais, além de ser membro de três academias literárias e de coletivos culturais. Em janeiro de 2021, lançou seu primeiro livro de poemas, "(Uni)Verso". Até agora, publicou quatro obras individuais: "(Uni)Verso" (2021), "duo" (2022), "Teshuvá" (2022) e "Pedrinho e o Cão Brabão" (2023). Também é o criador e produtor cultural do sarau (Uni)versos Livres, realizado mensalmente na Casa de Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí.

Edição e Ilustração: Jornal Rio de Flores

Direção Geral 
Renato Galvão
Rio de Flores Editora


 


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