quarta-feira, 10 de abril de 2024

 


Tenho origem muito humilde e nunca escondi isso. Os meus pais semianalfabetos, porém, fizeram inúmeros esforços para que eu pudesse cursar a educação básica (no meu tempo, também chamada de 1º e 2º graus). Sou de um tempo em que filho de pobre deveria ser empregado de famílias ricas, sem qualquer possibilidade de almejar um curso universitário.

A minha mãe, contudo, sempre repetiu: só o conhecimento liberta e somente ele poderá te garantir uma vida melhor que a minha vida e a vida do teu pai.

Em termos de educação formal, segundo um amigo, doutor em Engenharia Ambiental, eu devo ter em torno de 21 anos da minha vida que foram dedicados aos estudos. Ensino fundamental, ensino médio, graduação, mestrado e doutorado constituem parte desse caminho. Depois disso, fui professora de ensino médio, graduação e pós-graduação.

As linhas escritas até aqui servem para duas coisas: sou fruto do esforço e das exigências dos meus pais; entre estudante e professora, eu passei 24 anos no meio universitário, em que se faz, inclusive (eu fiz no Mestrado), disciplinas chamadas, por exemplo, de Redação Acadêmica, em que se aprende a escrever conforme a norma culta da língua portuguesa, mas também de acordo com as exigências dos órgãos de fomento/financiamento de bolsas de estudos, com normas de revistas e eventos para publicação. Diria que sou “formada” em uma escrita hermética, rigorosa, calcada nos meus conhecimentos de língua portuguesa ou, como diziam os meus ex-alunos de ensino médio: “como essa mulher fala difícil”. Imaginem a escrita.

Por outro lado, há um distanciamento muito grande entre o meio universitário, em que se produz conhecimento, tudo é problematizado (o quê? por quê? para quê? como?), nada é uma verdade dada, líquida e certa, e os conceitos, as verdades podem mudar, desde que haja provas suficientes para que a mudança ocorra.

Em 2014, contra a minha vontade, mas premida pelas necessidades básicas da vida, aposentei-me e...boom, um estopim! O meu mundo ruiu. Fora das paredes e dos campi universitários, o mundo da leitura e da escrita, da compreensão dos fatos, é muito diferente, restrito, e eu não estava mais acostumada com isso.

Quem questiona a realidade circundante é louco.

Quem detém um conhecimento específico, por exemplo, as regras básicas da língua portuguesa e usa, é louco.

Quem argumenta contra “as verdades” dispersas pelas redes sociais e que formam o senso comum é louco.

Fui rotulada como louca, difamada à exaustão. Fui ofendida e humilhada pela minha maneira de encarar os fatos, questionar os fatos. Alguns anos de sofrimento e dor foram necessários para entender a visão do mundo una, totalitária que envolve as pessoas, desde preconceitos rudimentares como toda mulher tem que casar e ter filhos até o fato de “filha de pobre com doutorado, imagina!”.

Mas, diante desse cenário (que me foi aterrador), eu descobri como é lindo, instigante, prazeroso um universo que eu sempre amei: ler e escrever. Dessa Arte estupenda, eu quero tratar no meu próximo texto (não desistam de mim).

Antecipo que a Editora Rio de Flores, Renato Galvão e inúmeros coautores de suas antologias têm um papel relevante nessa história.

Texto: Elaine dos Santos

Ilustração: Jornal Rio de Flores

Elaine dos SantosDoutora em Estudos Literários pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM). Tem formação em espanhol pela Universidad de La Republica, Montevidéu. É autora do livro Entre lágrimas e risos: as representações do melodrama no teatro mambembe, adaptação da sua tese de doutorado. Professora aposentada, atuou no ensino médio, graduação e pós-graduação. É revisora de textos acadêmicos. Cronista e antologista. Laureada com a Comenda Barão de Mauá, pela Academia de Letras e Artes de Arroio Grande; Comenda Cícero Pedro de Melo, pela Câmara Literária de Pomerode; Comenda Maria Firmina dos Reis, pelo Instituto Internacional Cultura em Movimento, Mundo Cultural World e Academia Maranhense das Ciências, Letras e Artes Militares; Medalha Comemorativa Alusiva ao Bicentenário do Poeta Gonçalves Dias (1823-2023) pela Federação Brasileira dos Acadêmicos das Ciências, Letras e Artes e Medalha Hilda Ferreira da Cunha pela Academia de Letras e Artes de Arroio Grande.



Edição e Direção Geral
Tenato Galvão

Um comentário:

  1. Magnífica sua experiência e belo exemplo de vida. Já estou na fila esperando o seu próximo artigo. Adorei!

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