O episódio do bem-te-vi é uma bela metáfora para a
nossa própria jornada. Muitas vezes, tentamos segurar o peso do mundo e
controlar sua rotação. Queremos voltar no tempo, adiantar o futuro e fazer
mudar o vento que vem em nossa direção. A verdade é que nunca conseguimos e
quase travamos quando achamos que não merecíamos a benção e que a ingratidão
era nosso destino.
Mas, como um verso poético, essa busca por controle nos leva a uma profunda reflexão sobre nós mesmos diante do mundo. O que realmente controlamos durante a nossa vida? A verdade é que não temos controle sobre nada. No entanto, quando deixamos as coisas seguirem seu fluxo naturalmente, nos tornamos instrumentos úteis. Tentar mudar as leis que regem o universo é um esforço em vão. Talvez não exista livre arbítrio, ou talvez exista e você só não tenha entendido como funciona. Não vou entrar nos méritos filosóficos ou teológicos.
A questão é que, com a repetição, aprendemos que não podemos controlar nada, mas podemos ser instrumentos quando necessário. Esta semana, vivi uma experiência que ilustra essa verdade: um bem-te-vi caiu da árvore e não sabia voar. Estava eu fazendo algumas atividades antes de sair para trabalhar, quando minha mãe voltou do mercado. Além das compras, ela trouxe um bem-te-vi estabanado, que tentou dar um voo talvez pela primeira vez e foi parar dentro do mercado. Ela o trouxe e eu tentei acalmá-lo até que ele pudesse seguir seu caminho. Tentei dar água e comida, mas ele não aceitou. Deixei-o livre entre meus dedos, mas ele decidiu ficar. Colocamos ele em uma caixa até que se restabelecesse. Toda vez que nos afastávamos, ele cantava, chamando pela mãe ou por nós.
No dia seguinte, sem ter o controle do mundo, tentamos ajudá-lo, mas ele não aceitava água, comida, nem voava. Após várias tentativas de soluções que não vinham, finalmente entramos em contato com uma pessoa que poderia dar a ele o devido tratamento. Entregamos o bem-te-vi e a pessoa o adotou para dar os devidos cuidados. Não temos o controle do mundo, certo? Certo! Não temos o controle de nada, mas quando somos instrumentos, sempre podemos dar o nosso melhor.
No mesmo dia, após entregar o pequeno bem-te-vi, vimos na vizinhança um gavião pousado, esperando por uma caça fácil. Não estou dizendo que devemos interferir na natureza mais do que já o fazemos. Mas naquele momento, desde aquela ida ao mercado, o nosso papel no mundo não era questionar, mas sim, acolher. Acolher no tempo necessário até que a melhor providência fosse tomada. E assim também é quando estamos nos relacionamentos, na vida, com os amigos e família. Nem sempre vamos entender o que acontece, mas o acolhimento deve vir antes de qualquer julgamento, pois nunca se sabe quem ou o que pode estar à espreita, esperando para fazer sua "caçada".
Quando não entendemos nossa missão no mundo, perdemos oportunidades de cumprir os menores desígnios que sejam. Quando passamos a entender, transformamos toda experiência em aprendizado para ajudar quem precisa, em acolhimento e amor.
Será que você já não foi como esse bem-te-vi e alguém te acolheu quando precisava? Pense bem!
Texto: Pedro Garrido
PedroGarrido é pedagogo, poeta, escritor e palestrante de São Gonçalo - RJ.
Participou de diversas antologias e eventos literários nacionais e
internacionais, além de ser membro de três academias literárias e de coletivos
culturais. Em janeiro de 2021, lançou seu primeiro livro de poemas,
"(Uni)Verso". Até agora, publicou quatro obras individuais:
"(Uni)Verso" (2021), "duo" (2022), "Teshuvá"
(2022) e "Pedrinho e o Cão Brabão" (2023). Também é o criador e
produtor cultural do sarau (Uni)versos Livres, realizado mensalmente na Casa de
Cultura Heloísa Alberto Torres, em Itaboraí.
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| Edição e Direção Geral Renato Galvão |


Maravilhoso! Parabéns!
ResponderExcluirPARABÉNS amigo!!! 👏👏👏👏👏😍😍😍😍😍😍🎉🎉🎉🎉🎉
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